Maior incidência de percevejos fitófagos na cultura do algodão

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Percevejos fitófagos, da família Pentatomidae, que até então ocorriam de forma ocasional e com importância secundária para o algodoeiro, passam a incidir com maior freqüência nas lavouras de algodão brasileiras, principalmente onde se cultivam variedades de ciclo mais tardio, em sistemas de cultivo adensado/safrinha e/ou que recebem menos aplicações de inseticidas

Nos sistemas de produção de algodão com cultivares convencionais (não-Bt), os percevejos pentatomídeos fitófagos, especialmente os dispersantes de culturas como a soja, são controlados indiretamente pelas aplicações de inseticidas de amplo espectro direcionadas para o controle de Anthonomus grandis Boh. 1843 (bicudo-do-algodoeiro) e Heliothis virescens (Fabr., 1781) (lagarta-da-maçã) (TORRES & RUBERSON, 2005).

Em países como os Estados Unidos, Austrália e China, onde a tecnologia Bt é utilizada a mais de onze anos, as populações dos percevejos da família Pentatomidae e Miridae aumentaram significativamente nas lavouras de algodoeiro Bt, devido à redução das aplicações de inseticidas para as pragas-alvo dessa tecnologia (GREENE et al., 2001; ICAC, 2007).

Nas últimas safras, percevejos fitófagos da família Pentatomidae [Euschistus heros (Fabr., 1798) (percevejo-marrom), Edessa meditabunda (Fabr., 1794) (percevejo-asa-preta-da-soja) e Nezara viridula (L., 1758) (percevejo-verde)] (Figura 1), insetos-praga de ocorrência ocasional e de importância secundária para o algodoeiro, tem incidido com maior freqüência e intensidade nos algodoais brasileiros, principalmente onde se cultivam variedades de ciclo mais tardio, em sistemas de cultivo adensado/safrinha e/ou que recebem menos aplicações de inseticidas, especialmente daqueles de amplo espectro direcionados para o controle de H. virescens e A. grandis (PAPA, 2006).

Esse fato pode estar relacionado com o aumento do cultivo de variedades Bt, pela redução das aplicações de inseticidas para as pragas-alvo dessa tecnologia, e a dispersão dessas espécies de percevejos da soja para o algodoeiro, visto que essa leguminosa ocupa grande extensão de área cultivada nas principais regiões produtoras de algodão do país.

Estima-se que o complexo de percevejos fitófagos da família Pentatomidae infestou mais de 1,4 milhões de hectares de lavouras cultivadas com algodoeiro no ano de 2009 nos Estados Unidos e foi responsável pela perda de mais de 24 mil toneladas de algodão, sendo considerado nesse mesmo ano, o terceiro grupo de pragas que causou mais danos à cotonicultura norte-americana (WILLIAMS, 2009).

Infestações de adultos de N. viridula e Euschistus servus (Say, 1832) (percevejo-marrom-norte-americano) em plantas de algodoeiro, antes da emissão dos botões florais (fase vegetativa), com botões florais recém emitidos (início da fase reprodutiva) e com botões florais desenvolvidos (pré-florescimento), não afetaram o crescimento e desenvolvimento das plantas, assim como a formação de maçãs. No entanto, infestações persistentes de ninfas de terceiro e quarto ínstares de N. viridula ocasionaram a abscisão de botões florais, afetando diretamente a produção (WILLRICH et al., 2004b).

Danos ocasionados por adultos e ninfas dessa mesma espécie em maçãs consideradas pequenas (com acúmulo de 0 a 280 unidades de calor após a antese) podem induzir a abscisão dessas estruturas (BOMMIREDDY et al., 2007). Quando o ataque ocorre em maçãs médias e/ou grandes (com acumulo de aproximadamente 500 unidades de calor após a antese), permanecem nas plantas, porém têm o rendimento e a qualidade de fibra reduzidos (WILLRICH et al., 2004a; BOMMIREDDY et al., 2007; BACHELER et al., 2006). Em maçãs que acumularam entre 165,2 e 672 unidades de calor após a antese (período equivalente a maçãs com idade entre 7 dias e 21 dias) foi evidenciado que a freqüência de danos ocasionados por adultos de E. servus foi maior.

A exposição de maçãs com 13 dias de idade a uma ninfa de quinto ínstar de N. viridula reduziu a produção de algodão em caroço em 59%, quando comparada à produção de maçãs não infestadas (GREENE et al., 1999). O dano de N. viridula pode afetar negativamente os valores de finura, força, uniformidade e comprimento da fibra, assim como aumentar a quantidade de fibras descoloridas (manchadas) (BOMMIREDDY et al., 2007). A porcentagem de maçãs podres por ocasião da infecção dos fitopatógenos Diplodia spp. e Fusarium spp., e de “carimãs” (capulhos com alguns ou todos os lóculos parcialmente abertos) foram significativamente maiores na presenças de adultos de N. viridula (WILLRICH et al., 2004c). Todavia, a germinação de sementes provenientes de maçãs infestadas por essa espécie pode ser reduzida (BOMMIREDDY et al., 2007).

A dispersão do complexo de percevejos pentatomídeos fitófagos constituídos principalmente pelas espécies N. viridula, Chinavia (Acrosternum) hilare (Say, 1832) (percevejo-acrosterno ou percevejo-chinavia) e E. servus foi constatada de uma variedade de soja de ciclo de maturação tardio para variedades de algodoeiro Bt e não-Bt, sem que houvesse diferenças significativas entre as duas variedades de algodoeiro para o número de percevejos amostrados ao longo do tempo. Essa migração se estendeu do período de emissão das primeiras flores até o período de formação das primeiras maçãs (BUNDY & McPHERSON, 2000).

