IBR se dissemina

Os herpesvírus bovinos 1 e 5 estão amplamente distribuídos no Brasil e a falta de controle agrava a situação.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O Brasil apresenta o maior efetivo bovino da América e o segundo do mundo. De acordo com o IBGE, o nosso rebanho bovino gira hoje em torno de 180 milhões de cabeças. A bovinocultura brasileira tem apresentado um avanço tecnológico acelerado nas últimas décadas, com crescimento da produtividade e modificações significativas no manejo. Alterações profundas nos sistemas de criação, nutrição e genética, aumentam paralelamente os problemas sanitários. Fatores como criação de animais em alta densidade, renovação rápida dos rebanhos e seleção genética voltada para produtividade dificultam o controle das doenças infecciosas.

Doenças que afetam a reprodução dos bovinos contribuem em grande parte para que os índices produtivos se mantenham baixos, com perdas variando de 0,4 a 10,6% nos rebanhos. A Rinotraqueíte Infecciosa Bovina (IBR) e outras formas clínicas induzidas pelos herpesvírus bovinos estão entre as doenças amplamente disseminadas nos rebanhos bovinos, afetando o trato reprodutivo e respiratório; atingem ainda outras espécies, como os búfalos. Descritas pela primeira vez no país há praticamente 40 anos, vêm se espalhando nos nossos rebanhos causando grandes perdas.

Os vírus

Os herpesvírus bovinos 1 e 5 (BoHV-1 e BoHV-5) pertencem à família Herpesviridae, subfamília Alphaherpesvirinae. Possuem um cerne contendo DNA linear de fita dupla. São sensíveis a solventes lipídicos; hipoclorito de sódio ou hidróxido de sódio 2% são recomendados como bons desinfetantes. Estudos moleculares e anticorpos monoclonais separaram as amostras de campo em BoHV-1.1 (responsável pelas formas respiratórias e reprodutivas) e BoHV-1.2 (isoladas principalmente, mas não exclusivamente, nas formas genitais da doença). Embora as amostras BoHV-1.1 possam também ocasionar quadros neurológicos, as amostras que atingem o sistema nervoso central e causam encefalites com alto grau de letalidade foram agrupadas como BoHV-1.3 até 1992, quando foram compreendidas como um tipo viral diferente e então renomeadas como Herpesvírus Bovino 5 (BoHV-5).

Rinotraqueíte infecciosa

O Herpesvírus Bovino 1 (BoHV-1), agente etiológico da IBR, foi isolado e identificado pela primeira vez em 1956, após a IBR ter emergido como o principal problema econômico em rebanhos da Califórnia e Colorado, EUA. Mas já em 1933 na Europa, relatou-se o isolamento do agente em vacas com infecção genital. A soropositividade varia entre os países e dentro de cada rebanho, com o tipo de manejo da propriedade.

Rebanhos positivos apresentam mortalidade de bezerros, nascimento de crias fracas, infertilidade, queda na produção de leite, repetição de cio com aumento do intervalo entre partos e abortamento. O BoHV-1 é também o agente etiológico de uma série de outras doenças como a vulvovaginite pustular infecciosa (IPV) e balanopostite infecciosa (IPB) (lesões pustulares nos órgãos genitais de fêmeas e machos, respectivamente), conjuntivite, encefalomielite, mamite, aborto, enterire e lesões no espaço interdigital, favorecendo a contaminação do animal por agentes bacterianos.

Encefalite por HV-5

O BoHV-5 é o agente etiológico da meningoencefalite, enfermidade de curso geralmente fatal nos bovinos, que tem sido observada em vários países. No Brasil, sua importância vem crescendo, e surtos já foram descritos nos Estados do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e São Paulo. Nos Estados do Paraná e Rio de Janeiro já foram realizados isolamentos de BoHV-5 e em Minas Gerais e Espírito Santo, o BoHV-5 foi detectado por PCR em amostras de sistema nervoso central (SNC) de bovinos.

Os sinais clínicos desta meningoencefalite incluem depressão profunda, discreta a moderada descarga nasal e/ou ocular e inabilidade na apreensão de alimentos ou ingestão de água, andar em círculos, sialorréia, bruxismo, paralisia da língua, nistagmo, deficiência proprioceptiva acentuada, movimentos de propulsão, cegueira, convulsões, decúbito lateral permanente e morte. O diagnóstico diferencial entre as enfermidades que afetam o sistema nervoso central dos bovinos e que são bastante relevantes no país, como a raiva, poliencefalomalácia, listeriose e a intoxicação por chumbo, deve ser realizado. Estas enfermidades são comumente diagnosticadas somente por avaliação clínica, mas a semelhança na sintomatologia neurológica dificulta a interpretação clínica e induz a diagnósticos equivocados.

