​Helicoverpa pelo Brasil: mudança de hábitos

Instalada e dispersa em diversas regiões de cultivo brasileiras a presença da lagarta Helicoverpa armigera é uma realidade, com a qual é preciso aprender a conviver

06.10.2016 | 20:59 (UTC -3)

A agricultura brasileira é, historicamente, um dos principais alicerces da economia do País, desde os primórdios da colonização até o século 21, evoluindo dos grandes monocultivos para a diversificação da produção. A atividade agrícola faz parte do setor primário, onde se cultiva e se colhe para subsistência, exportação ou comércio.

Segundo as projeções do agronegócio publicadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em junho de 2013, as estimativas de produção de grãos apontavam para uma safra em 2013 de 184,2 milhões de toneladas, em uma área de 53 milhões de hectares. Essas duas variáveis são as maiores já alcançadas no Brasil ao longo dos últimos anos.

Para 2013/2014 a produção esperada deve ficar entre 188 milhões e 204,6 milhões de toneladas. Esse intervalo de variação é uma segurança para a ocorrência de mudanças sobre as quais não se tem controle ou tem-se pouco controle como, por exemplo, as variações climáticas como secas e chuvas, ou até mesmo a ocorrência de pragas limitantes para os cultivos.

Parte do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) está sendo alavancada pela produção de soja, que subiu na safra 2012/2013, para 22,8% no País e alcançou 81,5 milhões de toneladas, como também pela safra de milho, que aumentou 6,9%, um recorde de 78 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Nacionalmente, a área plantada aumentou 10,7% e atingiu o recorde de 27,7 milhões de hectares no País, impulsionada pela alta do preço no mercado internacional, interno e pela comercialização antecipada.

A cada ano que passa maior é a demanda por vegetais, produtos vegetais ou agrícolas, industrializados ou in natura com o intuito de suprir as necessidades alimentares, energéticas, de vestuário, entre outras. E essa crescente demanda é consequência do aumento populacional que o mundo está experimentando, na qual, segundo a agência da ONU para a agricultura e a alimentação, foi ultrapassado o limiar dos mil milhões de pessoas subalimentadas no mundo, o que significa que uma em cada seis pessoas no planeta Terra é afetada pela fome. Este máximo histórico é o resultado do impacto da crise financeira e econômica que o mundo tem atravessado e dos elevados preços dos produtos alimentares.

Anualmente, cinco milhões de seres humanos estão se juntando ao exército de famintos em diferentes partes do mundo, tornando mais distante a redução da fome até 2015. Para atender a esse aumento populacional, as estratégias governamentais objetivam duplicar a produção de vegetais alimentícios, fibrosos e energéticos e para tanto os processos adotados para alcançar tal escopo são melhorar os índices de produtividade das espécies econômicas e ampliar as áreas cultivadas através da abertura de novas fronteiras agrícolas ou mesmo incentivando a sucessão ininterrupta de cultivos. Em qualquer dos casos tende-se a provocar, de forma direta e/ou indireta, o aparecimento de problemas, destacando-se o aumento populacional das pragas, nativas ou exóticas, aqui entendidas como todas as espécies animal ou vegetal (insetos, doenças, ácaros, plantas daninhas etc) que possam causar perdas ou que colocam em risco a produção agrícola.

Exatamente neste contexto é possível entender a importância da entrada de uma praga exótica no País. Essas espécies exóticas seriam, por definição, primárias, aquelas cuja introdução ou dispersão ameaçam a diversidade biológica, porém, nos tempos atuais, a real definição de pragas exóticas refere-se a organismos que quando introduzidos em novas áreas passam a causar impactos econômicos e/ou ecológicos.

Segundo a Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária, a questão das pragas exóticas é, indiscutivelmente, um dos mais graves problemas para as cadeias produtivas de alimentos, fibras e biocombustíveis, que podem causar perdas diretas no campo e redução de acesso a mercados, prejudicando a competitividade da economia nacional. A exemplo disso se pode citar a introdução, no início dos anos 1990, do biótipo “B" de Bemisia tabaci que rapidamente atingiu, mesmo com todos os programas e planos emergenciais, as principais fronteiras agrícolas do País. Passaram-se mais de duas décadas e as estimativas de perdas são alarmantes, pois calcula-se que os prejuízos causados por essa praga à agricultura brasileira, somados aos gastos com produtos químicos, único meio, até o momento, utilizado no seu controle, já estejam próximos de meio bilhão de dólares, sem levar em conta os impactos sociais como o desemprego no campo e o consequente êxodo rural que essa praga provoca em diversas regiões do País.

