Gestão de pessoal

Qualificação e capacitação do trabalhador rural são fatores estratégicos para a empresa rural adquirir vantagens competitivas e aumento na escala de produção.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O Brasil acaba de despontar como o maior exportador de carne bovina do mundo. Seus índices de produtividade, no entanto, ainda não podem ser considerados invejáveis. Essa situação paradoxal é reflexo dos sistemas produtivos adotados por pecuaristas de todo o país, onde sistemas tipicamente extensivos de produção convivem, lado a lado, com ilhas tecnológicas de produção altamente intensiva.

Uma maior participação da carne bovina brasileira no mercado internacional implica em atender às exigências externas quanto a preço, qualidade, segurança alimentar e responsabilidades social e ambiental. Isso significa, para o setor produtivo, a implementação de sistemas gerenciais mais aprimorados, objetivando o aumento da escala de produção, a melhoria da qualidade dos produtos ofertados e a redução de custos. Em busca de eficiência, pecuaristas têm colocado em prática o melhoramento genético do rebanho, a reforma das pastagens, a identificação eletrônica, entre outras técnicas modernas de manejo. Entretanto, na maioria das vezes, têm esquecido o principal recurso que as empresas dispõem: o ser humano.

A era da informação modificou a concepção de trabalho e de trabalhador. O capital humano começou a ser entendido como o fator capaz de transformar dados em informações qualificadas, recursos produtivos em resultados, idéias em lucro. Tornou-se, portanto, a força motriz capaz de fazer as engrenagens da empresa trabalharem de forma harmoniosa em busca dos objetivos almejados.

O homem, ao oferecer sua força de trabalho, suas habilidades e competências, procura satisfazer suas necessidades pessoais, presentes e futuras, dentre as quais estão as necessidades fisiológicas (alimentação, moradia), de segurança (seguro, previdência), sociais (afeição, participação), de estima (própria ou de terceiros) e de auto-realização. O gerente, ao estabelecer as diretrizes da área de recursos humanos, deve, portanto, considerar, além dessas, as seguintes premissas:

I) Todo ser humano tem potencial intelectual que deve ser desenvolvido e utilizado;

II) Todo ser humano normal sente satisfação pelo resultado de seu trabalho; e

III) Os melhores resultados são obtidos quando o ambiente interno é cooperativo e harmonioso.

É pensando nisso que diversas empresas têm adotado uma nova abordagem quanto à importância e ao papel das pessoas dentro das organizações. No meio rural, porém, a realidade ainda é bem diferente. A histórica utilização de mão-de-obra abundante, barata e desqualificada tem sido vista como uma desvantagem à adoção de sistemas mais tecnificados. Em geral, o comprometimento dos funcionários é baixo, a rotatividade é alta e as condições de trabalho nem sempre são adequadas.

Visando identificar possíveis limitações do sistema de gerenciamento de pessoal e suas relações com o desempenho produtivo de empresas rurais, desenvolveu-se um estudo junto aos pecuaristas do Triângulo Mineiro associados à ABCZ. Os resultados foram apresentados em minha dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de Viçosa (MG), sob orientação da professora Sônia Maria Leite Ribeiro do Vale, do Departamento de Economia Rural.

Os dados obtidos pela pesquisa revelaram que, na área técnica, os pecuaristas consultados, de um modo geral, apresentaram indicadores de desempenho acima da média regional, a exemplo da taxa de lotação de 1,15 UA/ha e da taxa de natalidade de cerca de 70%. Tais resultados, certamente refletem o nível tecnológico adotado, já que muitos dos produtores contratam com freqüência a assistência técnica, utilizam inseminação artificial e realizam exame andrológico, entre outras práticas.

A análise mais aprofundada dos dados foi possível através da estratificação dos produtores conforme o nível de produtividade em: (I) baixa produtividade, com até 0,95UA/ha; (II) produtividade média, com 0,95UA/ha a 1,35UA/ha; e (III) alta produtividade, com mais de 1,35UA/ha.

De uma forma geral, os entrevistados apresentaram sistemas de recursos humanos melhorados, se comparados às propriedades rurais da região, com destaque para o estrato de alta produtividade, que apresentou melhor performance tanto na área técnica quanto na de recursos humanos, confirmando a correlação entre as duas áreas. Nesse estrato, cerca de 80% dos pecuaristas avaliaram o desempenho de funcionários e utilizaram os resultados para remunerá-los ou promovê-los, ao passo que nos demais o percentual foi bem menor. Além disso, o número de benefícios sociais não obrigatórios concedidos, o de treinamentos e o de pessoas treinadas ao ano nessas empresas foi maior, indicando a relevância do investimento em desenvolvimento humano no contexto organizacional.

A qualificação dos funcionários é fator estratégico para que as empresas adquiram vantagens competitivas. Assim sendo, o número de funcionários analfabetos foi outra questão levantada pela pesquisa. Enquanto 47,4% das empresas de baixa produtividade (estrato I) apresentaram analfabetos em seu quadro funcional, apenas 10% das empresas do estrato III empregaram esse tipo de mão-de-obra. A maior qualificação e capacitação do trabalhador rural, bem como a melhoria na qualidade do ambiente de trabalho, são condições essenciais para a consolidação da pecuária de ponta, consistente com os novos padrões exigidos pela sociedade. Além disso, a melhor utilização da mão-de-obra acarreta equilíbrio da relação rebanho/homem, elevando a produtividade desse fator.

O aprimoramento dos sistemas de gerenciamento de pessoal depende, prioritariamente, do grau de importância que o empresário rural atribui aos seus colaboradores e de como ele percebe a influência do ambiente de trabalho na performance da empresa. Uma vez compreendida a viabilidade do negócio como resultado do empenho e do comprometimento da mão-de-obra, o passo seguinte é estruturar um amplo programa de gestão de pessoal que concilie as necessidades dos funcionários com os objetivos da empresa. As relações empresa-colaborador devem, portanto, se alterar, no intuito de tornar o investimento em pessoal uma fonte de lucros e não, exclusivamente, de custos. A criatividade e a sensibilidade do gerente são fatores essenciais nesse processo de mudança cultural.

Uma revolução gerencial no âmbito das pessoas é, portanto, o grande desafio dos administradores rurais daqui a diante.

Mariana de Aragão Pereira

Embrapa Gado de Corte

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