Controle o carrapato

Danos causados pelo complexo tristeza parasitária dos bovinos podem ser minimizados ao ser controlado o carrapato (Boophilus microplus), vetor de diversos agentes de doenças. Prejuízo é de US$ 2 bilhões anuais.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Tristeza parasitária dos bovinos (TPB), na verdade, é o nome comum dado a duas doenças distintas, a babesiose e a anaplasmose, ambas transmitidas pelo carrapato dos bovinos, o

. Este complexo, carrapato e doenças por ele transmitidas, causa prejuízos à pecuária de corte e leite do Brasil estimados em cerca de dois bilhões de dólares anuais.

A babesiose tem dois protozoários como agentes,

e

. A anasplamose é causada por uma rickettsia,

. Todos os três são parasitos das células vermelhas do sangue dos bovinos, causando anemia hemolítica, febre, prostração, às vezes, urina cor de sangue (hemoglobinúria) e icterícia (mucosas, ocular, vaginal ou prepucial de cor amarelada). Entretanto, esses sintomas são comuns a outras doenças, devendo o diagnóstico clínico ser confirmado pelo exame laboratorial.

Animais importados de áreas livres são muito sensíveis à doença e, caso não tratados no início das manifestações, geralmente morrem.

Bovinos criados em áreas endêmicas, isto é, onde existe carrapato o ano todo, são infectados desde os primeiros dias de vida. Por serem protegidos pelos anticorpos adquiridos ao mamar o colostro, a maioria passa a crise das primeiras infecções sem manifestar sintomas da doença e se tornam imunes. A mortalidade nesse caso é baixa.

Em áreas de instabilidade endêmica, onde o carrapato desaparece nos meses mais frios, os bezerros não são infectados quando ainda têm a proteção dos anticorpos colostrais, portanto, não desenvolvem a imunidade. Quando o carrapato reaparece, ocorrem muitos casos de doença clínica e a mortalidade é alta.

Em explorações intensivas de gado leiteiro ou gado de origem européia (

) existe a necessidade de um combate mais intensivo ao carrapato, assim, cria-se uma situação de instabilidade dentro de uma região endêmica.

Controle do carrapato

O carrapato

é o principal vilão. Além de ser um parasito que causa grandes prejuízos devido a lesões no couro, espoliação de sangue, também age como vetor de outros agentes de doenças. Um raciocínio rápido e lógico nos leva a dar prioridade para a profilaxia deste parasito, desde seu controle químico até o desenvolvimento de vacina. De fato, a pesquisa tem se dedicado seriamente no desenvolvimento de tecnologias eficientes para o controle do

. Tradicionalmente, o controle do carrapato tem sido feito através de banho de imersão ou pulverização com carrapaticidas químicos. Primeiramente, os arsenicais foram utilizados na campanha de erradicação do carrapato Boophilus annulatus nos EUA, concluída em 1930. Depois, surgiram os clorados, retirados do mercado por apresentarem problemas de resíduos cumulativos e por desenvolvimento de resistência. A seguir foram desenvolvidos os organofosforados, mas os carrapatos também se tornaram resistentes. Seguiram-se os carbamatos e o amitraz, este último ainda mantendo uma boa ação, apesar de já estar em uso por mais de 30 anos. Os piretróides entraram em cena nos anos 80. Foram muito eficientes no princípio, porém apresentam falha em muitas populações de carrapatos resistentes. Mais recentemente, outro conceito de carrapaticida foi introduzido com o uso dos endectocidas à base de avermectinas e de benzoil fenil uréia, que interferem no desenvolvimento dos carrapatos durante seu ciclo parasitário. A seleção do produto a ser utilizado deve ser baseada nos testes de sensibilidade realizados em laboratório.

Vacinas contra o

produzidas por biotecnologia através de DNA recombinante ou mesmo de peptídeos sintéticos estão sendo experimentadas. Porém, promovem baixa proteção e por curto período, dependendo de revacinação semestral, tornam-se bastante onerosas para o produtor. A única vacina contra o carrapato disponível no mercado é produzida a partir do antígeno de superfície das células epiteliais do intestino do

, denominado Bm86. Estas vacinas são úteis em situações extremas de resistência da população de carrapatos aos carrapaticidas disponíveis. A relação custo/benefício deve ser avaliada antes de decidir-se por esse método de controle.

