Estratégias de combate do bicudo-do-algodoeiro

Combate exige atenção permanente, manejo intenso e ausência de plantas de algodão na entressafra

03.07.2020 | 20:59 (UTC -3)

Principal praga do algodoeiro, o bicudo Anthonomus grandis é responsável por perdas próximas a 360 milhões dólares por ano no Brasil. Seu combate exige atenção permanente, manejo intenso e ausência de plantas de algodão na entressafra, de modo que seja possível conviver com este inseto sem resultar em pesados prejuízos.

De todas as pragas que atacam o algodoeiro no Brasil, o bicudo-do-algodoeiro [Anthonomus grandis (Coleoptera: Curculionidae)] é sem dúvida a principal. Características da biologia, ecologia e comportamento deste inseto impõem ao produtor um grande desafio. Isto porque mesmo com emprego de medidas de controle, se não forem bem planejadas e adotadas em sua totalidade conforme preconizado pelo programa de manejo, ainda haverá perdas de produtividade. Levantamento realizado recentemente pela equipe de Entomologia do Instituto Mato-grossense do Algodão (IMAmt) revelou que o produtor de algodão no Brasil perde aproximadamente 375 dólares por hectare/ano para o bicudo, contabilizadas perdas causadas pela praga e os custos com manejo (inseticidas, armadilhas, tubo-mata-bicudo, destruição de tigueras, rebrotas, etc.). Estendendo isso para a área total cultivada, o Brasil perde para o bicudo aproximadamente 360 milhões de dólares/ano (perdas de produção + custos de manejo), valores que justificam qualquer investimento relacionado ao planejamento para a redução populacional da praga.

 As perdas ocasionadas pelo bicudo são elevadas devido ao ataque nas estruturas reprodutivas do algodoeiro, tanto para a alimentação como para a reprodução. O inseto completa o seu desenvolvimento passando pelas fases de ovo, larva, pupa e adulto (Figura 1), sendo que as três primeiras ocorrem protegidas no interior das estruturas reprodutivas (por ex. botões florais). Desta forma, somente os adultos ficam expostos e são suscetíveis às pulverizações. O adulto é facilmente identificado por ser um besouro da família Curculionidae, podendo ter de quatro a dez milímetros de comprimento, apresenta um rostro (aparelho bucal) longo e curvo, que normalmente mede a metade do comprimento do seu corpo, e sua coloração pode variar de marrom claro, pardo acinzentado a marrom escuro.

Usualmente, o bicudo-do-algodoeiro entra na lavoura de algodão quando as plantas começam a fase reprodutiva, ou seja, assim que as plantas emitem os primeiros botões florais, e, quando ocorre o estabelecimento na área por falta de controle ou adoção de medidas ineficazes de controle, as infestações se mantêm até o fim do ciclo da cultura. A partir da colonização, a dispersão do bicudo dentro do talhão está relacionada com as futuras gerações/multiplicação, e o progresso deste deslocamento é influenciado pelo manejo adotado. O monitoramento via armadilhas com feromônio ou monitoramento via monitores nas bordas e dentro dos talhões é atividade primordial para uma tomada de decisão correta para o controle do bicudo. Isso porque o sucesso do controle químico está relacionado com as aplicações de inseticidas no momento da colonização acusada pelo monitoramento.  Assim, é recomendado que as aplicações inseticidas nos talhões apresentando infestação após a detecção da praga sejam de forma sequencial, normalmente em número de três aplicações com intervalo de cinco dias entre elas. Estas aplicações são importantes para obter sucesso no controle daqueles adultos emergindo, o que ocorre constantemente (fluxos de emergência), bem como para controlar os indivíduos que escapam das pulverizações anteriores.

Detalhes das injúrias de alimentação (esquerda) e oviposição (direita).
Detalhes das injúrias de alimentação (esquerda) e oviposição (direita).

O manejo do bicudo-do-algodoeiro não se limita ao monitoramento e as aplicações corretas de inseticidas. É necessária adoção de medidas de manejo durante o ano todo, ou seja, desde a cultura instalada, em fim de ciclo, colheita e, ainda, no período de entressafra (pós-colheita). Desta forma, é possível afirmar que o manejo do bicudo não depende somente de uma ferramenta, como os inseticidas, mas sim de um somatório de ações que resultará em menor pressão da praga nas safras subsequentes e, consequentemente, menores perdas.

O manejo de entressafra deve ser adotado por todos de forma rigorosa, especialmente com relação às plantas espontâneas de algodão nesse período, que devem ser todas eliminadas, sejam tigueras, soqueiras e/ou rebrotas, independentemente do lugar que se encontram. Como o bicudo possui poucos hospedeiros que são utilizados na sua alimentação e, no Brasil, até o momento, não há relatos dele se reproduzindo em outras espécies de plantas a não ser em algodoeiro, a eliminação de plantas de algodão no período de entressafra é medida essencial para a redução populacional do bicudo, garantindo assim menor população para infestar as lavouras nas safras subsequentes. Vale salientar que a prática de destruição de plantas de algodão fora da época de cultivo é amparada por lei, sendo dever o cumprimento do vazio sanitário do algodoeiro.

