Elevada ocorrência

Reduzir a população de vampiros e vacinar os animais são as medidas indicadas para controle da raiva bovina.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A raiva é uma doença viral infecciosa do sistema nervoso, de evolução aguda, e que afeta todos os animais de sangue quente mas essencialmente os mamíferos. Apesar de todos os avanços científicos, a raiva continua sendo um grande problema de saúde pública tanto no meio urbano quanto no rural.

O vírus rábico pertence à Família Rhabdoviridae, gênero

sendo seu genoma constituído de RNA de cadeia simples. A raiva está distribuída em todo o mundo com exceção de alguns países que a erradicaram ou permaneceram livres devido a proteção natural ou através da implantação de regulamentos rigorosos de quarentena. Estas regiões são a Austrália, o Uruguai, algumas ilhas do Caribe, o Japão e alguns países europeus.

A perenidade da doença é assegurada pelo grande número de espécies animais susceptíveis que atuam, também, como transmissores. Atualmente, o cão é ainda o maior reservatório do vírus da raiva no Brasil. Os morcegos hematófagos são responsáveis pela raiva paralítica dos herbívoros e estão presentes do norte do México e ao norte da Argentina, causando sérios prejuízos econômicos.

Após penetrar no tecido subcutâneo ou em alguma massa muscular através de mordedura ou lambedura, o vírus da raiva propaga-se para o sistema nervoso central via axoplasma dos nervos periféricos. Uma vez estabelecida a infecção do sistema nervoso central o vírus difunde-se para as glândulas salivares e diversos órgãos. A disseminação hematológica pode ocorrer mas é rara.

O período de incubação é bastante variável em função da espécie animal transmissora e da contaminada, a localização da lesão, a quantidade de vírus inoculada, proximidade do sistema nervoso central, o tipo e a extensão da lesão provocada pela mordedura, a higidez e o nível imunitário do agredido entre outros fatores. Em média, o período de incubação para os bovinos varia entre 25 a 90 dias.

Quanto aos sintomas da raiva, há uma variação no que diz respeito à predominância das manifestações. Classicamente, o vírus da raiva determina três fases distintas: a fase prodrômica, a fase excitativa e a fase paralítica. Em relação aos sintomas da raiva transmitida pelos morcegos hematófagos aos herbívoros, a paralisia atinge inicialmente os membros posteriores, provocando um andar cambaleante. A lactação cessa de repente em vacas leiteiras. Ao invés da usual expressão plácida, os animais tornam-se vigilantes, seus olhos e suas orelhas seguem sons e movimentos. O animal faz esforços para defecar e urinar, porém não consegue. Emite mugidos constantes e roucos. Na maioria das vezes o animal apresenta dificuldade de deglutição e abundante salivação. Finalmente, deita e não se levanta mais até a morte.

O diagnóstico clínico indicativo deve ser realizado levando-se em consideração que a raiva pode ser confundida com várias outras infecções e com diversos tipos de intoxicações que causam encefalites e, para que seja esclarecido, é necessário que se envie o material do animal suspeito para diagnóstico laboratorial. Devem ser remetidos para exame o cérebro e região próxima à medula espinhal. O material deve ser acondicionado e encaminhado ao laboratório em perfeitas condições de conservação, refrigerado ou congelado, e acompanhado de ficha epidemiológica.

O diagnóstico laboratorial segundo recomendações da Organização Mundial da Saúde é realizado através de imunofluorescência direta e isolamento viral. A imunofluorescência é muito sensível e específica e o diagnóstico através desta técnica pode ser obtido em algumas horas. O isolamento do vírus é realizado através da inoculação intracerebral em camundongos recém desmamados que permanecem em observação durante 30 dias.

A formulação de programas de controle da raiva está diretamente relacionada à diferentes espécies animais infectadas pelo vírus e responsáveis pela disseminação da doença. O ciclo urbano da raiva, na grande maioria das cidades brasileiras, ainda é mantido pelo cão, sendo que, durante o período de 1994-2003, esta espécie foi responsável por 80% de casos de raiva humana. No Estado de São Paulo, no entanto, a raiva canina foi reduzida de maneira significativa, sendo que em 2003 nenhum caso foi registrado (Coordenação Estadual do Programa de Controle da Raiva).

A raiva dos herbívoros transmitida por morcegos hematófagos (

) continua sendo um grave problema para autoridades sanitárias e criadores. Além dos animais perdidos pela doença o ataque pelos morcegos hematófagos causa enfraquecimento, perda de peso e lesões em diversas partes do corpo do animal, diminuindo a qualidade do couro o que acarreta grandes prejuízos econômicos. No Brasil estima-se que as perdas atinjam US$ 15 milhões, com a morte de 40 mil cabeças bovinas. Estudo retrospectivo no Estado de São Paulo mostrou que a raiva vem aumentado nas espécies de interesse econômico apontando índices de positividade de 18,1% na década de 1960, 38,1% nos anos 70, 18,7% na década de 80 e 23,8% no período de 90 a 95 (dados do Laboratório de Raiva do Instituto Biológico, SP). Ainda dados da Comissão Estadual de Coordenação do Programa de Controle da Raiva no Estado de São Paulo informam que de 1999 a 2001 foram registrados 1421/3073 (46,2%) casos de raiva bovina no Estado. Nota-se portanto, que apesar das medidas de controle adotadas ao longo dos anos, dentre as doenças que apresentam sintomatologia clínica nervosa, a raiva ainda apresenta uma elevada ocorrência no Estado de São Paulo, o que vem exigindo para seu controle uma implementação das ações existentes.

Os procedimentos principais para o controle da raiva rural, transmitida pelo morcego hematófago, consistem em vacinar os animais em áreas expostas e reduzir a população de vampiros. A vacinação deve ser realizada segundo a ocorrência da doença. Em áreas epidêmicas, recomenda-se que a vacina seja aplicada a cada seis meses, no caso de vacinas inativadas, e que os animais primovacinados sejam revacinados com intervalo de 30 dias. Os animais recém-nascidos devem receber a primeira dose vacinal com três meses de idade e outra aos quatro meses. Em localidades onde a doença ocorre de forma endêmica a vacinação deve ser anual. O controle populacional do morcego Desmodus rotundus, principal transmissor do vírus rábico em áreas rurais, deve ser uma ação contínua e realizada por equipes especializadas. O método empregado com esta finalidade é o uso de pasta com substância anticoagulante, aplicada nos morcegos ou nas mordeduras dos animais agredidos.

Para o controle efetivo da doença, tanto urbana como rural, é necessário um adequado sistema de vigilância epidemiológica, com pronto atendimento a focos, o envio de material para diagnóstico laboratorial, e um programa de educação em saúde junto à comunidade visando a adoção de medidas profiláticas.

Desde a década de 1930 o Instituto Biológico de São Paulo atua nos principais surtos de raiva bovina. Na época, técnicos do Instituto eram encarregados não só do diagnóstico como também da produção de vacina. Nos anos 60 e 70 o diagnóstico foi intensificado e valiosas pesquisas foram realizadas neste assunto. Atualmente, o Laboratório dedica-se à pesquisa e à prestação de serviços de diagnóstico laboratorial da raiva e de várias outras enfermidades que acometem o sistema nervoso.

Elenice M. S. Cunha e Maria do Carmo C. S. H. Lara

Instituto Biológico - SP

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