Cultivo de dendê em Roraima para biodiesel

Especialista mostra as vantagens competitivas do Estado de Roraima e dados que indicam a viabilidade para implantação de um Projeto Integrado de produção para biodiesel.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Em Roraima, e, em especial na região de floresta, há a predominância da agricultura familiar em projetos de colonização/assentamentos, federais e estaduais, coordenados pelo INCRA e pelo Governo do Estado, respectivamente. A característica dos produtores é o baixo nível de escolaridade, baixo acesso a investimentos, pouco conhecimento de tecnologias de produção e pouca habilidade para gestão e comercialização. Os cerca de 700.000 hectares de áreas de mata alterada são utilizados, em sua maioria, com cultivos de ciclo curto de baixo retorno econômico, caracterizando um quadro de pobreza crônica entre os assentados.

Assim, uma das alternativas capaz de reverter esse processo predominante na região está na reorientação do modelo praticado. É possível promover maior eficiência da unidade de produção familiar, buscando não somente o aumento da produção e da produtividade dos produtos cultivados, mas, principalmente, sistemas de produção que melhor se adaptem a determinadas condições ecológicas e sócio-econômicas. A produção de matéria-prima (óleo combustível) para biodiesel, por meio de cultivo de plantas oleaginosas adaptadas à região pode viabilizar essa mudança, apoiada na Lei Federal que criou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (Lei nº 11.097 de 13 de janeiro de 2005), como também, em resultados de pesquisa obtidos pela Embrapa na região, realizados com as culturas da soja, algodão, girassol, mamona e dendê, principalmente, muito embora, outros cultivos também estejam sendo pesquisados mais recentemente, como amendoim, pinhão manso e canola.

Considerando que desses cultivos supracitados, o Dendê, destaca-se pela: maior produção de óleo/ha (4 a 6 t de óleo); menor quantidade de área para plantio; adaptação à áreas já alteradas/degradadas de floresta, evitando novos desmatamentos; uso intensivo de mão-de-obra por ser perene (ciclo de 25 anos em média) e produzir o ano todo; ampla capacidade de armazenar carbono e assim elegível no âmbito do mecanismo do desenvolvimento limpo (Protocolo de Kyoto) e ainda a oportunidade de incorporação ao processo produtivo de centenas de famílias de agricultores familiares, permitindo geração de renda e inclusão social, é que sugere-se esta cultura como a mais indicada para a produção de matéria-prima para produção de biodiesel em Roraima.

Neste sentido, o objetivo deste artigo é apresentar as vantagens competitivas do Estado, assim como, dados que sirvam de indicativos para viabilizar a implantação de um Projeto Integrado de produção para biodiesel em Roraima.

Roraima é um estado amazônico localizado geograficamente no extremo norte do Brasil, entre os paralelos 5° 16’ norte e 1° 35’ sul do Equador e entre os meridianos 58° 531 leste e 64° 49’ oeste de Greenwich, com a maior porção do seu território localizado no hemisfério norte. Além de possuir ecossistemas bem distintos e localização geopolítica privilegiada, apresenta as seguintes vantagens competitivas:

1-Vias de escoamento para a produção

Conta com a BR 174, estrada asfaltada que une Manaus à Venezuela cortando o Estado longitudinalmente. De Boa Vista (capital) até a fronteira com a Guiana existe a BR 401, também asfaltada, além de uma quantidade expressiva de estradas, vicinais e municipais, localizadas principalmente, em torno de núcleos de colonização ou assentamento rural. Embora as estradas necessitem de manutenção periódica, o sistema viário permite o escoamento da produção até os centros de comercialização no Estado ou em Manaus. A estratégica localização geográfica do Estado oferece ainda, acesso a sistemas portuários para exportação a distâncias aproximadas que variam entre 700 a 900 km a partir de Boa Vista, no eixo Manaus-Itacotiara, no estado do Amazonas ou, a 800 km de Boa Vista até Puerto Ordaz na Venezuela. Outro sistema portuário deverá ser construído na Guiana, a uma distância de 500 km de Boa Vista.

2-Disponibilidade de energia

Dispõe e pode oferecer energia para estimular empreendimentos agrícolas, pecuários, florestais e seus processos agroindustriais pertinentes. Este potencial é oferecido a partir da energia gerada em Guri, na Venezuela e, constitui em fator estratégico relevante.

3-Disponibilidade de terras para apoiar o processo produtivo

Apresenta regiões adequadas para o estabelecimento de agronegócios sustentáveis integrando produção primária com agroindústria – com destaque para dois ecossistemas, as áreas de lavrados ou savanas (cerrados), com 1,5 milhão de hectares e as áreas de floresta tropical, com disponibilidade aproximada de 700.000 hectares já alteradas, que podem ser incorporados ao processo produtivo, sem haver necessidade de novos desmatamentos.

4-Mercados potenciais

Roraima, em nível regional, apresenta em grau intenso de participação no abastecimento no Amazonas, principalmente na região da grande Manaus. Sua posição geopolítica sugere sua inserção natural nos canais de exportação para mercados potenciais do norte da América do Sul, Caribe, América Central e do Norte, Europa, África e Ásia.

