Infecção mortal

De difícil tratamento, o carbúnculo sintomático tem a capacidade de levar o animal à morte rapidamente. A imunização ainda é a melhor arma para prevenir a doença, apesar de testes demonstrarem que a

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Ocarbúnculo sintomático (CS) é também conhecido como Mancha, Manqueira, Mal do ano e, no exterior Blackleg. É uma doença infecciosa aguda, causada pelo

, e caracterizada por mionecrose (necrose muscular), toxemia grave e alta mortalidade. O carbúnculo sintomático verdadeiro (endógeno) só é comum em bovinos, podendo ocorrer em ovinos, mas a infecção que se inicia por traumatismo (edema maligno) ocorre em outros animais. É uma enfermidade economicamente importante e de difícil tratamento.

Epidemiologia

O carbúnculo sintomático ocorre mundialmente com índices que diferem dentro e entre áreas geográficas, sugerindo reservatório no solo ou fatores climáticos ou sazonais ainda não bem definidos. Uma vez que uma área geográfica tenha sido contaminada, os esporos persistem por anos. A transmissão direta de animal para animal não ocorre. Os surtos em bovinos tendem a ser sazonais, ocorrem mais comumente durante o verão e outono, especialmente após pesadas chuvas. Aparentemente há uma relação entre a prevalência de carbúnculo sintomático e a ocorrência de chuvas.

Os bovinos são susceptíveis na idade de seis meses a dois anos. Animais em boa condição corporal e em rápido crescimento são mais prováveis de desenvolver a doença do que animais não viçosos, o que parece ser devido à maior concentração de glicogênio muscular, que serviria de substrato para o clostrídeo e/ou a alterações musculares, provocadas pelo alto grau de síntese muscular. O

é originário do solo, mas a porta de entrada do microrganismo no animal ainda permanece sob discussão. Entretanto, acredita– se que seja pela mucosa intestinal, passando então para os vasos linfáticos e a circulação sanguínea. O bacilo atinge o músculo e o fígado, permanecendo adormecido (esporo), latente, até que a massa muscular seja lesada de modo a fornecer um rico meio para seu crescimento. Foi demonstrado que o organismo pode ser encontrado no fígado e baço de 20 % de bovinos normais, sugerindo que o fígado poderia ser uma fonte de C. chauvoei para o músculo. A troca de dentes poderia fornecer uma porta de entrada para o agente, o que explicaria a maior ocorrência em animais de seis meses a dois anos. Sítios de vacinação, particularmente aqueles induzidos por vacinas que contém substâncias irritantes (saponina), podem precipitar o carbúnculo sintomático em questão de duas horas após a aplicação.

Patogenia

A patogenia do CS não é bem esclarecida. Aparentemente a doença se desenvolve quando esporos latentes, presentes nas grandes massas musculares, germinam e se multiplicam, quando estes músculos são traumatizados (contusões de manejos- transportes, troncos de contenção etc.), resultando em áreas de baixo potencial redox. As células bacilares (vegetativas) crescem, fermentam o glicogênio muscular, digerem a proteína e produzem gás e exotoxinas. Ocasionalmente, esporos latentes no miocárdio são estimulados a germinar e multiplicar, produzindo lesões típicas no miocárdio. O estímulo para germinar é possivelmente conseqüência de alterações produzidas por elevação dos níveis de cortisol e catecolaminas em resposta ao estresse.

Os efeitos necrosantes, leucocidas, da toxina alfa e hialuronidase promovem a mionecrose típica. A área afetada é de cor marrom-avermelhado à preta. Tem uma consistência crepitante e esponjosa, devido ao gás preso, e é seca na superfície de corte. Há uma diminuição nas contagens de leucócitos e plaquetas e um rápido aumento no nível de transaminase glutâmica oxaloacética. A toxina circulante e os produtos de degradação tecidual levam a uma toxemia fatal com alterações degenerativas no músculo cardíaco e órgãos parenquimatosos.

Sinais Clínicos

Os animais afetados normalmente apresentam temperatura elevada, depressão, anorexia e estase ruminal completa, febre, taquicardia e taquipnéia. Nos últimos estágios da doença, há também bacteremia. A área afetada é inicialmente inchada, dolorida e crepitante, devido ao enfizema. Mais tarde, a sensibilidade é perdida, e a pele fica firme. A manqueira é uma manifestação comum. O animal morre em um a dois dias após as primeiras manifestações clínicas no entanto, pode haver mortes súbitas.

