Couro de baixa qualidade

Exposição a agentes agressores deprecia o couro brasileiro, que perde valor e mercado. Propostas indicam a tendência de valorização da matéria-prima, com melhores preços ao produtor.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, com cerca de 176 milhões de cabeças (IBGE, 2001). A produção anual de couros representa 18,5% deste total, atingindo o patamar de 32,5 milhões de peles e colocando o país em segundo lugar no ranking dos países produtores. Os Estados Unidos, cujo rebanho está estabilizado em 100 milhões de cabeças, ocupa a primeira posição, com 36 milhões de couros ao ano. Essa situação é reflexo, em primeira instância, do baixo desfrute do rebanho brasileiro (aproximadamente 19%) em comparação ao daquele país, que tem alcançado índices de até 36%.

A baixa taxa de desfrute do rebanho brasileiro é ocasionada principalmente pelos sistemas extensivos de criação, predominantes nas mais variadas regiões produtoras de gado de corte do país. Além disso, o manejo dos animais, por vezes inadequado, influencia diretamente a produtividade do rebanho, prolongando o tempo necessário para terminação dos bovinos, que têm sido abatidos, em média, com 40 meses de idade. A conseqüência disso é a maior exposição do couro aos agentes agressores, reduzindo a qualidade da matéria-prima.

Muito inferior

Apesar da posição de destaque conquistada pelo Brasil no tocante à produção de couro bovino, a qualidade apresentada pelas peles ainda é muito inferior à desejada. Enquanto nos Estados Unidos 85% das peles são classificadas como sendo de 1ª (melhor qualidade), aqui esse índice é de apenas 8,5%. Por esse motivo, o preço pago por quilo de couro verde brasileiro representa 50% do valor pago ao americano.

Estudos indicam que 60% dos defeitos no couro ocorrem na propriedade rural e são ocasionados, principalmente, por marca a fogo em local proibido pela legislação, arame farpado, uso de ferrão, perfuração (por galhos, parafusos, lascas de madeira etc.) e ectoparasitos. Os demais 40% ocorrem em função do transporte inadequado (caminhões mal conservados e fora das especificações técnicas), da esfola incorreta e da salga insuficiente do couro verde.

Esforço conjunto

Para resolver esses e outros problemas do setor produtivo é necessário o esforço conjunto de todos os elos componentes da cadeia no sentido de otimizar as ações desenvolvidas pelas partes. No âmbito da empresa rural, o pecuarista deve fazer uso de cercas de arame liso, vistoriar os currais para verificar presença de lascas de madeira ou parafusos proeminentes, substituir objetos pontiagudos usados na condução dos animais, marcar os animais a fogo apenas nos locais permitidos pela legislação - ABNT 10.453 - (cara, joelhos, pescoço e canelas), manter as pastagens limpas e fazer a vermifugação estratégica do rebanho. Cabe ressaltar que esses pequenos ajustes no manejo trazem benefício não apenas para o couro, mas sobretudo à produção de carne, uma vez que animais debilitados perdem peso e têm seu desempenho limitado.

Cuidados no transporte

Ao setor de transportes cabe a adequação dos caminhões, evitando cantos vivos, parafusos expostos, tábuas pontiagudas e pisos escorregadios. Além disso, é necessário que se estabeleçam a normalização do transporte de animais e a fiscalização pelo governo. Nos frigoríficos, os processos de esfola e conservação do couro verde devem ser aprimorados por meio de capacitação de pessoal. Já os curtumes devem associar-se ao governo e investir em programas de melhoria do couro, a exemplo do Programa de Melhoria da Qualidade do Couro Cru, estabelecido pelo Centro de Indústrias de Curtumes do Brasil - CICB e pela Agência de Promoção de Exportações - APEX.

Outros esforços relevantes têm sido conduzidos no sentido de estimular a qualidade do couro bovino. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou no Diário Oficial da União a Instrução Normativa nº 12, de 18 de dezembro de 2002, estabelecendo o Sistema de Classificação de Couro Bovino. Segundo essa Instrução, os “critérios para qualificação do couro bovino, visando sua valorização comercial” sãodescritas na tabela.

Porém, a proposta apresentada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), aprovada pelo Fórum de Competitividade de Couro e Calçados, composto por representantes do setor produtivo, das indústrias de frigoríficos e curtumes, órgãos governamentais e instituições de pesquisa, diverge em alguns aspectos desta estabelecida pelo MAPA, em especial no que se refere à tolerância de marca a fogo no “Couro tipo C”.

Divergências à parte, no âmbito institucional tem-se buscado soluções para a problemática da qualidade do couro, visto a importância desse produto e de seus derivados na pauta de exportação e na geração de renda e emprego à população. Mais do que uma solução definitiva, o Sistema de Classificação de Couro Bovino é o primeiro indício de que há uma tendência de valorização dessa matéria-prima, sinalizando ao setor produtivo os caminhos que se pretende trilhar daqui em diante. Um deles, certamente, passa pelo incentivo à melhoria da qualidade do couro, via bonificação ao produtor. Prova disso foi a proposta do MAPA encaminhada ao Conselho Monetário Nacional (CMN), estabelecendo para o couro bovino um preço mínimo de referência de R$90,00, com benefício nas operações de EGF para a produção de 2003 dos curtumes. Entretanto, para que o sistema seja posto em prática, tornou-se requisito principal a remuneração ao produtor pela qualidade do couro produzido.

Diante desse contexto, os pecuaristas devem ser pró-ativos e estar preparados para usufruir do programa, quando da sua implantação. Para tanto, é necessário proceder a mudanças, de forma a adequar, gradativamente, o manejo a essa nova perspectiva econômica. Vale lembrar que, geralmente, as melhorias introduzidas em sistemas de produção de gado de corte dão resultados a médio e longo prazos. Portanto, para que se tenha um couro de qualidade no futuro é preciso começar a investir hoje.

Mariana de Aragão Pereira

Embrapa Gado de Corte

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