Produtores de algodão de Mato Grosso, responsáveis por mais da metade da produção de todo o algodão do Brasil, devem ficar vigilantes para as recentes mudanças na Instrução Normativa (SEDEC/INDEA-MT Nº 001/2016) que trata sobre as normas de datas de plantio, vazio sanitário, destruição de soqueira, controle do bicudo e outras. Em especial, com relação às alterações das datas de vazio sanitário, que foram regionalizadas, dividindo Mato Grosso em duas regiões, sendo a Região 1 integrada pelos Núcleos Regionais Sul, Centro-Leste e Centro; e a Região 2 pelos Núcleos Regionais Noroeste, Médio Norte, Centro Norte e Norte. Essa divisão é apresentada na Figura 1. As datas para o vazio sanitário em cada região ficaram estabelecidas assim:

Região 1 – compreendido entre 1º de outubro e 30 de novembro;

Região 2 – compreendido entre 15 de outubro e 14 de dezembro.

Figura 1 - Mapa do Mato Grosso com as duas regiões distintas do vazio sanitário (Região 1 e Região 2) e respectivos municípios. (Imagem por: Antonio Oliveira).
Figura 1 - Mapa do Mato Grosso com as duas regiões distintas do vazio sanitário (Região 1 e Região 2) e respectivos municípios. (Imagem por: Antonio Oliveira).

Outro ponto importante para o qual os produtores devem ter atenção é com relação ao termo utilizado para autuação. Antes era empregado “planta viva” de algodão, sendo o produtor autuado quando encontrada qualquer planta viva em sua propriedade no período do vazio sanitário, enquanto que o termo atual é “planta com risco fitossanitário”, cuja definição é: plantas de algodão tigueras acima do estádio V3 e plantas rebrotadas (soqueiras) com mais de quatro folhas por broto ou presença de estruturas reprodutivas.

Com exceção das lavouras de algodão, as propriedades devem manter as áreas livres de planta com risco fitossanitário em qualquer período do ano.

 Plantas de algodão em meio à lavoura de soja em entressafra devem ser eliminadas, visando quebrar o ciclo do bicudo-do-algodoeiro. - Foto: ATRs IMAmt
Plantas de algodão em meio à lavoura de soja em entressafra devem ser eliminadas, visando quebrar o ciclo do bicudo-do-algodoeiro. - Foto: ATRs IMAmt

Resumo de práticas para reduzir a população do bicudo e perdas 

- Realizar um bom manejo da praga no período de desenvolvimento da cultura, manter este manejo até o fim de safra, com monitoramento e aplicações corretas de inseticidas, mesmo em fim de ciclo do algodoeiro, não colocando a perder todo o trabalho realizado durante a safra;

- Buscar manter as áreas com ausência de hospedeiro do bicudo na entressafra, através da eliminação de plantas de algodão de qualquer local (talhões, beira de estradas, algodoeiras, confinamentos, etc.), eliminar também plantas de algodão presentes em talhões cultivados com soja e milho;

- Realização de medidas de manejo de forma conjunta e coordenada entre as propriedades algodoeiras a fim de buscar padronização das boas ações.

Armadilha iscada com feromônio Grandlure na bordadura do talhão de algodão. O monitoramento deve iniciar 30-40 dias antes do plantio e deve ser mantido até a fase B1 do algodoeiro. - Foto: Eduardo M Barros
Armadilha iscada com feromônio Grandlure na bordadura do talhão de algodão. O monitoramento deve iniciar 30-40 dias antes do plantio e deve ser mantido até a fase B1 do algodoeiro. - Foto: Eduardo M Barros

Com relação ao trabalho em conjunto da cadeia produtiva do algodão, o IMAmt, através do projeto Controle Efetivo do Bicudo-do-algodoeiro em Mato Grosso, tem criado Grupos Técnicos do Algodão (GTAs), com a finalidade de promover a interação dos integrantes dessa cadeia produtiva e, com isso, realizar troca de informações, padronização de ações, visitas técnicas, entre outras ações que contribuem para o sucesso do manejo do bicudo e outras pragas. Até o momento, em Mato Grosso, foram formalizados nove GTAs: Sapezal, Sorriso, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Diamantino/Deciolândia, Campo Novo do Parecis, Rondonópolis (região da Serra da Petrovina), Primavera do Leste e Campo Verde. Para facilitar o diálogo e interação dos integrantes são realizadas reuniões mensais em cada localidade e, apesar da recente formação dos GTAs, já se observam avanços consideráveis com relação ao manejo do bicudo, especialmente no que diz respeito à destruição de soqueiras e tigueras de algodão, ao monitoramento, a aplicações sequencias de inseticidas, transporte de fardos e caroço de algodão, entre outros.

Apesar do clima “seco” ter sido desfavorável ao bicudo durante a safra 2015/2016, contribuindo para menores populações na fase final da safra, é necessário permanecer em alerta e realizar todas as ações recomendadas. Infelizmente, não se tem produzido grandes novidades em relação ao manejo do bicudo. Medidas de sucesso de manejo preconizadas desde a entrada desta praga no Brasil são as mesmas utilizadas atualmente, assim o que resulta em maior ou menor sucesso do manejo é a austeridade com que essas práticas são implementadas.  


Eduardo Moreira Barros, Jacob Crosariol Netto, Instituto Mato-grossense do Algodão (IMAmt); Jorge Braz Torres, Guilherme Gomes Rolim, Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)


Artigo publicado na edição 208 da Cultivar Grandes Culturas.

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