Além da mosca branca, é possível citar também a ferrugem asiática da soja que foi, a partir da sua constatação e dispersão em 2001, uma das doenças de maior prejuízo à agricultura brasileira e continua ainda sendo um grande entrave para a produção de soja no País. Outros exemplos de pragas introduzidas nos últimos anos são o bicudo do algodoeiro, a cochonilha do carmim, a mosca da carambola, a mosca negra do citros, entre outras.

As ameaças fitossanitárias, definidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como pragas quarentenárias ausentes no Brasil e com potencial para o dano, podem ser conhecidas através de uma lista publicada pelo site do Ministério em que é possível encontrar 21 espécies de ácaros, 63 espécies de coleópteros, 20 espécies de dípteros, 21 espécies de hemípteros, sete espécies de himenópteros, nove espécies de thysanópteros e 58 espécies de lepidópteros. Especificamente, para este último grupo a lista foi recentemente retificada (IN nº 59, de 18/12/2013) com a exclusão da praga quarentenária H. armigera, pois sua presença no País está confirmada e o Ministério da Agricultura declarou, através de portarias recentes, o estado de emergência fitossanitária, em função do risco de surto da praga, para os estados da Bahia, Mato Grosso, Piauí, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.

Bioterrorismo ou demora na identificação?

A partir da constatação oficial da praga no Brasil cogitou-se a possibilidade de se estar diante de um novo tipo de terrorismo, aquele em que se objetiva destruir ou inviabilizar a produção agrícola em determinado local, através da introdução de determinada praga. Para o caso da H. armigera, as alternativas de introdução podem ser muitas, como, por exemplo, produto importado, dispersão natural, introdução intencional por uma ação agroterrorista ou de modo involuntário. Entretanto, não é essa a preocupação que se deve ter em mente, pois a praga é, atualmente, uma realidade para vários estados brasileiros e até mesmo para os países vizinhos, como Argentina, Paraguai e possivelmente toda a América Latina.

Os fatores que influenciam as etapas de um processo de invasão de uma praga exótica, como foi o caso da H. armigera no Brasil, podem ser explicados segundo a pesquisadora Denise Návia, da Embrapa Recursos Genéticos, a partir da compreensão de cada uma destas etapas, sendo a primeira definida como a de condução do organismo exótico para novas áreas, pois ele tem que sobreviver às condições de transporte e serem liberados no novo ambiente em boas condições fisiológicas. A etapa seguinte é o estabelecimento, com reprodução e dispersão, passando a ocupar áreas mais extensas. Chega-se então à etapa final, quando são percebidos os impactos ecológicos e econômicos. Sob esta visão se pode concluir que no caso da H. armigera é provável que já estejamos na última etapa do processo de invasão, pois sua identificação foi resultado do grande impacto econômico que causou a uma boa parte das lavouras do Centro-Oeste brasileiro, em especial o oeste baiano.

Diante disso, não podemos negar que esta praga, possivelmente, já esteja presente há mais tempo do que se supõe e que o famoso “achismo" no momento da sua constatação e a identificação por “eliminação de possibilidades" prevaleceu por muitos anos no meio agrícola brasileiro. Fato este comprovado nos inúmeros relatos de produtores e pesquisadores quando se deparam com fotos atuais e antigas da praga, agora denominada oficialmente H. armigera e meses atrás confundida em gênero (Heliothis virescens) e espécie (Helicoverpa zea).

Além disso, recentes estudos publicados pelo Csiro/Austrália sugerem que a praga pode ser originária de diferentes países, entre eles Paquistão, Índia, Austrália ou mesmo China. Deste modo, possivelmente, não foi apenas com uma única introdução que a H. armigera se estabeleceu no Brasil. Talvez tenham ocorrido introduções repetidas em uma determinada área e em localidades próximas, proporcionando um aumento das chances de estabelecimento da praga, sua hibridização e, como conseqüência, a explosão populacional e a expansão geográfica, conforme foi possível constatar nestes últimos dois anos agrícolas, principalmente nas áreas de cultivos dos Cerrados brasileiros.

