Antracnose no café: doença emergente

Ainda pouco estudada e sem perdas qualitativas e quantitativas atribuídas diretamente à sua incidência, no Brasil, a antracnose em cafeeiro revela a necessidade de que a pesquisa se debruce mais sobre esse tema

29.09.2016 | 20:59 (UTC -3)

A antracnose tem sido relatada em cafeeiros nas diferentes regiões produtoras do Brasil e no restante do mundo. É uma doença causada por fungos do gênero Colletotrichum. Entre as espécies que causam doenças em cafeeiro destacam-se Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum relacionadas com a antracnose e com a mancha-manteigosa, e Colletotrichum kahawae responsável pela “Coffee Berry Disease" (CBD) que ocorre em cafeeiros no continente africano e é responsável por perdas de até 80% na produção. Ainda não existem relatos da presença de CDB na América do Sul, no entanto, em 2005 a doença foi detectada em Cuba.

Existe a teoria de que o uso intensivo de fungicidas cúpricos no controle da ferrugem do cafeeiro teria levado a uma mutação da espécie C. gloeosporioides e originado a espécie C. kahawae. Estudos filogenéticos revelaram que C. kahawaee C. gloeosporioides são geneticamente muito próximos.

Contudo, apesar do problema que a infecção do cafeeiro por Colletotrichum spp. pode causar, no Brasil, até o momento, não existem estudos relacionados ao dano econômico provocado por doenças a ele relacionadas. As perdas relatadas ocorrem em diferentes estádios de desenvolvimento da planta, principalmente durante o crescimento vegetativo, onde a queda prematura de frutos e inflorescências ocorre em conjunto com disfunções fisiológicas e fotossintéticas.

Infecção e disseminação

A doença se inicia pela germinação dos conídios seguida de formação de apressórios, que são estruturas que liberam enzimas (cutinases, celulases, pectinases) para facilitar a penetração das hifas em tecido intacto. As hifas podem penetrar os tecidos diretamente por meio de estômatos, de ferimentos causados por insetos, injúria mecânica ou por fatores climáticos.

A disseminação da doença a curtas distâncias ocorre pela liberação de conídios distribuídos principalmente por fatores ambientais como a chuva e o vento. Os restos culturais, assim como hospedeiros alternativos infectados, também auxiliam na disseminação do patógeno. A longas distâncias a disseminação ocorre via sementes e transporte de órgãos da planta infectados.

Sintomas

O cafeeiro infectado com Colletotrichum spp. pode apresentar sintomas nas diferentes partes da planta. Em folhas, são observados dois tipos de lesões: um de coloração castanha nas margens da folha e outro de coloração amarelada e aspecto manteigoso. Os frutos infectados apresentam lesões necróticas deprimidas, secas ou úmidas que, com o tempo, tomam todo o fruto comprometendo seu interior. Pode ocorrer também abortamento de flores e abortamento e mumificação de frutos jovens.

A presença de lesões necróticas também pode ser visualizada nos ramos da planta (Figura 2B), assim como a seca de ramos e ponteiros que pode levar à morte de forma descendente (Figura 2D). Em alguns casos é possível verificar os sinais da infecção, como a presença de corpos de frutificação e massa de esporos de coloração laranja nos órgãos infectados da planta.

4 Estudos relacionados ao patossistema Colletotrichum x cafeeiro

No Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), estudos da interação Colletotrichum spp. em cafeeiro têm sido realizados em plântulas, ramos, folhas e frutos com o objetivo de relacionar a presença deste fungo aos sintomas encontrados.

Levantamento realizado nas principais regiões cafeeiras do estado do Paraná demonstrou que Colletotrichum gloeosporioides é a espécie predominante isolada de lesões presentes em diferentes órgãos da planta.

Embora os testes de suscetibilidade à antracnose em frutos destacados sejam comumente aceitos para outras culturas, a sua realização em frutos de cafeeiro sempre gera opiniões controversas em função do caráter endofítico que o Colletotrichum spp. pode apresentar.

