Desafio do manejo de fitonematoides na cultura da videira

Fitonematoides se encontram entre os entraves que afetam a produção de uva, com danos diretos e indiretos causados a esse cultivo

17.06.2016 | 20:59 (UTC -3)
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Doenças e pragas estão entre os principais fatores limitantes à videira (Vitis spp.). Dentre esses, danos provocados por fitonematoides podem ocorrer desde a implantação das mudas no pomar às plantas adultas, influenciando, consequentemente, na qualidade dos frutos, produção e nos custos despendidos. Estimam-se perdas anuais de 12,5% causadas por nematoides na videira, entretanto, os prejuízos diretos podem chegar a 20%, caracterizando esses patógenos como um dos fatores limitantes de produtividade. Destacam-se o nematoide das galhas (Meloidogyne spp.), o nematoide das lesões (Pratylenchus spp.), o nematoide adaga (Xiphinema spp.) e o nematoide dos citros (Tylenchulus semipenetrans), considerados mundialmente os mais danosos para a videira.

O gênero Meloidogyne é considerado como o principal grupo de nematoides fitopatogênicos de importância econômica à videira. Mundialmente, as espécies mais frequentes e relacionadas a danos são: Meloidogyne javanica, M. incognita, M. arenaria e, ocasionalmente, M. hapla. No Brasil, registra-se a ocorrência dessas quatro espécies além de M. morocciensis. No entanto, M. javanica e M. incognita são as mais frequentes na cultura. Plantas seriamente afetadas pelo nematoide das galhas apresentam sintomas na parte aérea como redução do vigor, folhas de tamanho reduzido e tonalidades diversas, e, nas raízes, com pequenos engrossamentos denominados de galhas. Em casos de infecções severas, estas galhas radiculares coalescem formando engrossamentos mais alongados (Figura 1), e a produtividade das plantas pode decrescer a cada ciclo. No Brasil, há poucos relatados de danos causados pelo nematoide das galhas na cultura, devido, provavelmente, ao uso de porta-enxertos resistentes a várias espécies do patógeno, como, por exemplo, Palsen e SO4 (Tabela 1). No entanto, dependendo do material utilizado e da(s) espécie(s) do nematoide, podem ocorrer danos, conforme relato recente da presença de M. incognita em pomar de videira no estado de Pernambuco. Nesse local, as plantas afetadas apresentavam sintomas de menor vigor, folhas amarelecidas e folhagem mais esparsa, além de raízes com muitas galhas em meio ao cultivo de feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), também atacado pelo nematoide (Figura 1).

Há aproximadamente 20 anos foi detectada a presença de M. ethiopica associada a plantas de quivi na Serra gaúcha; sendo essa espécie responsável por sérios prejuízos à videira e ao quivi no Chile, onde tem sido associada à baixa produtividade dos pomares afetados e à morte de plantas. Apesar de M. ethiopica ter sido detectado e relacionado ao declínio de plantas de quivi, no Sul do Brasil, ainda não foi registrado em videira no País.

Em termos práticos, nem sempre é fácil o diagnóstico visual do nematoide das galhas, pois, muito frequentemente, os sintomas podem ser confundidos com a presença de galhas causadas por filoxera (Daktulospharia vitifoliae), um afídeo amplamente disseminado na Serra gaúcha e que ataca as folhas e raízes da videira, causando engrossamentos das raízes, sintoma muito parecido com aquele causado por Meloidogyne sp. (Figura 2).

O nematoide dos citrus (T. semipenetrans) já foi relatado em videira nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Na região paulista de Jundiaí já foram relatados danos causados por essa espécie em videiras da cultivar Niágara Rosa, enxertadas sobre o porta-enxerto Traviú, que apresentavam sintomas de enfezamento e morte de brotações, reduzindo a floração e, consequentemente, a produção. Prejuízos decorrentes do ataque do nematoide das lesões (Pratylenchus spp.) são mais severos que aqueles provocados pelo nematoide das galhas; e, uma vez que ocorre o declínio do pomar, a videira não responde mais às práticas culturais. Apesar de já relatado em pomares de videira de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, no Brasil, não há registros de sintomas ou impacto econômico desse nematoide na cultura.

Diversas espécies de Xiphinema são associadas ao cultivo da videira. Apesar de causarem danos diretos nas plantas atacadas, ocasionalmente, os maiores prejuízos devem-se ao fato de algumas espécies desse gênero serem vetores de importantes viroses, como é o caso de X. index, que pode transmitir o vírus da degenerescência da videira (Grapevine fanleaf virus, GFLV), uma das principais viroses da cultura na Europa e nos EUA. No Brasil, o GFLV está entre as quatro viroses de maior ocorrência na videira, entretanto, sua incidência é baixa. Especula-se que a baixa frequência desta doença deva-se, principalmente, ao uso de mudas livres do vírus e à ausência do nematoide no País.

Em um estudo recente sobre a nematofauna associada ao declínio da videira, observou-se associação do nematoide anelado (Mesocriconema sp.) a 100% das amostras provenientes de pomares de Bento Gonçalves e Farroupilha, no Rio Grande do Sul, com a presença de morte de plantas. Apesar de não ter sido verificado correlação dos sintomas com os níveis populacionais desse nematoide, estudos futuros merecem ser realizados para estabelecer a sua patogenicidade na cultura.