Portanto, fica como lição para todos os envolvidos na cadeia produtiva brasileira a importância de se identificar corretamente as pragas presentes nos diferentes sistemas de cultivos, pois, agindo desta forma, as chances de se evitar novas invasões ou mesmo erradicar possíveis pragas na agricultura brasileira são grandes, mesmo porque a verdadeira defesa fitossanitária é a preventiva.

Distribuição, morfologia e biologia

Helicoverpa armigera é um Lepidóptero, da família Noctuidae e subfamília Heliothinae, sendo que sua distribuição alcança, atualmente, mais de 90 países no mundo distribuídos pela Europa, Ásia, África e Oceania. E agora oficialmente no Brasil, Argentina e Paraguai. Quanto aos Estados Unidos, inúmeras interceptações foram feitas da praga nestes últimos anos, e a possibilidade que países da América Central se tornem porta de entrada para a referida praga é uma realidade já considerada pelos pesquisadores norte-americanos.

A constatação oficial ou não da praga se estende por diversos estados brasileiros, como Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Piauí, Maranhão, Tocantins, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

Sua identificação é baseada, a princípio, nas diferenciações da genitália do macho, o que torna ainda mais difícil para técnicos e produtores reconhecerem e confirmarem a presença desta praga no campo. Portanto, na dúvida, o melhor é procurar pessoal capacitado para a correta identificação, mesmo porque a possibilidade de se estar diante de indivíduos híbridos é uma realidade, visto que populações de H. armigera e H. zea estão sendo encontradas de forma freqüente, ocupando o mesmo espaço em cultivos de milho e a cópula entre as duas espécies já foi relatada na literatura estrangeira.

O ciclo evolutivo de ovo a adulto de H. armigera pode variar de 40 dias a 45 dias, dependendo das condições climáticas. Os adultos desta praga têm hábitos noturnos, voam preferencialmente no crepúsculo, conforme observado no campo, mas podem também apresentar voos no meio da noite e, de forma menos frequente, alguns retardatários são encontrados de dia.

A permanência ou não de adultos na área pode ser determinada pelo encontro de nectários florais e sua utilização para a alimentação. Assim, as fêmeas da praga emergem das galerias no solo dois a quatro dias antes dos machos, sendo esta uma estratégia biológica conveniente para proteger a prole de condições inadequadas para o seu desenvolvimento, como, por exemplo, a ausência de hospedeiros. Os ambientes inóspitos provavelmente obrigarão as fêmeas a se deslocar para outras regiões, deixando para trás trilhas do feromônio para que os machos possam alcançá-las.

Portanto, as fêmeas são atraídas para os cultivos devido, principalmente, às inflorescências e ao néctar destas, que são cruciais para que possam realizar suas oviposições, podendo, cada fêmea, ovipositar, em média, de mil a 1.500 ovos durante todo o seu ciclo de vida, sendo importante ressaltar que uma fêmea é capaz de colocar em torno de 400 ovos em uma única noite.

Estes ovos podem ser colocados individualmente ou em pequenos grupos em um mesmo local, sempre nas partes mais altas, tenras e pilosas da planta e, de preferência, nas inflorescências ou nos frutos em formação. Entretanto, isso não é regra, pois também são encontrados ovos nas folhas, nas brotações e nos talos. Enfim, é importante salientar que estes ovos são sempre muito visíveis aos olhos do bom observador.

Os ovos são arredondados, de cor esbranquiçada, com cerca de 0,5mm de diâmetro e apresentam estrias meridionais que vão de um polo a outro, sendo que, 12 horas após a oviposição, apresentam coloração amarelo-palha e próximo à eclosão forma-se uma zona escura no ápice, dando um aspecto acinzentado ao ovo, correspondendo à cápsula cefálica da lagarta. A eclosão pode ocorrer em dois a três dias nos períodos mais quentes do ano e em quatro a 12 dias nos períodos mais frios.