Lesões

As lesões encontradas na necropsia presença de um tecido tumefato, descorado, enegrecido, com odor rançoso e excesso de líquido sanguinolento fino, contendo bolhas de gás, na massa muscular acometida. Em alguns casos, o miocárdio e o diafragma podem ser os únicos tecidos acometidos. A lesão muscular é uma miosite necrosante característica. Freqüentemente as lesões são unicamente internas (diafragma, miocárdio e língua).

Diagnóstico

Nos casos típicos de carbúnculo sintomático, um diagnóstico definitivo pode ser feito com base nos sinais clínicos e nos achados de necropsia. Entretanto, o isolamento e identificação dos agentes podem ser controvertidos, pois muitas vezes encontram–se outros clostrídeos como o

e

, que muitas vezes são invasores post–mortem. É necessário identificar o agente, o

, e diferenciá–lo principalmente do

Para tal, é utilizada a técnica de imunofluorescência direta. A inoculação em animais de laboratório e sua posterior identificação pela microscopia, a partir de exsudato peritoneal, também é utilizada.

Atualmente, buscando o aprimoramento dos métodos diagnósticos, e devido às peculiaridades culturais deste agente, métodos moleculares (Reação da Polimerase em Cadeia- PCR) constituem importante ferramenta com rapidez e confiabilidade de resultados.

Prevenção e controle

Anticorpos circulantes para toxinas e componentes celulares, aparentemente, determinam resistência ao

. As vacinas são produzidas com culturas íntegras do clostrídeo e seus antígenos solúveis (relacionados à toxina alfa) e apresentam boa proteção.

A imunização dos animais jovens, seguida de reforço anual para protegê-los até os dois ou três anos de idade, é a medida profilática mais indicada. São comercializadas vacinas formalizadas com adjuvante, incluindo outros seis clostrídeos.

A falha de proteção de bovinos por algumas vacinas comerciais contra o Carbúnculo Sintomático, durante surtos da enfermidade, tem levado a acreditar que a proteção cruzada entre diferentes amostras pode não ser absoluta. Falhas vacinais são descritas na Austrália, no México e em diversos países africanos, uma vez que as vacinas podem não conter cepas autóctones representativas. Santos (2003), em trabalho de Mestrado na Unesp, campus de Jaboticabal (SP), realizou testes com vacinas contra o Carbúnculo Sintomático comercializadas no Brasil, para verificar sua eficácia frente a desafios com duas cepas de Clostridium chauvoei, sendo uma cepa de campo, isolada de um surto natural da enfermidade, no qual morreram animais corretamente vacinados, e a outra, denominada MT, é a cepa de referência utilizada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para testar vacinas comerciais. Os resultados da pesquisa com 22 partidas de imunógenos demonstraram que a maioria das vacinas comercializadas (63,6%) não protegeu os cobaias, quando desafiadas com a cepa de campo.

Segundo o pesquisador Iveraldo Dutra (Unesp, Câmpus de Jaboticabal, SP), o trabalho demonstra a existência de diferença antigênica entre a cepa oficial, utilizada pelo Mapa para a fiscalização de vacinas contra o Carbúnculo Sintomático, e uma cepa de campo, isolada em surto natural da doença, provocado por cepa que superou a imunidade de vacina comercial. Como este tipo de evento já foi descrito em outros países, estando bem caracterizado na literatura, há necessidade de se incluir em cepas de campo representativas de cada região nas vacinas comerciais. Esse dado ressalta a necessidade de levantamento para caracterização de isolados bacterianos de diferentes origens, buscando um conhecimento da diversidade antigênica das amostras de

existentes no Brasil.

Durante surtos, todos os animais susceptíveis devem ser vacinados, podendo receber penicilina de longa duração. Também se recomenda a troca de pastagem, quando forem registrados os primeiros casos, e incineramento de carcaças, para prevenir a disseminação da bactéria.

O tratamento normalmente é desapontador, embora o

seja sensível à penicilina G, ampicilina, tetraciclina. A penicilina deve ser administrada inicialmente pela via endovenosa, seguida de reposição intramuscular, se possível no local afetado. O tratamento é prolongado, bem como a recuperação do animal, cujos ferimentos deteriorados demoram para cicatrizar. A decisão de tratar deve ser avaliada com reserva.

Agueda Castagna de Vargas

UFSM

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