Manchas foliares em algodão, predominância e pressão: cenário e aprendizados da safra 2019/2020

Como lidar com doenças foliares na cultura do algodoeiro

26.03.2021 | 20:59 (UTC -3)

O Brasil fechou a safra 2019/2020 com 2,9 milhões de toneladas de algodão em pluma colhido de acordo com a ABRAPA e esse resultado é 5% superior a safra anterior. A área plantada de 1,66 milhão de hectares de acordo com a CONAB também foi superior (+2,7%) a safra de 2018/2019, puxada pela demanda de fibra, principalmente nos mercado externos.

Considerando os cenários de algodão safra e algodão segunda safra, a ramularia (Ramularia areola) continua sendo considerada pelos produtores como a principal doença do cultivo e impedindo em vários situações a elevação do teto produtivo.

Adicionalmente a ramularia, outras doenças foliares, principalmente as manchas tem crescido em importância e chamado a atenção dos cotonicultores nas últimas safras. Devido ao sistema de cultivo soja-algodão, que prevalece em boa parte da área plantada de algodão no Brasil, a mancha-alvo (Corynespora cassiicola) tem se destacado como uma ameaça a produtividade.

Outras doenças como alternária (Alternaria spp.) e mirotécio (Myrothecium roridum), que acometem as lavouras de algodão tem sido identificadas também em nível de campo nas últimas safras e ocorrendo concomitantemente (Figura 1) as demais manchas, gerando dificuldade de identificação no campo e, como consequência, dificuldade de entendimento em relação ao estabelecimento de programas de manejo com fungicidas por parte da cadeia técnica do algodão.

Contexto das manchas foliares e a safra 2019/2020

Especificamente na safra 2019/2020 o cenário de manchas foliares no algodão se confirmou como diferenciado principalmente devido a ocorrência simultânea de doenças doenças foliares e a dificuldade em relação a diagnose.

É sabido que a mancha-alvo (Corynespora cassiicola) requer condições ambientais favoráveis para que possa progredir, como por exemplo, temperaturas entre 20°C a 30º C e longos períodos de molhamento foliar que quando acompanhados de sombreamento do baixeiro do dossel de plantas, ocasiona queda precoce das folhas e, consequentemente, redução de rendimento e qualidade de pluma.

Quando observamos as condições ideais para desenvolvimento de mancha de alternária (Alternaria spp.) no cultivo do algodão, nos deparamos com a necessidade de condições climáticas semelhantes a mancha-alvo em relação a temperatura (20°C a 30º C) e os sintomas começam a ser visualizados no campo desde muito cedo (a partir de 30 dias) e permanecem ao longo do ciclo, uma vez que o inóculo para infecções posteriores já está presente na própria planta.

Em relação a ocorrência de mirotécio (Myrothecium roridum), os relatos de literatura e observações de campo rementem a ocorrência em maior severidade correlacionada a situações de estresse ao longo de todo o ciclo. No entanto, é um patógeno amplamente distribuído nas regiões tropicais onde o algodão é produzido no Brasil.

Guardadas as devidas semelhanças e diferenças em relação a etiologia e condições ideais para o desenvolvimento dessas três manchas foliares no algodão, a sintomatologia dessas doenças se expressa de maneira semelhante em nível de campo e podem gerar dificuldades na diagnose e, como consequência, mau entendimento de desempenho de produtos que controlem esses patógenos.

Nesse sentido, o objetivo desse trabalho foi realizar a diagnose correta das manchas foliares que ocorreram na safra 2019/2020 e correlacionar com a atividade intrínseca dos principais ingredientes ativos que estão no mercado ou próximos ao lançamento para o cultivo do algodão.

Metodologias de identificação de doenças

Ao longo da safra de algodão de 2019/2020 foram realizadas coletas de folhas sintomáticas para manchas foliares (Corynespora cassiicola, Alternaria spp. e Myrothecium roridum) em onze munícipios representativos para a cotonicultra brasilieira: Campo Novo do Parecis/MT, Sapezal/MT, Campos de Júlio/MT, Sorriso/MT, Primavera do Leste/MT, Campo Verde/MT, Rondonópolis/MT, Chapadão do Sul/MS, Luis Eduardo Magalhães/BA, São Desidério/BA e Formosa/GO. As amostragem foram realizadas considerando a diversidade de materiais e tecnologias disponíveis no mercado (TMG 44 RX, FM 985 GLTP, FM 975 WS, TMG 81 WS, IMA5801 B2RF, FM 954 GLT, IMA 8001 WS e FM 944 GL) em lavouras comerciais e ensaios de experimentação (sempre nas parcelas testemunhas não tratadas) que foram semeadas entre 18 de Dezembro de 2019 e 01 de Fevereiro de 2020. As amostragens foram realizadas após os 130 dias após a emergência e as doenças presentes foram monitoradas ao longo do ciclo por meio da curva de progresso das doenças.

As folhas amostradas foram completamente rastreadas depois de uma análise sintomatológica no campo e então enviadas em forma de exsicata para identificação via microscopia eletrônica em laboratório (Figura 2).