Nos primeiros instares, a lagarta de H. armigera apresenta corpo com cerdas escuras abundantes e com bases brilhantes, demonstrando certa semelhança com lagartas de outras espécies da subfamília Heliothinae. Os pelos escuros são observados até o terceiro instar larval, pois a partir do quarto estágio, a lagarta começa a exibir características de fácil observação, como inúmeros pelos de coloração esbranquiçada, inclusive na cápsula cefálica, uma saliência no quarto segmento abdominal em forma de “sela", comumente de coloração escura, porém, sempre brilhante, o último segmento abdominal apresentando um plano inclinado, o tegumento de aspecto levemente coriáceo e, por fim, apresenta o hábito de encurvar a cápsula cefálica em direção ao primeiro par de falsas pernas, dando-lhe um aspecto peculiar que a diferencia das lagartas de outras espécies usualmente encontradas na cultura.

A fase larval é completada em seis instares e tem a duração de 13 a 22 dias, dependendo das condições climáticas. A lagarta pode atingir até 4cm de comprimento no último instar e, ao fim do ciclo, busca o solo para empupar, construindo uma câmara onde pode permanecer por dez a 15 dias até a emergência do adulto. Caso as condições climáticas não sejam favoráveis, pode continuar nesta fase por pelo menos 140 dias ou até que a umidade e a temperatura do solo estejam adequadas para o início de um novo ciclo da praga, apresentando, portanto, uma diapausa pupal facultativa.

O adulto de H. armigera pode se dispersar facilmente pelas lavouras e se manter nesse ambiente por muitas gerações, enquanto houver alimento, ou mesmo migrar a grandes distâncias, podendo fazer até 30km/h e alcançando 1.000km de distância entre dois e três dias, sendo este, um hábito natural da praga na sua fase adulta, independentemente das condições climáticas e da presença ou não de hospedeiros na área.

Culturas hospedeiras e danos

A H. armigera é conhecida, principalmente, pela sua capacidade de localizar e utilizar uma ampla gama de hospedeiros e esse é um dos fatores que contribuem para o “status" de praga que essa mariposa possui em vários continentes do mundo. São relacionadas mais de 180 espécies de plantas cultivadas e silvestres como hospedeiras da praga, entre elas é possível citar milho, trigo, sorgo, capins, cevada, gergelim, tomate, tabaco, batatas, flores e plantas ornamentais, como petúnias, gladíolos, boca-de-leão, hibiscos, rabo-de-gato, cravos, tremoços e dálias, girassol, alfafa, colza, mostarda, brócolis, repolho, canola, beterraba, gengibre, amendoim, mamona, grão de bico, feijão de corda, soja, ervilha, orégano, quiabo, algodão e frutíferas como laranja, limão, morango, maracujá, mamão, banana e uva, além de plantas daninhas como serralha, caruru, buva, borragem, bredo, malva branca, entre outras.

No Brasil os relatos da presença da praga em plantas cultivadas e espontâneas aumentam a cada dia. Atualmente, H. armigera já foi constatada em soja, milho, milheto, sorgo, trigo, algodão, tomate, pimentão, pimenta, alface, melancia, café, citrus, girassol, tabaco e plantas daninhas como buva, erva de touro, erva de Santa Maria, caruru e guanxuma, comprovando a sua grande capacidade de adaptação a diferentes cultivos. Percebe-se também que, tanto a lagarta, como o adulto estão extremamente associados às partes reprodutivas das plantas hospedeiras. Além do que, formas adultas podem reconhecer os hospedeiros pelos quais se desenvolveram nas fases larvais. Sendo que informações como essas são indicativos importantíssimos para os monitoramentos e alternativas de controle das diferentes paisagens agrícolas ou silvestres do País.

Entretanto, vale ressaltar que a simples presença de estágios imaturos da praga em plantas cultivadas ou silvestres não implica, necessariamente, que se trate de hospedeira. Para que isso ocorra é necessário que o inseto complete seu ciclo na cultura e os adultos obtidos sejam férteis e, enquanto isso não acontecer, pode-se considerar somente que a planta é um potencial hospedeiro para a praga.

A H. armigera é capaz de atacar todas as fases de desenvolvimento de uma cultura, alimentando-se de folhas, caules, hastes, flores, pólen e frutos. No primeiro instar, a lagarta, após romper e se alimentar do córion (casca do ovo), permanece nas imediações por até duas horas, quando então começa o processo de raspagem do parênquima das folhas, e depois se desloca para as partes vegetativas ou reprodutivas da planta, perfurando, folhas, ramos, hastes, botões florais, flores e frutos.