As principais medidas de manejo de nematoides em videira dão-se pelo emprego de porta-enxertos resistentes (Tabela 1) e plantio de mudas livres do patógeno em locais onde estas pragas não ocorrem, ou se apresentam em populações baixas. Detectando-se a presença de espécies fitoparasitas danosas à videira na área, pode-se efetuar o plantio de espécies anuais não hospedeiras do nematoide, em rotação, por um período de pelo menos dois anos antes do estabelecimento do pomar; ou a introdução de outras fruteiras resistentes no local infestado. Porém, deve-se saber qual(is) espécie(s) do nematoide está(ão) ocorrendo na área, uma vez que a resistência ou a suscetibilidade das culturas varia em função das espécies vegetais e/ou cultivares usadas. Nesse sentido, recomenda-se consultar um técnico especializado na área.

No caso de desinfestação de viveiros, pode-se efetuar o uso de nematicidas em pré-plantio. Entretanto, esses produtos não erradicam o patógeno da área, podendo ocorrer reinfestações subsequentes. Além do mais, não existe nenhum produto comercial registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a videira, o que inviabiliza a sua aplicação na área afetada. Considerando a ocorrência de M. ethiopica, além de outros problemas fitossanitários importantes para a videira no Brasil, práticas de manejo envolvendo principalmente a aquisição de material sadio e/ou resistente a outras espécies podem contribuir de forma efetiva, evitando ou diminuindo o impacto dessas pragas sobre a produção de uva.

Tabela 1 - Reação de cultivares e porta-enxertos de videira (Vitis sp.) mais utilizados no Brasil a Meloidogyne spp., Xiphinema index, Tylenchulus semipenetrans, Pratylenchus spp. e filoxera (Daktulospharia vitifoliae)

Porta-enxertos/

Cultivares

Meloidogyne spp.

Xiphinema

index

Tylenchulus semipenetrans

Pratylenchus

spp.

Daktulospharia vitifoliae

M. javanica

M. arenaria

M. incognita

Meloidogyne ethiopica

SO4

Resistente1

Resistente1

Resistente1

Resistente8

Suscetível1

Resistente1

Resistente1

Resistente6

420A

Resistente2

Resistente2/

Suscetível5

Resistente2/

Suscetível 5

Suscetível8

Resistente6

Palsen 1103

Resistente3

Resistente3

Suscetível5

Suscetível3

Resistente3

Resistente6

RR 101-14

Resistente4

Resistente4

Resistente4

Resistente6

Rupestris du Lot

Suscetível1

Suscetível1,5

Suscetível1,5

Suscetível1

Resistente1

Resistente6

IAC 766

Resistente5

Suscetível5

Resistente6

IAC 313

Resistente5

Resistente5

Resistente8

IAC 572

Resistente5

Resistente5

106-8 Traviú

Suscetível5

Suscetível5

Niágara Rosa

Suscetível5

Suscetível5

Altamente

Suscetível7

Altamente ssuscetível6

Porta-enxertos/

Cultivares

Meloidogyne spp.

Xiphinema

index

Tylenchulus semipenetrans

Pratylenchus

spp.

Daktulospharia vitifoliae

M. javanica

M. arenaria

M. incognita

Meloidogyne ethiopica

SO4

Resistente1

Resistente1

Resistente1

Resistente8

Suscetível1

Resistente1

Resistente1

Resistente6

420A

Resistente2

Resistente2/

Suscetível5

Resistente2/

Suscetível 5

Suscetível8

Resistente6

Palsen 1103

Resistente3

Resistente3

Suscetível5

Suscetível3

Resistente3

Resistente6

RR 101-14

Resistente4

Resistente4

Resistente4

Resistente6

Rupestris du Lot

Suscetível1

Suscetível1,5

Suscetível1,5

Suscetível1

Resistente1

Resistente6

IAC 766

Resistente5

Suscetível5

Resistente6

IAC 313

Resistente5

Resistente5

Resistente8

IAC 572

Resistente5

Resistente5

106-8 Traviú

Suscetível5

Suscetível5

Niágara Rosa

Suscetível5

Suscetível5

Altamente

Suscetível7

Altamente ssuscetível6

Fonte: Adaptado de Campos et al (2002).

1 - Pinochet et al (1992); 2 - Nogueira (1984); 3 - Goumas & Tzortzakakis (1988); 4 - Uriz (1986); 5 - Somavilla et al (2012); 6 - Botton et al (2003); 7 - Carneiro et al (2003); 8 - Somavilla (comunicação pessoal)

Foto: C.B. Gomes

Figura 1 - Plantas de videira cultivar Festival, enxertadas sobre 'IAC 766-Campinas', exibindo menor folhagem (a) e galhas nas raízes causadas por M. incognita (b); e plantas de feijão-de-porco infectadas pelo nematoide no mesmo pomar (c)

Fotos: M. Botton e J. Grannett

Figura 2 - Raízes e folhas de videira parasitadas por filoxera (D. vitifoliae)

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