Invasoras na cana

Roberto Arevalo defende que é preciso haver uma visão holística do manejo, sustentável de matospécies em cana.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

No mundo, a cana-de-açúcar é cultivada em 19.904.000 ha (FAO, 1998). Isto representa uma enorme monocultura, onde não existe biodiversidade, por isso ocorre uma grande instabilidade ambiental, que exige constante intervenção humana com mecanização, fertilizantes defensivos e fogo, para manter a produtividade (AREVALO & BERTONCINI, 1999). A monocultura extingue a biodiversidade, desertizando a vida e concretizando o silêncio da alvorada da primavera de CARSON (1962). Como conseqüência, aumentam os rendimentos, embora se contamine o ambiente com resíduos de defensivos, fertilizantes, resíduos industriais e com gases, que contribuem para o E.E.- Efeito Estufa, e destruição da Camada de Ozônio, com alteração do clima da Terra.

Por outra parte, se soma a poluição ambiental gerada pelas emissões de gases para a atmosfera, resultantes das queimadas de flora, material vegetativo de plantas cultivadas e outro organismos associados.

A agricultura mundial é uma imensa área de mais de 1.500 milhões de ha, onde se cultivam apenas umas 70 espécies de plantas. Isto representa um verdadeiro desastre ecológico.

Ao redor de 65% da área cultivada com cana-de-açúcar é mundialmente queimada. A queima de material orgânico, praticamente contribui com todos os gases que provocam E.E., com aquecimento global da atmosfera da Terra. Isto derruba o argumento de que o CO2 emitido nas queimadas da cana é imediatamente absorvido pela cultura e, pelo tanto, não prejudica a atmosfera. E os outros gases emitidos nas queimadas, para onde vão?

É importante mencionar aqui, que o CO2 é responsável por 50% dos gases que provocam E.E. As queimadas da cana, suma-se as queimadas de combustíveis fósseis pelos motores de explosão dos veículos, maquinarias e industrias, que contribuem com 5 dos 6 gases que causam E.E. Também a combustão do álcool contribui com CO2 atmosférico. Embora, o álcool é 5 vezes menos poluente que os combustíveis fósseis. Além de ser energia solar acumulada e renovável na fotossíntese.

As matospecies são as únicas pragas constantes da agricultura. Na América Latina costumam erradamente denominar pragas somente quando se trata de insetos, que atacam as culturas. Quando o termo praga, é clássico puro, do Latim, “plaga”. Praga é tudo o que prejudica os interesses do homem. Isto criou nas universidades e institutos de pesquisas a disciplina de departamento de doenças e pragas, como se fossem coisas diferentes. É um erro intolerável, especialmente quando se trata da elite do conhecimento.

A matoconvivência com a lavoura ocasiona perdas no rendimento potencial da cultura da cana superior às outras pragas juntas (insetos, nematoides, organismos fitopagênicos, roedores, etc). As perdas no rendimento potencial da cultura são de aproximadamente 10% nos países desenvolvidos e mais de 30% em países de economia emergente.

Assim, para solucionar o problema da matoinfestação, tem sido recomendado o uso de herbicidas, que foram intensificados de sobre maneiras, durante a chamada Revolução Verde dos anos 70 e 80. Quando houve aumento exagerado no uso do matocontrole químico, em detrimento dos outros métodos de manejo de matospecies, como é ecologicamente desejável. O solo totalmente livre de matoinfestação era um orgulho para o agricultor canavieiro (AREVALO & BERTONCINI, 1998, p. 23). Embora a remoção total de matospecies infestantes do campo não trás resultados econômicos no rendimento da cultura (VEGA, 1982).

Os ilústres Mestres ROBBINS et al.,(1969) recomendavam deixar no campo entre 10 e 20% da matoinfestação para manter os hospedeiros de outras pragas, evitar que ataquem a cultura e permitir manter de alguma maneira a biodiversidade.

Não obstante da ganância do rendimento alcançado, um novo paradigma global está surgindo no mundo, frente aos sérios problemas ambientais que estão ocorrendo. Uma vez que este não pode garantir a sustetabilidade da própria atividade (AMARAL & AREVALO, 1999).