Em cultivo como a soja, se a infestação ocorrer na fase vegetativa, a lagarta permanece, normalmente, protegida nos trifólios ainda em formação, construindo pequenos abrigos com uma fina teia, que em poucos dias se desmancham devido à abertura destes trifólios, podendo então ser encontrada facilmente na superfície superior das folhas até nas horas mais quentes do dia. Porém, observa-se uma maior atividade das lagartas nos horários mais frescos, principalmente no entardecer.

O maior impacto na produção de soja ocorre quando a planta atinge sua fase reprodutiva, pois neste caso a lagarta se desloca para o centro da planta em busca de flores, pólen e vagem, sendo que nesta última pode consumi-la inteiramente ou então fazer orifícios circulares, abrindo galerias no intuito de consumir os grãos em formação ou já formados, promovendo estragos irreversíveis à cultura. A voracidade da lagarta aumenta conforme a passagem dos seus estágios, sendo importante salientar que 80% do material consumido por uma lagarta de H. armigera ocorre nos três últimos instares larvais.

Pode também produzir danos importantes nas inflorescências e nos pontos de crescimento dos cultivos de soja, pois perfura, de forma indiscriminada, tudo o que encontra. E, apesar de ter certa preferência pelas partes superiores da planta, esta praga pode se deslocar do topo para a base perfurando e destruindo hastes, pecíolos, vagens e flores de uma mesma planta, porém, com uma notável preferência pelos grãos, dos quais consegue obter as proteínas e os hidratos de carbono que necessita para o seu desenvolvimento. Este comportamento voraz e o hábito de atacar as vagens, sem consumi-las por inteiro, podem resultar em danos extensos mesmo quando o número de lagartas grandes é relativamente baixo e, portanto, leva a concluir que não é preciso muitas lagartas de H. armigera para ocasionar prejuízos aos cultivos de soja, bem como a qualquer cultivo em que a praga se estabeleça.

Sugestões de monitoramento

Para a H. armigera é preciso entender que o monitoramento é indispensável para a tomada de decisão em relação às táticas de controle e isso significa principalmente uma mudança de hábitos, pois sem o uso desta técnica dificilmente o produtor conseguirá deter o aumento da praga na cultura. Portanto, as recomendações baseiam-se, a princípio, no monitoramento frequente, sendo na fase vegetativa uma vez por semana e na fase reprodutiva intensificar as vistorias em pelo menos duas vezes por semana, observando-se não somente a cultura-alvo, mas também todas as demais plantas ao redor e no entorno da área, já que a praga é polífaga e, normalmente, os produtores mantêm mais de uma cultura em suas propriedades.

A manutenção de monitores de campo treinados e comprometidos é essencial para o sucesso de qualquer programa de monitoramento, principalmente quando se trata de uma praga com alta capacidade destrutiva, como é o caso da H. armigera, pois será a partir dos resultados das amostragens que se tomará a decisão em relação ao melhor momento da aplicação e à tática a ser utilizada. E compete ao produtor oferecer, constantemente, cursos e treinamentos para estes monitores que se constituem peças-chave no monitoramento das áreas. Além disso, este comprometimento deve vir também da assistência agronômica, para que os produtores tenham respaldo técnico nas tomadas de decisões em todo o processo de desenvolvimento das culturas.

Enquanto os estudos sobre H. armigera não se aprofundam no Brasil, vale manter os monitoramentos já recomendados para as pragas que apresentam o mesmo comportamento e/ou são da mesma subfamília, como é o caso da Heliothis virescens no algodão.

Para o caso dos cultivos de soja, o recomendado seria dividir as áreas em talhões e, ao monitorar, sempre levar em conta as fases vegetativa e reprodutiva da cultura (vide planilha de ações para monitoramento). Também se torna importante o monitoramento com armadilhas iscadas de feromônio que são utilizadas na captura dos adultos no momento em que pretendem se reproduzir. Desta forma, inúmeros machos são atraídos e, ao entrarem nas armadilhas, acabam aderidos a uma base com cola. Estas armadilhas devem ser espalhadas ao redor das áreas, conforme indicam os fabricantes, e monitoradas diariamente para verificação dos picos populacionais de adultos.

