Guerra às pragas

Para que possa exportar o algodão, o produtor precisa estar atento à qualidade da pluma a ser comercializada. Portanto, o manejo de pragas torna-se um aliado indispensável.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Neste artigo discutiremos os aspectos relacionados ao manejo de pragas que afetam os programas de qualidade de fibra em sistemas de produção de algodão.

O atual produtor brasileiro de algodão tem boa competitividade internacional, entretanto a valorização do seu produto é extremamente dependente da qualidade da pluma a ser comercializada, bem como da imagem social e ambiental do sistema de produção adotado. A meta é buscar a máxima qualidade das características intrínsecas e extrínsecas de cada fardo de pluma.

Práticas agronômicas inadequadas, fatores inerentes à planta (genética), externos (clima, pragas, sistemas de colheita etc.), e ao ser humano (beneficiamento, padronização, manipulação dos fardos até o destino, e outros serviços) são responsáveis por perdas qualitativas do algodão.

Os objetivos da qualidade no manejo de pragas são atingir as diretrizes da alta administração, relacionadas com a melhoria dos vários processos que têm impacto na satisfação dos clientes, qualidade da fibra e serviços, devendo ser mensuráveis e consistentes, incluindo o comportamento com planejamento, execução, avaliação dos resultados e ações para melhorar continuamente o produto, processos ou sistemas, utilizando normalmente indicadores.

Independente dos efeitos na produtividade, algumas pragas afetam seriamente a qualidade da fibra em função dos seus danos diretos e indiretos. Pelos danos diretos podem ser destacados os seguintes artrópodes: percevejos, insetos desfolhadores, bicudo, lagarta-rosada, broca-da-haste e ácaros. Já pelos prejuízos indiretos destacam-se o pulgão, a mosca-branca e percevejo.

Os insetos desfolhadores, tais como besouros e lagartas, podem causar desfolhas intensas no final do ciclo da cultura, em função disso pode ocorrer problemas no micronaire (combinação de finura e maturidade da fibra) e manchas na fibra provocadas pelas fezes, especialmente se houver umidade.

À semelhança dos danos das lagartas desfolhadoras, os ácaros (especialmente o ácaro-rajado) podem causar desfolhas intensas antecipando o final do ciclo da cultura. A perda prematura das folhas provoca problemas no micronaire, uma vez que afeta a área foliar ou a eficiência fotossintética da metade ao final do ciclo da cultura, o que favorece principalmente a formação de fibras imaturas.

Estas pragas que têm a capacidade de promover a formação de fibras imaturas, além de afetar o micronaire, têm a capacidade de provocar o mais importante tipo de neps, que é aquele decorrente de pequenas aglomerações de fibras de algodão, oriundas da colheita de fibras imaturas.

De outro lado, o bicudo e a lagarta-rosada quando atacam maçãs verdes promovem o sintoma conhecido popularmente como “carimã”, que decorre da abertura imperfeita do capulho, o que pode aumentar as impurezas do algodão colhido, porém raramente seus ataques afetam os componentes de fibra medidos pelas análises de HVI.

O ataque da broca-da-haste nas maçãs verdes prejudica a adesão dos pedúnculos dos frutos aos ramos, podendo aumentar as impurezas no produto na hora da colheita.

Durante o ataque aos capulhos, o percevejo-manchador tem a capacidade de provocar manchas nas fibras com suas dejeções. Quando se alimentam das maçãs, promovem deformações e apodrecimentos, pois entram microorganismos na estrutura. Os percevejos-rajados e as espécies migrantes da soja também introduzem microorganismos que levam ao apodrecimento ou causam lesões nas maçãs. Em particular, os percevejos-rajados podem promover a derrubada dos botões florais das primeiras posições na planta, atrasando a maturidade.

Moscas-brancas e pulgões são responsáveis por 80-90% dos problemas de mela que levam ao algodão doce (“stickiness”) no campo. Ambos os insetos alimentam-se da superfície inferior das folhas, mas a deposição de mela (“honeydew”) ocorre na página superior das folhas, maçãs e capulhos.