Distribuição no Brasil

Levantamentos sorológicos regionais têm demonstrado alta freqüência de animais e rebanhos soropositivos para o BoHV-1, com índices variando de 27% a 87%. Apesar de utilizarem diferentes técnicas, número e estratificação de amostras, estes resultados mostram que o vírus está amplamente distribuído no país, variando com as técnicas de manejo adotadas.

A importância da doença em nosso meio é mostrada no mapa da página seguinte, onde são apontados os focos ocorridos no ano de 2002 nos diferentes Estados brasileiros. O BoHV-5 é estreitamente relacionado ao BoHV-1. A diferenciação entre esses vírus por técnicas convencionais de diagnóstico como isolamento viral, imunofluorescência e neutralização viral, é muito difícil devido à grande similaridade antigênica existente entre ambos. Esta semelhança impossibilita diferenciar a resposta sorológica induzida pelos dois vírus sem o uso de monoclonais, o que não é feito na rotina.

No Brasil, a descrição de meningoencefalite não supurativa associada a herpesvírus foi inicialmente realizada em 1989, no Rio Grande do Sul, com posterior isolamento viral. Subseqüentemente, muitos estudos foram realizados baseados em isolamento e uso de anticorpos monoclonais, bem como técnicas moleculares utilizando ensaios de PCR e restrição enzimática, confirmando a ampla distribuição do Herpesvírus Bovino 5 em nosso país.

Transmissão

A transmissão é descrita basicamente para o BoHV-1, já se tornando claras as evidências científicas de que modelo semelhante pode ocorrer com o BoHV-5. A infecção é facilmente transmitida porque grandes quantidades de vírus são eliminadas em secreções respiratórias, oculares e do trato reprodutivo. A velocidade de disseminação do vírus dentro do plantel varia com o tipo de rebanho. Confinamentos propiciam condições favoráveis para rápida expansão da doença.

A doença respiratória é transmitida de forma horizontal por contato direto ou indireto, sendo a transmissão por aerossol muito importante. Na forma genital a transmissão se dá principalmente através do coito, sendo o vírus excretado e encontrado em secreções da genitália externa até quatro a cinco dias após o aparecimento dos sinais clínicos. O BoHV-1 está também presente no sêmen, com alto risco de transmissão através da inseminação artificial; na transferência de embriões o risco é baixo. No ano de 2002 relatou-se a detecção do BoHV-5 em amostras de sêmen testadas provenientes de touros de centrais de inseminação, os quais não apresentavam sintomatologia clínica, não havendo correlação de sorologia com detecção viral.

A transmissão vertical ocorre. No feto abortado a quantidade do vírus presente depende da conservação do mesmo. Os cotilédones possuem grandes quantidades de vírus. Placenta também pode ser fonte de infecção.

Patogênese

Os mecanismos envolvidos na viremia dos BoHV-1 e 5 ainda não estão claros. Apesar de a maioria das infecções se apresentarem de forma subclínica, os herpesvírus possuem um estado de latência caracterizado pela persistência do DNA viral nos gânglios dos nervos sensoriais e provavelmente no tecido linfóide. Importante relatar que os portadores sadios poderão apresentar reativação e reexcreção do vírus por vários estímulos, incluindo estresse, parto, transporte etc., sendo estes responsáveis pela manutenção do vírus circulando na propriedade.

Os vírus replicam-se em altos títulos nas mucosas do trato respiratório superior e nas tonsilas, causando rinite, traqueíte, laringite e conjuntivite. Após, se dirige ao gânglio trigeminal, principal sítio de latência. Periodicamente poderá ser reativado e replicará no sítio original de infecção. Após a infecção genital, o BoHV-1 se replica na mucosa da vagina e prepúcio e se torna latente no gânglio do nervo sacral, persistindo neste sítio provavelmente por toda a vida.

A lesão primária causada pelo vírus é uma necrose focal na mucosa nasal, laringe, traquéia ou trato genital. O animal reage com uma forte resposta inflamatória, iniciando febre, redução do apetite, tonsilas dilatadas, dispnéia associada com presença de material mucopurulento na cavidade nasal e traquéia. Vacas em lactação reduzem a produção de leite. Descarga nasal profusa, inicialmente clara, evoluindo para mucupurulenta, hiperemia e vermelhidão e presença de pontos necróticos e pústulas nas fossas nasais e focinho podem ser observados. Geralmente a forma respiratória é acompanhada de conjuntivite. Descargas oculares são observadas.