Em laboratório, as folhas passaram por re-avaliação via estudo em microscópia para confirmação visual das estruturas e sintomas e então, foram realizados os isolamentos das espécies (Figura 3) de Alternaria spp. (mais de uma espécie), Corynespora cassiicola e Myrothecium roridum que posteriormente foram confimadas por meio de análise molecular.

Resultados de predominância de doenças

Após as coletas de campo e identificação das lesões por microscopia, isolamento dos patógenos de cada lesão e confimação via análise molecular, foi possível concluir que a predominância de ocorrência dos sintomas em nível de campo na safra 2019/2020 foi relacionado a espécies de alternárias (aproximadamente 94% das lesões de todas as avaliações), seguindo por mancha-alvo (Corynespora cassiicola) e mirotécio (Myrothecium roridum) de acordo com a figura 4.

Vale ressaltar que, independentemente da região (Parecis, BR163, Sul do MT, Chapadões ou Bahia) a predominância de manchas foliares causadas por alternárias foi consistentemente superior as demais manchas.

Outro ponto relevante, está em relação ao momento da amostragem que foi realizada aos 130 dias após a emergência da cultura. Neste sentido pode acontecer interação de patógenos e o ambiente proporcionar prevalência de determinada espécie, sendo assim, a presente safra (2020/2021) está em andamento um novo trabalho com amostragem de folhas iniciando aos 60 dias após a emergência da cultura.

Basedo na alta predominância de espécies de alternárias na metodologia de diagnose, o presente trabalho está focado no entendimento dos ingredientes ativos sobre Alternaria spp. por meio da avaliação do crescimento micelial.

Metodologia de avaliação de sensibilidade de alternárias aos ingredientes ativos

Visando obter uma resposta padronizada dos diferentes fungicidas para as espécies de Alternaria spp. isoladas, efetuou-se o teste em condições controladas, em placas de petri, com os principais ingredientes ativos utilizados no manejo de doenças na cultura do algodão, assim como as principais misturas. Os fungicidas foram incorporados ao meio de cultura BDA e 4 diferentes isolados de Alternaria spp. foram colocados para crescer nestes meios de culturas com os diferentes fungicidas. A análise de crescimento micelial foi efetuada 10 dias após o início do crescimento e os testes foram mantidos a 28º C. A porcentagem de controle foi calculada com base na diferença de crescimento micelial no meio de cultura com fungicida e meio de cultura sem fungicida.

Resultados dos ingredientes ativos sobre o crescimento micelial

Na figura 5, é possível observar o desempenho de ingredientes ativos pertencentes ao grupo químico das Carboxamidas (ADEPIDYNTM, Fluxapiroxade) na comparação ao padrão de mercado para controle de alternárias, que é Mertin 400 (hidróxido de fentina) sobre quatro isolados de alternária provenientes do isolamento em laboratório. De acordo com os resultados, é possível identificar que existem diferenças de desempenho, sendo ADEPIDYNTM  superior a Fluxapiroxade e ambos ativos isoladamente, inferiores ao padrão Mertin 400. Na figura 6, é possível confirmar de maneira visual a supressão do crescimento micelial dos isolados de alternárias para os mesmos ingredientes ativos contra o padrão e também uma testemunha que não recebeu tratamento.

Figura 5 - Comparação entre ingredientes ativos da classe das carboxamidas isoladas (SDHIs) sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadoras de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020
Figura 5 - Comparação entre ingredientes ativos da classe das carboxamidas isoladas (SDHIs) sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadoras de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020

Na figura 7, em linha com os tratamentos expostos acima, foram testados ingredientes ativos de forma isolada, porém do grupo químico dos Triazóis (Difenoconazole, Tetraconazole e Mefentriconazole) mantendo a comparação com Mertin 400 (como padrão de mercado) sendo Difenoconazole superior a Tetraconazole que por sua vez foi superior a Mefentriconazole. Apenas Difenoconazole apresentou controle sobre alternárias semelhante ao padrão (Mertin 400). Na figura 8, é possível confirmar de maneira visual a supressão do crescimento micelial dos isolados de alternárias para os mesmos ingredientes ativos contra o padrão e também uma testemunha que não recebeu tratamento.

Figura 7 - Comparação entre ingredientes ativos da classe dos triazóis isolados (DMIs)sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadors de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020
Figura 7 - Comparação entre ingredientes ativos da classe dos triazóis isolados (DMIs)sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadors de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020

Na figura 9,dois produtos comerciais utilizados pelos produtores de algodão no controle de doenças foram testados sobre os isolados de alternárias (Fluxapiroxade + Piraclostrobina e Azoxystrobina + Difenoconazole) mantendo a comparação com Mertin 400 (como padrão de mercado). Baseado nos resultados, Azoxystrobina + Difenoconazole teve desempenho similar ao padrão Mertin 400 e ambos superiores a combinação de Fluxapiroxade + Piraclostrobina. Na figura 10, é possível confirmar de maneira visual a supressão do crescimento micelial dos isolados de alternárias para os mesmos ingredientes ativos contra o padrão e também uma testemunha que não recebeu tratamento.