Quando o capulho se abre, a fibra é branca e clara porque a celulose é altamente reflectiva e ainda existe pouquíssima degradação da sua superfície.

A mela escorre das folhas até as maçãs abertas e não é fácil de ser vista quando está seca.

Quando o nível de contaminação com mela é muito elevado, as fibras ficam virtualmente incapazes de serem processadas. Nessa situação a qualidade do processo têxtil é adversamente afetada por causa da pegajosidade e empaçocamento dos resíduos em rolos. Algodoais contaminados com mela também retêm ciscos, areia e sujeira por ocasião de vendavais no final do ciclo da cultura, o que prejudica o beneficiamento.

Por sua vez, no campo, se houver umidade mínima em folhas com mela, a fumagina (fungo

spp.) escurece as folhas e fibras. Este fungo utiliza principalmente os açúcares da mela como substrato para seu desenvolvimento, e não se trata de um fungo fitopatogênico.

Com a pluma úmida (alta umidade do ar, orvalho e chuva), os fungos começam a se nutrir da superfície melada da fibra. A cor dos esporos do fungo torna-a cinzenta, alterando sua coloração. Se o ambiente seca, retornando à condição de dias ensolarados, o crescimento do fungo diminui, e o algodão pode perder o acinzentamento, mas nunca completamente.

Alguns autores consideram que a fumagina é menos prejudicial que o açucaramento provocado pela mela. Entretanto, no beneficiamento, ambos os problemas são capazes de afetar a qualidade da fibra, seja por alterar a cor da fibra ou por causar algodão doce.

Vale lembrar que as plantas doentes (por vírus transmitidos por insetos, como a doença azul e vermelhão), especialmente as chamadas viroses tardias, têm a capacidade de produzir fibras de baixa qualidade.

Há de se incluir, ainda, que infestações altas e precoces de tripes podem afetar o crescimento inicial da cultura, o que atrasa a frutificação levando a um retardamento da maturação, que por sua vez reflete negativamente na qualidade da fibra.

Do mesmo modo, os ataques severos e precoces das lagartas-das-maçãs em lavouras de algodão podem aumentar o risco de prejuízo ao micronaire/maturidade, pois eles fazem com que as plantas fixem sua carga muito tardiamente, devido à derrubada dos botões florais das primeiras posições na planta e grande formação de ponteiro, onde freqüentemente as fibras são mais imaturas.

O abandono de práticas de controle de pragas após o início da abertura de capulhos costuma ser o grande responsável por danos qualitativos por pragas no algodão do Brasil.

Também, plantas de porte elevado têm a tendência de agravar os problemas de qualidade da pluma, seja por dificultar o manejo, acentuar os problemas de ataques de pragas, aumentar o apodrecimento de maçãs atacadas por insetos, ou dificultar o controle de pragas do baixeiro.

A adoção de bons e práticos programas de manejo integrado é fundamental para reduzir riscos de danos qualitativos por pragas do algodoeiro. Basicamente, estes programas estão baseados na: 1) utilização dos fundamentos entre a cultura / ambiente / pragas; 2) amostragens fidedignas; 3) diagnóstico precoce; 4) utilização de sistemas científicos de aviso; 5) táticas de controle sustentáveis; 6) continuidade do controle de pragas na fase final do ciclo da cultura; 7) eficiente educação e transferência de tecnologia.

Os níveis de controle devem ser cientificamente sólidos, e são componentes essenciais da tomada de decisão. Níveis de controle empíricos devem ser substituídos por outros definidos cientificamente.

Até 30 dias após a emergência (dae, nas variedades suscetíveis à virose, controlar até 3% de plantas infestadas (onde planta infestada é aquela que tem pulgão). Nas variedades resistentes, controlar até 40% de plantas infestadas (nesse caso, planta infestada deve ter colônias).