Na vulva e vagina observa-se pústulas e descarga mucopurulenta, as quais se espalham por todo epitélio causando edema e hiperemia. As formas respiratórias e de VPI raramente aparecem simultaneamente no mesmo rebanho. Machos que cobrem fêmeas com VPI podem adquirir a doença e desenvolver balanopostite. Lesões são encontradas no prepúcio, pênis e algumas vezes na parte distal da mucosa uretral.

O vírus pode atingir o feto, útero e ovário a partir da viremia ou de sêmen contaminado diretamente na monta natural ou inseminação artificial. O aborto pode se manifestar em qualquer fase da gestação, apesar de ser mais comuns no seu terço final. Casos de aborto podem aparecer após surtos de doenças respiratórias. Em bezerros com menos de três meses de idade pode ocorrer uma forma entérica da doença com alta mortalidade, gastroenterite e ulceração na mucosa do trato digestivo.

Necrópsia

Os principais achados histopatológicos são caracterizados por infiltração de linfócitos, presença de corpúsculos de inclusão, vasos sanguíneos proeminentes, aumento de volume e degeneração das células epiteliais nos tecidos afetados. Nos fetos abortados pode-se observar necrose focal do fígado, rim e glândulas adrenais.

Alterações macroscópicas como o achatamento das circunvoluções cerebrais, protrusão do cerebelo através do forame magno, congestão dos vasos meningeanos e aumento do líquido céfalo-raquidiano são vistas nas infecções por BoHV-5. Áreas de depressão no córtex cerebral com coloração amarelada ou acinzentada caracterizando malácia também foram observadas. As principais alterações histológicas são encontradas no SNC. São descritas meningite e encefalite difusas, não purulentas, associadas à presença de corpúsculos de inclusão intranucleares e eosinofílicos em astrócitos e neurônios. Áreas focais de necrose de rarefação, bem como gliose moderada a intensa são também observadas.

Diagnóstico

O diagnóstico deve ser realizado com base nos achados clínicos, patológicos e epidemiológicos. Para o diagnóstico conclusivo é necessário o isolamento, testes sorológicos e moleculares. As amostras devem ser acondicionadas em meio de transporte contendo antibiótico e 2-10% de soro fetal bovino e resfriadas a 4oC e enviadas o mais rápido possível ao laboratório. A soroneutralização viral e o ELISA indireto são os métodos mais utilizados para detecção de anticorpos anti-BoHV-1. Uma vez mais deve ser lembrado que testes sorológicos não diferenciam infecção pelos BoHV-1 e BoHV-5, somente métodos moleculares ou utilizando anticorpos monoclonais.

Controle

Não existe um método eficaz para prevenir a meningoencefalite causada por BoHV-5. Entretanto, a estreita relação sorológica entre BoHV-5 e BoHV-1 constitui um forte indício de que as vacinas para o BoHV-1, aplicadas antes do desmame sejam capazes de prevenir a doença. Uma redução da densidade populacional nesses rebanhos pode prevenir a transmissão da doença entre os animais.

O controle das doenças causadas pelos herpesvírus bovinos deve combinar boas técnicas de manejo, vacinação e prevenção da introdução de animais positivos, no caso de rebanhos negativos. Deve-se evitar condições de estresse já que o vírus em latência pode ser reexcretado e provocar novos episódios clínicos da doença. As vacinas têm grande importância na diminuição da sintomatologia clínica e conseqüentemente na redução dos prejuízos causados pela doença, porém, não são capazes de impedir a infecção por amostras de campo.

No Brasil, apenas as vacinas inativadas e vivas modificadas - termosensíveis são autorizadas. A maioria delas são combinadas com outros patógenos como o vírus da diarréia bovina a vírus, parainfluenza-3, vírus sincicial bovino, rotavírus, além de agentes bacterianos como as leptospiras, pasteurelas, dentre outros. As vacinas atenuadas clássicas podem causar problemas reprodutivos em vacas prenhas e as deletadas foram recentemente desenvolvidas e não são ainda licenciadas no Brasil. As vacinas de subunidades, com marcadores ou deletadas, vêm sendo desenvolvidas e utilizadas em outros países, possibilitando a diferenciação de animais infectados dos animais vacinados. Essa estratégia em conjunto com testes de diagnósticos específicos facilita o controle dessas doenças.

Edel Figueiredo Barbosa Stancioli

UFMG

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