Os resíduos de defensivos encontrados em alimentos agrícolas e pecuários, águas subterrâneas, onde os riscos superam os benefícios (ZIMDAHL, 1995), estão preocupando seriamente os ecologistas (ODUM, 1988). PIÑEIRO (1992) diz “ ...la tecnologia y el crecimiento habían ofrecido al hombre posibilidades tan inmensas de desarrollo y progreso. Nunca antes esa misma tecnología y dinámica de crecimiento habían llevado a la humanidad tan al borde de la destrucción de su ambiente natural”.

Atualmente vem sendo recomendada a utilização do manejo sustentável, para a manutenção de um ambiente ecologicamente limpo, preservado e produtivo para as presentes e futuras gerações. O presente trabalho é uma visão holística do manejo sustentável de matospecies, que infestam a cultura da cana-de-açúcar.

O conceito de manejo envolve uma série de técnicas e atividades coordenadas que, em conjunto, têm maior efetividade que qualquer dos componentes utilizados isoladamente (UNITED STATES, NATIONAL ACADEMY OF SCIENCE, 1980).

O Manejo Sustentável pode ser definido como: a integração de tecnologias que atenuam o impacto ambiental e permitem um ambiente limpo, produtivo , economicamente viável para solucionar os problemas sociais, para as presentes e futuras gerações (AREVALO, 2000, inédito).

O conceito de Manejo Sustentável de matospecies da cana-de-açúcar envolve conhecimentos básicos de Matobiologia (Dinâmicas de matopopulações; limiar econômico de danos, etc.) e dos cultivares de cana relacionados com o manejo (brotação e crescimento rápido; fechamento rápido; denso sombreamento; alta produção de resíduos de colheita; colheita mecanizada de cana crua e aplicação de herbicidas de precisão, etc.(AREVALO, 1992; AREVALO, 1999a; AMARAL & AREVALO, 1999).

Na maioria dos países de economia emergente, se conhecem parcialmente, ou se desconhecem totalmente, os temas básicos necessários para o Manejo Sustentável de matopecies da cana-de-açúcar (AREVALO, 1999 a ; 1999b). Durante os 10.000 anos de história da agricultura da cana-de-açúcar, tem-se utilizado combinações de métodos de matocontrole, sendo muitas vezes até empíricos, para salvar o rendimento potencial da cultura dos efeitos deletérios desta praga constante que infesta esta cultura no mundo (AREVALO, 1992; 1999a). O Manejo sustentável de Matospecies é dinâmico e deve estar sujeito a reavaliações periódicas para aplicar novas tecnologias cada vez mais econômicas, mais eficientes e de menor impacto ambiental.

O Manejo Sustentável de matospecies da cana-de-açúcar deve também estar regulamentado pela lei de plantas daninhas e leis que tratem de tecnologia de aplicação de herbicidas de precisão. É importante destacar que no Brasil ainda não existe lei de Plantas Daninhas.

Em termos gerais, a sustentabilidade deve envolver: 1) Ambiente higiênico; 2) Produção econômica e 3) Solução dos problemas sociais. Ambiente, economia e sociedade são a base fundamental da sustentabilidade, porque a pobreza degrada o ambiente.

Atualmente são raros os trabalhos científicos que tenham tratado adequadamente o manejo de matospecies que não seja por meio de herbicidas (AMARAL & AREVALO, 1999; DE LA CRUZ, 1992). Existem aspectos ecológicos, econômicos e sociais, que exigem o conhecimento de outra alternativas do manejo de plantas daninhas.