Em variedades suscetíveis, dos 30 aos 120 dae, fazer a primeira avaliação de incidência de virose aos 30 dae (as demais aos 60, 90 e 120 dae) e controlar a praga de acordo com os seguintes critérios:

• até 2% de plantas com virose – elevar o nível até 10% de plantas atacadas. Após 60 dae, se continuar com esta incidência baixa de virose, elevar o nível de controle para 15 a 20% de plantas infestadas;

• 2 a 6% de plantas com virose – manter o nível em 3 a 5% de plantas infestadas por pulgão;

• >6% de plantas com virose – realizar controle total, ou seja, nova aplicação assim que acabar o residual do produto e eliminar (através de roguing) as plantas doentes.

Dos 120 dae até o final do ciclo, controlar o pulgão com até 40% das plantas infestadas. Na verdade, este nível é teórico. O importante é dar continuidade na avaliação da lavoura e detectar os primeiros sinais de mela nas folhas e pluma para fazer controle da praga. Levar em consideração também a infestação de pulgão, avaliando o tamanho das colônias, o parasitismo e o potencial da praga em causar mela.

Controlar a mosca-branca quando tiver 20% das plantas com presença da praga. Verificar presença de ninfas na quinta folha do ponteiro (de cima para baixo na planta), e a presença de adultos agitando o terço superior da planta. No final do ciclo da cultura, controlar esta praga quando detectar o início de mela nas folhas e pluma.

Pesquisas recentes têm procurado identificar, isolar e pulverizar alguns microorganismos (leveduras) capazes de nutrir-se da mela sem que afetem a qualidade da fibra do algodão. Estas medidas mostram-se promissoras pois podem eliminar a possibilidade de controlar quimicamente pulgões e moscas-brancas no final do ciclo, já que os danos diretos causados por eles costumam ser desprezíveis, e a estratégia baseia-se em eliminar apenas o melado.

O controle da lagarta-das-maçãs (Heliothis e Spodoptera) deve ser efetuado quando até 10% das plantas estiverem infestadas. Deve-se tomar o cuidado de controlá-las quando ainda estão pequenas (< 7 mm), devido à dificuldade de combater as lagartas grandes. Outro aspecto está relacionado às infestações precoces destas pragas que, se forem intensas e houver danos, irão deslocar a formação de carga para o final do ciclo, aumentando a possibilidade de se obter fibras com problemas de micronaire/maturidade.

Para pragas desfolhadoras, como o curuquerê, plusia e besouros, em lavouras jovens (até 30 dae), considerar como nível de controle 1 a 2 lagartas por metro linear e/ou não deixar ultrapassar os 10% de desfolha. Nas demais fases de desenvolvimento da cultura, controlá-las quando a população for superior a 2 lagartas por planta, ou 25% de desfolha do ponteiro, ou 10% de desfolha de toda a planta em média, o que acontecer primeiro.

Para o controle da lagarta-rosada utilizar, em cada talhão de 100 hectares, pelo menos duas armadilhas de feromônio sexual gossyplure, eqüidistantes uma da outra e da bordadura. Controlar esta praga quando capturar em média 10 mariposas em 2 noites, em cada armadilha. Reaplicar os tratamentos com até 3% das maçãs atacadas, nesse caso avaliar através da contagem de um mínimo de 100 maçãs firmes, porém não maduras, por talhão. O uso de gossyplure aplicado em área total objetivando confundir os machos de mariposas mostra ser uma tecnologia eficiente no combate da praga, desde que a aplicação seja feita precocemente e contemple as áreas vizinhas, com vistas a evitar danos e interferência de talhões vizinhos.

Para o controle destas pragas da Ordem Lepidoptera (lagartas), a utilização de algodão geneticamente modificado capaz de produzir as toxinas de

(algodão-Bt) é atualmente a melhor solução para eliminar os danos diretos e indiretos causados por este grupo pragas, uma vez que a planta praticamente se torna imune aos insetos. É o que demonstram estudos criteriosos e usos comerciais em larga escala da tecnologia na África do Sul, Argentina, Austrália, China, Estados Unidos, Índia, México, dentre outros países.