A tomada de decisão no controle deve levar em conta todas as fases da praga e no caso específico para a cultura da soja pode-se, por enquanto, adotar os seguintes parâmetros: culturas recém-emergidas: 10% de plantas com ovos ou larvas pequenas; culturas em fase vegetativa: no máximo três (ovos ou lagartas pequenas)/m, e em caso de longos veranicos, não ultrapassar o número de um ovo ou uma lagarta pequena/m; culturas em fase reprodutiva: máximo de 0,5 lagarta pequena/m.

Caso o número de adultos e ovos claros encontrados nas amostragens seja maior que o de ovos escuros e lagartas pequenas é recomendável aguardar por alguns dias ou até que o número de adultos nas armadilhas diminua para então decidir pelas pulverizações de agroquímicos, evitando, com isso, aplicações sequenciais que podem inviabilizar economicamente os cultivos de soja.

Ressalta-se que lagartas de primeiro e segundo instares são mais fáceis de controlar, porém, somente o monitoramento pode assegurar a detecção da praga em suas fases iniciais. Assim sendo, o insucesso do controle da H. armigera na safra de 2012, em várias áreas de cultivos, resultou em grandes prejuízos para muitos, e poderá se repetir de forma acentuada neste ano, pois há, ainda, um desconhecimento generalizado sobre a importância da lagarta nos diversos cultivos agrícolas do País e, por consequência, sobre quais inseticidas e quais doses devem ser aplicadas. O produtor está, por conta própria, dobrando doses de produtos, produzindo inseticidas caseiros, fazendo misturas, associando até três inseticidas, normalmente, recomendados para a cultura, porém, ainda não oficialmente estudados para o controle de H. armigera. Logo, se desconhecem a atuação destes produtos sobre a praga, seus inimigos naturais e no meio ambiente.

Assim, vale lembrar que a praga deve ser controlada não nos seus primeiros indícios, mas sim nos seus primeiros estágios. Ao agir dessa forma, os produtores, além de diminuírem seus custos de produção, podem evitar o uso indiscriminado de agroquímicos que elevam os riscos de contaminações ambientais e podem ajudar na preservação dos inimigos naturais presentes nas lavouras.

Propostas de táticas de controle para H. armigera

O manejo integrado de pragas, através do uso de táticas de controle adequadas para cada tipo de cultivo, é imprescindível para a manutenção da H. armigera em condições aceitáveis sem que cause prejuízos à produção agrícola.

Assim, o uso de produtos biológicos, inseticidas seletivos e a adoção do controle químico com base nos diferentes mecanismos de ação de cada produto, são indispensáveis para o sucesso do manejo integrado, bem como do manejo da resistência. Ressaltando-se ainda que as aplicações para controle da H. armigera, independentemente do tipo de produto utilizado, devem ser feitas, preferencialmente, à noite, podendo ser iniciadas no entardecer.

Além disso, deve ser abolida dos sistemas produtivos brasileiros uma prática bastante utilizada pelos produtores, que é a calendarização generalizada das aplicações de inseticidas, pois, na maioria das vezes, é desnecessária, indiscriminada e causadora de desequilíbrios biológicos irreversíveis nas áreas agrícolas do País. Outra questão a ser revista se refere à utilização de misturas de tanque, pois é sempre bom lembrar que os efeitos antagônicos ou sinérgicos desta prática tão comum entre os produtores são desconhecidos pela pesquisa, além de não ser regulamentada pelos órgãos competentes.

Para o controle químico e biológico de H. armigera (vide tabela em anexo) a maioria dos produtos possui registro de caráter emergencial e para a obtenção do registro definitivo no País ainda serão necessários vários estudos, desde a verificação de doses efetivas até o impacto destes produtos no meio ambiente e na saúde humana.

Recomenda-se também o uso de antigas práticas agrícolas que proporcionem condições adequadas para o bom desenvolvimento das culturas e, ao mesmo tempo, interrompam ou alterem o ciclo de vida das pragas, promovendo situações adversas ao seu desenvolvimento ou mesmo impedindo a perpetuação dessas pragas nas áreas com cultivos agrícolas. Como, por exemplo, a destruição imediata de soqueiras e restos de cultura, bem como a eliminação de plantas espontâneas ou tigueras. E apesar de existirem leis que obrigam os produtores a adotar estas práticas acima referidas, muitos ainda teimam em manter as lavouras tomadas por plantas tigueras ou soqueiras e só se dão conta do erro quando percebem os prejuízos.