Os estudos relacionados à infecção do fungo nos frutos de café foram iniciados pela validação e estabelecimento de protocolos. Estes incluíram a escolha do estádio de desenvolvimento dos frutos, lavagem e desinfestação superficial, concentração do inóculo do fungo, métodos de inoculação, posição do fruto e fotoperíodo durante a incubação. Além disso, também foi avaliada a inoculação em frutos destacados e aderidos às rosetas no ramo de cafeeiro.

Suscetibilidade de cultivares de cafeeiro à antracnose

Os frutos destacados e submetidos a ferimento antes da inoculação pertencentes às cultivares Iapar 59, IPR 103, Catuaí Arrepiado, Rubi e Semperflorens, quando inoculados diretamente com massa de conídios, resultaram em incidências de lesão necrótica entre 80% e 100%.

A inoculação artificial em frutos também foi realizada em plantas de café das cultivares Catuaí e Iapar 59 a campo. Neste experimento, o fungo foi inoculado por deposição da suspensão de conídios sobre os frutos com injúria e o ramo envolvido com saco plástico. Após 15 dias, a incidência de lesões de antracnose nos frutos foi em média de 69%, em ambas as cultivares.

Também foram realizados testes de patogenicidade cruzada e verificado que isolados de Colletotrichum provenientes de cafeeiros são capazes de reproduzir lesões de antracnose em frutos de outras culturas como caqui, maçã e manga. Porém, a recíproca não é verdadeira, uma vez que frutos de outras culturas apresentaram maior dificuldade para infectar frutos de café. Embora todos os isolados tenham sido efetivos em reproduzir sintomas em frutos verdes de cafeeiro, os isolados considerados mais agressivos foram os provenientes do próprio cafeeiro.

Após diferentes estudos foi estabelecida a metodologia mais adequada para o estudo da interação do fungo com tecidos do fruto destacado do cafeeiro.

Em seguida foram realizados vários experimentos utilizando diferentes isolados de C. gloeosporioides e diferentes cultivares de cafeeiro. Entre as cultivares estudadas foi verificado que a IPR 103 é a mais suscetível à doença e a Iapar 59 a mais resistente. Esta conclusão foi baseada em experimentos realizados em frutos e folhas (destacados e aderidos ao ramo de cafeeiro). Assim, estas cultivares foram utilizadas para realizar os estudos da infecção do fungo em tecidos de cafeeiros. Posteriormente, o processo de infecção pelo fungo nestas duas cultivares foi acompanhado por microscopia eletrônica de varredura e confirmou os resultados.

Esses estudos mostraram que um mesmo isolado de C. gloeosporioides apresenta diferença no número de lesões de antracnose quando inoculado em diferentes cultivares de cafeeiro. As incidências encontradas variaram de 55% a 75%.

Estudos realizados posteriormente avaliaram a incidência das lesões de antracnose em frutos e a severidade por meio da medida de diâmetro dessas lesões. Estes mostraram mais uma vez que a cultivar de cafeeiro Iapar 59 é mais resistente à antracnose quando comparada à cultivar IPR 103. Foi observado que os isolados de C. gloeosporioides induziram lesões necróticas de antracnose em frutos verdes de cafeeiro a partir do 3° dia após a inoculação do fungo, em ambas as cultivares. O número de lesões de antracnose aumentou entre o 6° e o 9° dia após a inoculação do fungo, alcançando incidência de até 90%. O tamanho das lesões foi em média de 4,1mm na cultivar IPR 103 e de 2,4mm na cultivar Iapar 59, no 6° dia após a inoculação com C. gloeosporioides. Um isolado mostrou menor severidade quando inoculado na cultivar Iapar 59.

Estudos recentes do Instituto Agronômico do Paraná indicam que a nutrição inadequada da planta também pode facilitar o desenvolvimento da doença. Assim, uma planta assintomática pode começar a manifestar sintomas da doença quando submetida a condições de estresse nutricional.

Apesar das dificuldades iniciais foi possível reproduzir os sintomas de antracnose em frutos de cafeeiro e, por conseguinte, estabelecer diferentes níveis de suscetibilidade entre as cultivares avaliadas. Dessa forma, embora perdas qualitativas e quantitativas na cafeicultura nacional não sejam atribuídas diretamente à antracnose, não se pode descartar seu potencial como doença emergente.


Clique aqui para ler o artigo na Revista Cultivar Grandes Culturas, edição 177.

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