A adoção de medidas de controle do ácaro-rajado e do ácaro-branco, em área total da lavoura, deve ser feita quando ocorrer 10% e 40% de plantas infestadas com sintomas iniciais da praga, respectivamente. No caso do ácaro-rajado, dispensar atenção especial para o combate precoce de bordaduras e reboleiras da praga. Este controle localizado, além de ser mais econômico, prático e eficiente que tratamentos em área total, minimiza a possibilidade de grandes surtos precocemente, conseqüentemente os danos qualitativos serão menos acentuados.

O combate dos percevejos-rajados e do percevejo-manchador deve ser efetuado quando houver presença de insetos em 10-20% das plantas. Observar atentamente as bordaduras, principalmente com a soja que está sendo colhida, pois a migração de espécies da soja pode comprometer o algodão. Muitas vezes, tratamentos realizados apenas nas bordaduras podem resolver o problema; por outro lado, o ideal é controlá-las na cultura da soja. Também, ficar atento ao monitoramento do percevejo-rajado, uma vez que eles são muito ágeis e costumam passar despercebidos pelos monitores de pragas. Uma sugestão dada é fazer “batidas de pano” nas horas de temperaturas mais amenas do dia (de manhã cedo) para constatar sua presença na área, pois com temperaturas mais baixas eles ficam com movimentos relativamente mais lentos que em horários muito quentes.

O controle do bicudo deve ser feito, em área total, quando até 5% dos botões florais estiverem atacados (presença da praga, oviposição ou danificados). Avaliar um mínimo de 250 botões florais “preferidos” da plantas “dominantes” por talhão. É fundamental para o sucesso no combate do bicudo a adoção de atitudes coletivas na região de ocorrência da praga. Isto evita grandes surtos populacionais regionais do inseto. Sob o ponto de qualidade de fibra, evitar altas populações de bicudo no final do ciclo da cultura objetiva minimizar os danos nas maçãs. É altamente recomendado que se detecte os focos primários do bicudo nos talhões, monitorando cuidadosamente as bordaduras, as proximidades de refúgios e/ou instalando armadilhas de feromônio sexual grandlure.

O Cutout se caracteriza pela fase da planta em que a demanda energética excede a produção fotossintética, onde a planta finalmente reduz seu crescimento vegetativo.

Muitas vezes, após esta fase algum brotamento de plantas pode oferecer substrato para populações de insetos-pragas se desenvolverem, como pulgão e mosca-branca. Desse modo, evitar a excessiva irrigação no final do ciclo. Também evite doses exageradas de nitrogênio que podem manter a planta verde por prolongados períodos de tempo.

Muitos insetos, por exemplo os pulgões, multiplicam-se intensamente no algodão que está verde e exuberante no final do ciclo, causando problemas de qualidade de fibra ou exigindo seus controles.

O manejo de pragas focado na qualidade da fibra é um dos componentes essenciais de uma empresa produtora de fibra de algodão que busca atender mercados exigentes. Esta preocupação visa fazer com que seus produtos e serviços conquistem a liderança de mercado em atendimento às exigências do mundo dos negócios.

Todo programa de manejo de pragas deve reunir pessoal técnico capacitado, parceiros estratégicos e uma gama de serviços dirigida tanto para os que ainda não implementaram seus sistemas de qualidade quanto para os que querem evoluir em seus processos.

Graças às equipes de manejo, e através de ações corretivas e preventivas deve-se eliminar as causas e as situações capazes de interferir nos processos que não estão em conformidade aos requisitos do sistema da qualidade. Normalmente, são elas aplicadas antes da implementação de novos produtos, processos ou sistemas, ou antes de modificações já existentes. No Brasil, a atual estrutura de supervisão das lavouras baseada numa assistência agronômica responsável contribui para este aprimoramento de manejo de pragas.

Universidade Federal Mato Grosso do Su

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