Controle da tristeza

Prevenir a ocorrência das doenças transmitidas pelo carrapato é o melhor remédio. O tratamento dos casos clínicos é caro e, muitas vezes, não dá bons resultados, ou por falta de um diagnóstico laboratorial específico ou pelo estado adiantado da doença.

Na importação de bovinos de áreas livres ou de bezerros desmamados de áreas de instabilidade endêmica, todos os animais devem ser vacinados. Em explorações intensivas de gado europeu, principalmente leiteiro, é recomendável manter os bezerros livres de carrapatos até os cinco meses de idade, vacinando-os contra a TPB quando completarem três meses de vida.

As vacinas mais eficientes que estão no mercado são produzidas a partir de cepas atenuadas dos agentes da TPB, mantidas congeladas em nitrogênio líquido. Essas vacinas são produzidas em doadores, clínica e laboratorialmente, sadios e, devido ao tipo de conservação, cada partida é testada em animais sensíveis antes de ser liberada para o uso. Portanto, cumprem as exigências do MAPA para a comercialização de produtos biológicos. O método tradicional de premunição, por utilizar sangue de animais adultos de campo, portadores dos agentes virulentos, está ultrapassado. Além de caro, põe em risco a saúde do rebanho pela possibilidade da disseminação de outras doenças transmissíveis pelo sangue.

A Embrapa Gado de Corte desenvolveu as vacinas atenuadas, congeladas, contra a babesiose e anaplasmose que são produzidas e comercializadas pelo Laboratório Hemopar. São apresentadas em tubos criogênicos, mantidos em botijão de nitrogênio líquido (o mesmo utilizado para conservação de sêmen); um tubo para cada espécie (

). Imediatamente antes do uso, o conteúdo dos tubos é descongelado em banho-maria, a 37oC, e transferido, com uma seringa, para um frasco contendo o diluente que acompanha a vacina. Após diluída, a vacina pode ser administrada com seringa semi-automática, comumente utilizada para aplicar outras vacinas. A dose é de 2 ml por via subcutânea.

Essas vacinas, por conterem agentes atenuados, podem ser aplicadas em um grande número de animais simultaneamente, pois não é necessário o trabalho de monitoramento dos animais, exigido quando se pratica a premunição com sangue de doadores de campo. Entretanto, eventualmente, algum animal mais sensível pode apresentar sintomas. Neste caso, deve-se proceder o exame clínico e laboratorial, aplicando-se a medicação específica somente quando confirmado o diagnóstico definitivo. Como salientado, os sintomas manifestados na TPB são comuns a outras doenças, tais como, leptospirose, hemoglobinúria bacilar, raiva, mioglobinúria causada pela ingestão de fedegoso (planta tóxica) e outras intoxicações.

Após vacinados, os animais devem ser mantidos livres de carrapatos por um período de 60 dias. A partir de então poderão ser expostos ao parasito. Deve-se evitar, entretanto, super infestações, pois além de prejudicar o desenvolvimento dos bovinos, o carrapato inocula substâncias imunossupressoras, podendo provocar recidiva, principalmente de anaplasmose.

O produtor é quem paga a conta

Se considerarmos uma população bovina de aproximadamente 170 milhões de cabeças e US$ 2 bilhões os prejuízos causados pelo complexo carrapato/hemoparasitos, teremos um prejuízo anual, por bovino, de U$ 11,76. Portanto, para uma população de, em média, 100 bovinos, teríamos um prejuízo anual de US$ 1.176,00 ao ano ou, considerando U$ 1.00 igual a R$ 2,80, teremos o valor em reais de R$ 3.292,80 de prejuízo ao ano. Segundo Silvino Carlos Horn, responsável pela avaliação realizada pelo MAPA, publicada em 1983 e que deu a base para a atualização realizada por Grizi (2003), 90% dos prejuízos são pagos diretamente pelos pecuaristas. Concluímos, então, que um produtor rural com 100 cabeças de gado assumiria, hoje, um prejuízo de, aproximadamente, R$ 2.963,52 anuais. Trata-se de um exemplo hipotético, pois a situação não é a mesma em todas as regiões, microrregiões e em todas as fazendas. Alguns terão prejuízos maiores e outros menores. Entretanto, mesmo em áreas livres de carrapato, o pecuarista terá um certo prejuízo financeiro, pois não poderá comercializar livremente seus produtos para áreas endêmicas. Esses animais deverão ser vacinados antes de serem expostos ao carrapato vetor e isto significa custo.

Raul Henrique Kessler

Embrapa Gado de Corte

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