O monitoramento dos percevejos fitófagos da família Pentatomidae nas lavouras de algodão norte-americanas, para determinação do nível de controle, é realizado com o emprego de diferentes métodos de amostragem, sendo os métodos diretos da procura visual dos insetos na planta inteira ou em estruturas vegetativas e/ou reprodutivas da planta, da captura dos insetos com rede-de-varredura e da extração dos insetos do dossel das plantas com pano-de-batida (técnica denominada de “batida-de-pano”, amplamente recomendada para o monitoramento de percevejos-praga na cultura da soja), os mais comuns e utilizados pelos cotonicultores norte-americanos (GREENE et al., 2006).

Outros métodos de amostragem ou monitoramento, como a avaliação dos sintomas de danos externos (manchas circulares escuras sobre o epicarpo) e/ou internos [sinais escuros de puncturas ou “verrugas” (calos celulares) sobre o mesocarpo], em maçãs não abortadas atacadas pelos percevejos, denominados de métodos indiretos, tem sido desenvolvidos e aprimorados nos Estados Unidos (Figura 2). (GREENE & HERZOG, 1999; GREENE et al., 2000; MUSSER et al., 2007). De maneira geral, nos principais estados produtores de algodão dos Estados Unidos, o controle desses insetos nos algodoais é recomendado quando em média for encontrado 1 percevejo pentatomídeo-fitófago adulto por 1,83 m (6 pés) de cultivo, através da metodologia com pano-de-batida, ou se forem encontrados em média, 20% de maçãs com 2,46cm de diâmetro (consideradas de tamanho médio), apresentando sinais de danos internos, associado à constatação dos percevejos na área cultivada (GREENE et al., 1998; 2001; 2006).

No Brasil, poucos estudos sobre o complexo de percevejos fitófagos em algodoeiro foram realizados. CRUZ JUNIOR (2004) detectou que após 10 dias do início do florescimento do algodoeiro, N. viridula e P. guildinii podem causar queda significativa de maçãs e afetar a qualidade da fibra. O ataque de um adulto de E. heros confinado por cinco dias em maçãs das variedades Bt [NuOpal (Bollgard)] e não-Bt (DeltaOpal) com aproximadamente 25mm de diâmetro, foi capaz de reduzir, respectivamente, em 13% e 24% a produção de algodão em caroço dessas maçãs (SORIA et al., 2010).

Na safra 2006/2007, em Dourados (MS), através da metodologia de amostragem com pano-de-batida e por procura visual na planta inteira, foi constatado a infestação de E. meditabunda, N. viridula e E. heros, nas variedades isogênicas de algodoeiro, NuOpal (Bollgard) e DeltaOpal (não-Bt), cultivadas sem o emprego de inseticidas, sendo que a metodologia de amostragem com pano-de-batida mostrou ser a mais eficiente e E. meditabunda a espécie mais abundante em relação as outras espécies do complexo de pentatomídeos fitófagos infestantes (THOMAZONI, 2008).

De maneira semelhante, SORIA et al. (2009) detectaram pelo método de amostragem com pano-de-batida que os percevejos dispersantes da soja, E. heros, E. meditabunda e N. viridula, foram as principais espécies de pentatomídeos fitófagos dispersantes da soja que atacaram o algodoeiro NuOpal (Bollgard) e DeltaOpal (não-Bt) cultivado sob condições de Cerrado. Dentre essas espécies, E. heros (percevejo-marrom) e E. meditabunda (percevejo-asa-preta-da-soja) foram as mais abundantes, sendo que E. meditabunda parece estar mais adaptada ao algodoeiro, uma vez que para essa espécie foi observado maior número de ninfas em relação ao número de adultos, evidenciando uma maior capacidade reprodutiva e/ou de adaptação.

Normalmente, as áreas cultivadas com algodoeiro no Brasil são cercadas por lavouras de soja, o que pode favorecer a dispersão dos percevejos pentatomídeos fitófagos, da soja de final de ciclo para os algodoeiros em pleno desenvolvimento reprodutivo, causando prejuízos à produção de algodão (Figura 3). Em nossas condições de cultivo, o controle desses insetos é realizado sem critério algum quanto ao nível de controle (que ainda não está claro), empregando-se para isso, inseticidas de amplo espectro, não-seletivos e altamente tóxicos.

Considerando que a adoção de variedades Bt pelos cotonicultores brasileiros ao longo das safras aumente, com a consequente diminuição do número de aplicações de inseticidas para as pragas-alvos da tecnologia, aliada a iniciativa de programas regionais de supressão do bicudo-do-algodoeiro, reduzindo ainda mais o número de aplicações, e à utilização de inseticidas mais seletivos e específicos, ou de espectro reduzido, para o controle das pragas não-alvo das proteínas Cry expressas nas variedades Bt; o complexo de percevejos fitófagos, particularmente os da família Pentatomidae, poderá adquirir importância econômica primária para o algodoeiro cultivado no Brasil, assim como ocorreu na região Sudeste e Meio-Sul dos Estados Unidos a partir de 1996, com o início do cultivo de variedades Bt e a erradicação do bicudo-do-algodoeiro (ROBERTS, 1999; EDGE et al., 2001; TORRES & RUBERSON, 2005).

Dessa maneira, mais estudos sobre aspectos bioecológicos e econômicos se fazem necessários para que estratégias de controle, seguindo os preceitos do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e utilizando técnicas alternativas de monitoramento, como a avaliação de sintomas externos e internos de injúrias sobre maçãs, sejam consolidadas para os pentatomídeos-praga, especialmente para a espécie E. heros, nos sistemas de produção de algodão Bt e não-Bt do Cerrado Brasileiro.

UFGD – Dourados, MS

Embrapa Soja – Londrina/PR

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