Outra opção viável seria a utilização de cultura armadilha ou plantio-isca. A ideia é simples, pois consiste em implantar faixas de culturas atrativas ao redor dos cultivos, de preferência que floresçam rapidamente e que sejam semeadas antecipadamente ao plantio definitivo da área, com o objetivo de atrair para matar adultos migrantes, através de aplicações de inseticidas ou misturas atrativas à base de inseticidas. Além disso, deve-se manter a cultura armadilha com aplicações sequenciais de inseticidas para contenção das formas jovens provenientes de possíveis escapes e, sempre que possível, dar preferência aos inseticidas seletivos, preservando assim os inimigos naturais que porventura estejam presentes. Não esquecendo que esta prática só será efetiva se houver um controle rigoroso de pragas e doenças na cultura armadilha, pois sem isso esta cultura seria meramente multiplicadora da praga.

O uso de armadilhas luminosas ou armadilhas iscadas com feromônios para detecção da entrada e dos picos populacionais da praga deve ser adotado de forma contínua e por todos os produtores. Ressalta-se que no caso de uso das armadilhas luminosas, as fêmeas de diferentes espécies de insetos instintivamente ovipositam antes de serem capturadas, acarretando uma maior concentração de ovos nas plantas que estejam nas proximidades das armadilhas, fato este a ser observado para o caso de H. armigera. Assim, caso o produtor tenha que escolher entre os dois métodos, considera-se que o uso de armadilhas iscadas com feromônios seja mais prático, principalmente para a identificação e contagem dos adultos coletados, pois, normalmente, o que se obtém nas armadilhas luminosas é um aglomerado de insetos de diferentes espécies, a maioria tão danificada que tem sua identificação prejudicada. Além do que este volume de insetos pode levar o agricultor a concluir de forma equivocada em um controle efetivo.

Entre as opções de controle biológico para H. armigera através de inimigos naturais, os parasitoides de ovos, pertencentes ao gênero Trichogramma, representam um grupo mundialmente reconhecido, além do que já são criados e comercializados em larga escala por biofábricas brasileiras, sendo, portanto, uma alternativa bastante viável tanto para o pequeno como para o grande produtor, visto que as posturas da H. armigera nos cultivos em geral apresentam-se, na maioria das vezes, no terço superior das plantas favorecendo o parasitismo. Porém, a adoção desta tática torna obrigatório o monitoramento de adultos e ovos da praga em questão para que as liberações sejam eficazes no controle, pois os parasitoides apresentam pequena capacidade de dispersão e precisam encontrar rapidamente os ovos de H. armigera para uma efetiva redução da praga na área. Outro ponto importante é em relação à adoção de produtos seletivos, pois se não houver este cuidado a possibilidade de sobrevivência dos parasitoides ficará comprometida.

Quanto ao controle biológico natural de H. armigera pode-se dizer que seu estabelecimento dependerá da preservação dos inimigos naturais presentes na área e para que isso ocorra é importante evitar o uso de inseticidas extremamente tóxicos ou de pouca seletividade. A eficiência dos inimigos naturais, classificados como predadores, parasitoides e entomopatógenos dependerá também de sua especificidade, potencial reprodutivo, capacidade de busca e dispersão na área. As principais espécies de inimigos naturais observadas em cultivos agrícolas controlando as diferentes fases da H. armigera são os predadores de ovos e/ou lagartas dos gêneros Orius, Nabis, Geocoris, Podisus, Zellus, bem como o bicho lixeiro, as joaninhas, os carabídeos, as tesourinhas, as vespas e as aranhas. Também podem ser incluídos nesta lista os parasitoides do gênero Campoletis, as moscas da família Tachinidae e por fim a doença branca denominada Nomuraea rileyi.