5-Clima e Solos Favoráveis

Considerando os dois ecossistemas básicos, cerrado (17%) e floresta(83%), tem-se as seguintes características:

No cerrado o período chuvoso é de cinco a seis meses por ano, iniciando em abril/maio e terminando em setembro, com um total de precipitação de aproximadamente, 1200mm. No período seco (outubro a março) a precipitação é de 300mm, perfazendo um total anual de 1.500mm, caracterizando o tipo climático Awi. Predominam solos do tipo latossolos amarelo e vermelho-amarelo de textura média e baixa fertilidade natural.

No ecossistema de floresta, o período chuvoso inicia mais cedo (março/abril) e é mais prolongado que no cerrado, com a precipitação variando de 1.500 a 2.200 mm anuais, sendo que nas regiões de floresta tropical úmida (sul de Roraima), a precipitação é alta praticamente durante todo o ano, podendo ultrapassar os 2.200mm anuais, caracterizando o tipo climático Afi.

Nas regiões de floresta de transição (região central do estado) predomina precipitação mais baixa do que nas regiões de floresta tropical e são caracterizadas pelo tipo climático Ami, que possui pequeno período seco. Os solos predominantes são os Podzólicos de textura média e baixa fertilidade natural.

A temperatura média anual é de 28°C e umidade relativa do ar de 72%.

6-Disponibilidade de Tecnologias

As tecnologias para apoiar sistemas sustentáveis de produção agropecuária e florestal tem sido geradas, adaptadas ou validadas pela Embrapa Roraima desde a década de 80, focalizando, principalmente os principais ecossistemas de Roraima.

Para as áreas de cerrado as prioridades são para tecnologias que subsidiem o desenvolvimento de sistemas sustentáveis de produção de grãos em plantio direto visando à integração lavoura-pecuária-floresta e para o desenvolvimento da fruticultura irrigada.

Para as áreas de floresta alterada, a ênfase está na recuperação/ aproveitamento dessas áreas ao processo produtivo por meio de plantio direto em capoeira triturada, sistemas agroflorestais, cultivos perenes industriais, mandioca e sistemas de produção com espécies florestais nativas e introduzidas, sendo neste último caso visando, principalmente, a recomposição de áreas de reserva legal.

Para as áreas de floresta, a ênfase está no manejo sustentável madeireiro e não madeireiro.

Assim como em outras regiões da Amazônia, o cultivo de dendê apresenta potencial para ser explorado em Roraima, principalmente na região sul do Estado (São João da Baliza, São Luiz, Caroebe) que possui condições climáticas mais adequadas à sua adaptação (precipitação próxima a 2.000 mm anuais). Além disso, já existem resultados de pesquisa realizados pela Embrapa Amazônia Ocidental que permitem o suporte tecnológico ao cultivo nesta região. Atualmente, em Roraima, estão sendo conduzidos experimentos com três híbridos de dendê no cerrado (Campo Experimental Monte Cristo) e em área de floresta alterada na região sul do Estado, no município de Caroebe.

Segundo dados da Petrobrás, o atual consumo de óleo diesel, em Roraima, é de 52.236 metros cúbicos/ano (período 2005-2006), o que demandaria mantido este consumo, produção de biodiesel na ordem de 2.612 metros cúbicos, já com provisão para o B5 a partir de 2013. Este consumo equivale a 2.411 toneladas/ano, o que requer uma área plantada a partir de 500 ha para atender o B5 (5 t de óleo/ha), variando até 11.000 ha para o B100. No entanto, há grandes possibilidades de exportação para os mercados da Venezuela e Guiana e para Manaus-AM, o que implicaria em aumentos consideráveis de produção de biodiesel.

Por exemplo:O consumo de óleo diesel no Amazonas é cerca de onze vezes maior que o de Roraima, ou seja, 594.460 metros cúbicos/ano(média de 2000 a 2006)e para atender o B5 seriam necessários 29.723 metros cúbicos de biodiesel, correspondendo a uma área plantada de cerca de 6.000 ha (6000 ha x 5t/ha=30.000 t de biodiesel/ano).Assim, se forem levados em consideração os dois mercados (RR e Amazonas) seriam necessários para atender o B5, considerando apenas a demanda atual cerca de 6.500 hectares de dendê.

Roraima tem cerca de 700.000 hectares de áreas alteradas de floresta. Se apenas 1 a 2% dessa área fosse utilizada – o equivalente a 7.000 a 14.000 hectares – o Estado poderia produzir de 35.000 a 70.000 toneladas de óleo de dendê, com geração de emprego para 1.400 a 2.800 famílias.

Por outro lado, já existem dois empreendimentos privados visando a produção de biodiesel em Roraima. O primeiro é a Empresa de São Paulo BIOCAPITAL, localizada no município de São João da Baliza que pretende instalar nos próximos três anos cerca de 1.500 hectares em áreas próprias e em parceria com agricultores familiares. Em 2008, já tinham praticamente prontas 75.000 mudas para iniciar os primeiros 500 hectares no próximo ano, e a segunda é a Empresa PalmaPlan do Rio Grande do Sul que adquiriu terras no município de Rorainópolis (Vilas do equador/jundiá), onde pretende cultivar 2.000 hectares em área própria, com início previsto para 2009. Vale ressaltar, no entanto, que o Zoneamento Agroclimático do Dendê (ZoDendê) da Amazônia deve ficar concluído até o primeiro semestre de 2009 e com certeza será um instrumento balizador no avanço das políticas públicas para o cultivo de Dendê em Roraima.

Eng. Agr. Dr. Pesquisador da Embrapa Roraima

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