Os objetivos do Manejo Sustentável de matospecies em cana-de-açúcar poderá englobar as seguintes práticas:

Aspectos culturais da cana: Adequado equilíbrio ecológico (adaptados ao ambiente e livres de pragas); Nutrição apropriada da cultura; Preferência de plantio de verão ou outono; Cultivares de brotação rápida (-10 dias), crescimento e fechamento rápido (-40 dias), com perfilhamento rápido (-40 dias) Denso e rápido sombreamento (-30% de transmisividade de luz e –40 dias); Colheita mecanizada de cana crua, com 15-20 t.ha de fitomassa seca de resíduos; Tolerantes aos resíduos de colheita (brotação e crescimento), com + 13 colmos colheitáveis por m. linear; Cultivares matoalelopáticos; Tolerância de cultivares à matoinfestação; Tolerância ou resistência de cvs de cana a herbicidas;

Aspectos de matospecies infestantes: Periodicidade de germinação e emergência de plântulas; Dinâmica de matopopulações; Determinação de dinâmica de matopopulações; Determinações de limiares de danos; Suscetibilidade ao sombreamento; Suscetibilidade à cobertura com resíduos de colheita; Conhecimentos de limiares de danos e Período crítico de matocompetição; Suscetibilidade a herbicidas; Rotação de herbicidas com diferentes mecanismos de ação.

Suscetibilidade ao sombreamento: As matospecies podem ser suscetíveis, tolerantes e resistentes ao sobreamento das plantas de cana-de-açúcar. São sucetíveis, quando morrem.

Suscetibilidade aos resíduos de colheita: A seletividade de matospecies aos resíduos de colheita podem também classificar-se em suscetíveis, tolerantes e resistentes. São suscetíveis, quando morrem.

A cobertura dos resíduos de colheita também inibe a germinação dos disseminulos porque reduz a amplitude térmica. Pois as variações bruscas de temperatura quebram a dormência e estimulam a germinação dos disseminulos.

Os resultados mostram que mais de 50% das matospecies que infestam a cultura são controladas com resíduos de colheita entre 10 e 20 t.ha de fitomassa seca (AREVALO & BERTONCINI, 1999). Já, REYNOSO (1862, p. 333) tem observado em Cuba este fato. Textualmente diz “ Los resíduos impiden, hasta cierto punto, que se desarrollen entre las cañas, plantas extrañas capaces de absorber las materias que aquellas pueden y necesitan extraer de la tierra.”

Suscetibidade a herbicidas: As matospecies são suscetíveis a herbicidas, quando morrem pelos tratamentos. São tolerantes, quando sofrem injúrias e se recuperam e são resistentes, quando não são afetadas pelos herbicidas.

Dinâmicas de emergência de plântulas: Os conhecimentos de dinâmica de emergência de matopopulações permitem escapar delas, realizando o plantio quando estas se encontram no mínimo.

A máxima produção de população de ROOEX aconteceu no período de setembro-outubro e logo declinou a partir de novembro, atingindo o mínimo em julho.

Deste estudo se infere que o plantio de cana -de-açúcar para facilitar o manejo de ROOEX deverá ser realizado quando as populações estão em declínio. Se as condiões ambientais permitem, o ideal seria plantar cana quando existe mínima matopopulação.

Limiar de danos: O Limiar de danos define a densidade que prejudica a cultura. Acima da qual o rendimento da cultura é prejudicado se não se tomam medidas urgentes de manejo. É muito importante estudar este aspecto para as 10 piores matospecies que infestam a cultura.

Os problemas ambientais criados pela agricultura convencional estão preocupando cientistas, políticos, organizações não-governamentais e a sociedade em geral; 2) Existe a necessidade sentida de criar novos paradigmas para a agricultura; 3) Existe a necessidade de repensar o manejo de agroecossistemas, com enfoque multidisciplinar; 4) Existe a necessidade de criar agroecossitemas ecologicamente mais estáveis, mais limpos, e garantir uma produtividade apropriada para alimentar uma população que cresce constantemente; 5) Existem deficiências de conhecimentos de Matobiologia para determinar modelos de manejo sustentável de matospecies; 6) O manejo sustentável de matospecies deverá integrar: a) utilização de cultivares de cana de brotação e fechamento rápido, b) alta produção de colmos colheitáveis, c) colheita mecanizada de cana crua, d) manutenção dos resíduos de colheita na superfíciedo solo, e) plantação de cultivares tolerantes a resíduos de colheita e f) aplicação de herbicidas de precisão.

Centro de Cana-IAC

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