O revolvimento do solo também pode ser uma saída para a eliminação de possíveis pupas remanescentes de cultivos anteriores, tendo em vista a suscetibilidade da fase pupal e a pouca profundidade, no máximo até 10cm, em que a praga se encontra alojada. Além disso, este mecanismo ajuda a inviabilizar o processo de emergência dos adultos, pois destrói os túneis de saída do inseto. Porém, essa prática só é recomendável após a constatação de fato das pupas no solo e se vizinhos ao redor da propriedade também optarem por esta medida.

Enfim, os sistemas produtivos utilizados atualmente pelos produtores podem contribuir de forma incisiva no processo de estabelecimento da H. armigera no Brasil e, portanto, cabe a todos os envolvidos uma mudança nos hábitos, com o pensamento voltado para o bem comum, para que a agricultura brasileira se torne cada vez mais sustentável, competitiva, com menores riscos de intoxicação humana e contaminação ambiental, preservando a flora e a fauna das diferentes regiões do País e com menores riscos de resistência aos inseticidas.

Planilha de ações por talhão de 100ha para uso em programas de monitoramento e manejo em cultivos de soja* – Modelo confeccionado para Goiás pela Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás. 2013

Fase da cultura

Tipo de avaliação

Número de pontos

Número de amostragens/ponto

Metodologia

Vegetativa

Inspeção visual do terço superior da planta com ajuda de uma lente de bolso de 30 aumentos

5

2

Marcar um metro de fileira de soja e inspecionar nos primeiros trifólios abertos e semiabertos de cada planta a presença de ovos (claros e escuros) e lagartas (L1/L2; L3/L4; L5/L6) quantificando-os e anotando-os em uma ficha de monitoramento específica para a praga.

Método do pano²

5

2

Ajusta-se o pano apenas de um lado da linha da cultura e bate-se vigorosamente para se obter a extração de todos os insetos, os quais são identificados, quantificados e registrados em fichas de monitoramento.

Reprodutiva

Inspeção visual do terço superior da planta com ajuda de uma lente de bolso de 30 aumentos

5

2

Marcar um metro de fileira de soja e no terço superior de cada planta, inspecionar trifólios, flores e vagens buscando a presença de ovos (claros e escuros) e lagartas (L1/L2; L3/L4; L5/L6) quantificando-os e anotando-os em uma ficha de monitoramento específica para a praga.

Método do pano²

5

2

Ajusta-se o pano de um lado da linha da cultura e bate-se vigorosamente para se obter a extração de todos os insetos, os quais são identificados, quantificados e registrados em fichas de monitoramento.

Inspeção das vagens

5

10

Quantifica-se na planta o número de vagens atacadas ou não pela praga.

Fase da cultura

Tipo de avaliação

Número de pontos

Número de amostragens/ponto

Metodologia

Vegetativa

Inspeção visual do terço superior da planta com ajuda de uma lente de bolso de 30 aumentos

5

2

Marcar um metro de fileira de soja e inspecionar nos primeiros trifólios abertos e semiabertos de cada planta a presença de ovos (claros e escuros) e lagartas (L1/L2; L3/L4; L5/L6) quantificando-os e anotando-os em uma ficha de monitoramento específica para a praga.

Método do pano²

5

2

Ajusta-se o pano apenas de um lado da linha da cultura e bate-se vigorosamente para se obter a extração de todos os insetos, os quais são identificados, quantificados e registrados em fichas de monitoramento.

Reprodutiva

Inspeção visual do terço superior da planta com ajuda de uma lente de bolso de 30 aumentos

5

2

Marcar um metro de fileira de soja e no terço superior de cada planta, inspecionar trifólios, flores e vagens buscando a presença de ovos (claros e escuros) e lagartas (L1/L2; L3/L4; L5/L6) quantificando-os e anotando-os em uma ficha de monitoramento específica para a praga.

Método do pano²

5

2

Ajusta-se o pano de um lado da linha da cultura e bate-se vigorosamente para se obter a extração de todos os insetos, os quais são identificados, quantificados e registrados em fichas de monitoramento.

Inspeção das vagens

5

10

Quantifica-se na planta o número de vagens atacadas ou não pela praga.

¹O monitor toma a decisão de manejo também com base nas amostragens de adultos obtidas através de armadilhas iscadas com feromônio instaladas no mesmo talhão. ²Método recomendado para quando as plantas estão maiores e não há perigo de danificá-las.

Clique aqui para ler o artigo na Revista Cultivar Grandes Culturas, edição 177.

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