Figura 9 - Comparação entre produtos formulados sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadoras de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020
Figura 9 - Comparação entre produtos formulados sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadoras de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020

Considerando a eficácia de ADEPIDYNTM sobre os isolados de alternárias (Figura 5) foram testadas duas formulações onde esse ingrediente ativo está combiando em misturas prontas com difenoconazole, protioconazole e clorotalonil (Figura 11). Nas três formulações testadas (ADEPIDYNTM + Difenoconazole e ADEPIDYNTM + Clorotalonil), o controle de alternárias foi superior em relação aos demais tratamentos, o que foi confirmado (Figura 12) pela supressão do crescimento micelial dos isolados de alternárias como melhores controles na comparação contra o padrão e também uma testemunha que não recebeu tratamento.

Figura 11 - Comparação entre produtos formulados sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadoras de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020
Figura 11 - Comparação entre produtos formulados sobre o controle (%) de espécies de alternária (Alternaria spp.) causadoras de manchas foliares em algodão na safra 2019/2020

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Como estruturar um programa de manejo de manchas foliares

Na tabela 1 estão destacados os principais modos de ação que apresentam controle sobre as principais manchas foliares que ocorrem em todas as regiões de cotonicultura do Brasil.

Tabela 1: Principais grupos químicos, exemplos de ingredientes ativos relacionados e seus modos de ação no controle de manchas no cultivo do algodão.
Tabela 1: Principais grupos químicos, exemplos de ingredientes ativos relacionados e seus modos de ação no controle de manchas no cultivo do algodão.

Considerando que estrobilurinas têm sua contribuição significativa para controle de doenças iniciais e também de mirotécio, é fundamental que estejam presentes dentro dos programas de manejo focados – além de ramulose – em manchas em geral, assim como evidenciados nos resultados acima sobre alternárias de Azoxystrobina + Difenoconazole.

Igualmente importantes, os triazóis tem papel fundamental no controle de diversas doenças do algodão, como por exemplo a ramulária e no caso das manchas foliares não é diferente. Para os produtores de algodão, a adoção de Difenoconazole agrega em controle de alternárias como apontado pelo desempenho do produto de forma isolada comparada aos demais triazóis.

Quando é agregado no sisitema os fungicidas multissítios (como por exemplo, o Clorotalonil), melhoram significativamente o controle de manchas foliares e ramularia e trazem sustentabilidade e longevidade para os produtos sítio- específicos.

No caso da utilização de Mertin 400 – que representa a classe de fungicidas estanhados de maneira única –  é reconhecido como ferramenta fundamental pelos produtores de algodão em todo o Brasil em rotação com os demais produtos a base de Carboxamidas, principalmente até os 100 dias após a emergência.

Para as Carboxamidas, de acordo com os resultados obtidos, além da excelente contribuição para ramulária e mancha-alvo, fica clara a contribuição para o controle de alternárias, com destaque especial para ADEPIDYNTM (tanto pela comprovação de efetividade de maneira isolada comparada a outros ativos do mesmo grupo) como na comparação de ADEPIDYNTM em suas misturas com Difenoconazole e Clorotalonil, que são formulações que estão chegando ao mercado para controle de doenças no cultivo do algodão.

Em suma, na estruturação de programas de manejo para o complexo de doenças do algodão é fundamental levar em consideração os pilares do Manejo Consciente (Figura 13), bem como a busca por controle do espectro de patógenos que atacam o algodoeiro.

Consideração finais

A safra 2019/2020 nos remete a um cenário onde alternárias estão mais presentes (em mais de 90% das situações) no cultivo causando dano econômico nas regiões amostradas. Este nos traz atenção para um cenário agronômico que se mantem complexo, exigindo cada vez mais um programa de fungicidas eficaz, que considere toda a dinâmica do cultivo e do complexo de doenças do algodão. Utilizando as melhores tecnologia disponíveis, de forma consciente e precisa, para se garantir elevados patamares de produtividade com sustentabilidade.

Também se faz necessário o aprofundamento na diagnose das doenças em nível de campo para que seja estabelecido um programa de manejo consciente para o espectro de doenças como um todo.

Existem produtos atualmente no mercado com efetividade de controle sobre o complexo de doenças e, principalmente sobre alternárias. Mertin 400 continua sendo um padrão técnico no controle de alternária. Dentre as carboxamidas, ADEPIDYNTM (e suas combinações com Difenoconazole ou Clorotalonil) se mostra como uma excelente ferramenta com amplo espectro. Na comparação entre os triazóis, o desempenho de difenoconazole foi superior aos demais ingredientes ativos testados. Em relação aos produtos formulados, Priori Top apresentou excelente desempenho sobre alternárias.


Lucio Zabot, Gerente R&D - Fungicidas. Doutor em Fisiologia Vegetal. Syngenta Proteção de Cultivos

Daniel Rosa, Gerente R&D - Manejo de Resistência. Doutor em Proteção de Plantas. Syngenta Proteção de Cultivos

Tiago Batista, Pesquisador R&D - Fungicidas. Especialista em Proteção de Plantas. Syngenta Proteção de Cultivos

Alfredo Riciere Dias, Pesquisador Fitopatologia. Mestre em Agronomia. Desafios Agro

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