Manejo correto de lepidópteros

Medidas passam por compreender sua dinâmica, adotar uma visão sistêmica do processo produtivo e uso de práticas já consagradas

18.08.2020 | 20:59 (UTC -3)

Pragas como Helicoverpa, Heliothis, Chrysodeixis, Anticarsia, Elasmopalpus, Spodoptera, Alabama, Mocis, Pectinophora, Elaphria, Striacosta e Agrotis estão entre as que demandam sérios cuidados nos sistemas agrícolas. Manejar corretamente estes insetos passa por compreender sua dinâmica, adotar uma visão sistêmica de todo o processo produtivo e resgatar práticas consagradas que foram abandonadas ao longo dos anos.

Os sistemas produtivos agrícolas estão cada vez mais em evidência, demonstrando que atitudes pontuais não são capazes de afetar eficientemente o resultado final e garantir a rentabilidade desejada na agricultura. No manejo das pragas agrícolas pensar no sistema produtivo agrícola não é diferente e entre as pragas, lepidópteros (borboletas e mariposas), caracterizados pela presença de escamas (“lepido”) que cobrem o corpo e asas (“ptero”) dos insetos, merecem atenção especial pela quantidade de pragas deste grupo.

No seu ciclo de vida, a fase jovem (quando são chamadas de lagartas e taturanas) mostram-se grandes devoradores de folhas e constituem importantes pragas agrícolas, podendo também atacar grãos e farinhas. Como curiosidade vale lembrar que as borboletas, pela beleza das suas asas, são muito apreciadas por artistas e colecionadores.

Os insetos estão sobre a Terra há mais de 350 milhões de anos. Atravessaram todos os tipos de intempéries ambientais, inclusive uma colisão de asteroides que provavelmente vitimou todos os dinossauros e criou-se a Era glacial. Neste contexto seria muito ingênuo que a interferência humana seria capaz de acabar com essas pragas nas lavouras. Resta, então, aprender a conviver ou aplicar os conceitos do Manejo Integrado de Pragas (MIP).

O tema de interesse dos lepidópteros nos sistemas produtivos agrícolas compreende pragas como a Helicoverpa, Heliothis, Chrysodeixis, Anticarsia, Elasmopalpus, Spodoptera, Alabama, Mocis, Pectinophora, Elaphria, Striacosta, Agrotis e outras mais.

Chrysodeixis parasitada através de controle biológico
Chrysodeixis parasitada através de controle biológico

É necessário entender o sistema produtivo agrícola como aquele composto de vários cultivos, onde existem várias práticas comuns de manejo associadas a uma espécie vegetal como a soja, o milho ou o algodão, por exemplo. Tudo isso em uma região onde há uma interligação entre essas culturas agrícolas ou lavouras. É por isso que porteiras não resolvem os problemas de pragas como os lepidópteros, que voam a centenas de quilômetros.

A interligação entre as culturas agrícolas em uma região ou até mesmo em um continente garante o fluxo de lepidópteros de uma região a outra, de uma lavoura a outra e de uma cultura a outra. Os procedimentos adotados por um agricultor refletem diretamente na dinâmica das populações destas pragas, portanto as estratégias devem ser conjuntas e coordenadas para surtirem resultados mais positivos, o que reforça a perspectiva sistêmica do processo agrícola.

Chrysodeixis em fase de lagarta sobre as folhas
Chrysodeixis em fase de lagarta sobre as folhas

Os danos provocados pelos lepidópteros

Antes da tomada de decisão de controle de lepidópteros é imprescindível o conhecimento sobre os danos e seus potenciais sobre as lavouras, uma vez que nem sempre são iguais para cada cultura agrícola. Em um determinado cultivo o dano poderá ser maior ou menor.

O estudo do dano pode ser aprofundado quando se reconhecer que em uma mesma cultura este poderá ser diferente em função da fase de desenvolvimento da planta. Normalmente na fase vegetativa as plantas têm maior capacidade de superar as injúrias provocadas pelas lagartas, exceto na fase de emergência onde o dano pode resultar na morte da planta.

Os lepidópteros podem atacar estruturas vegetativas como folhas e caules de plantas, assim como botões florais, flores, frutos e grãos secos. O tipo de prejuízo deve ser caracterizado individualmente e essas informações estabelecerão o rigor do controle em cada fase da cultura. Determinarão gravidade, urgência e tendência do ataque das lagartas de modo a orientar a prioridade na tomada de decisão de manejo.

A tendência de uma praga, quando observado que não existem elementos naturais capazes de estabelecer o equilíbrio dos lepidópteros, pode levar danos para outros cultivos. Por exemplo, o milheto, cultura muito difundida entre os cotonicultores no Mato Grosso para estabelecimento da cobertura vegetal e que é acometida pela Spodoptera. Nesta cultura os cuidados focam a desfolha e os níveis de controles são superiores ao adotados quando o foco da Spodoptera passa a ser o estabelecimento da plântula do algodão. Neste caso o controle deve ser realizado ainda no milheto, quando a semeadura do algodão se aproxima.

Detalhe da presença de Chrysodeixis com fungo
Detalhe da presença de Chrysodeixis com fungo

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Entre as estratégias de manejo há plantas transgênicas capazes de oferecer bons controles, embora os riscos de resistência sejam preocupantes e já exista demonstração de falhas do controle desta tecnologia relativamente recente, assim como a resistência de insetos à ação dos inseticidas sintéticos.

Uma forma inteligente de evitar aumentos de populações de lepidópteros nos sistemas produtivos agrícolas é favorecer o controle natural presente em todas as lavouras sem a necessidade do dispêndio de nenhum recurso financeiro, entre os controles naturais existem o próprio controle oferecido pelas condições climáticas como Sol, chuva e vento. Também há agentes de controle biológico naturais em qualquer lavoura como parasitos, fungos, vírus e bactérias, mas para se beneficiar disso é preciso conhecer sua lavoura em profundidade. Neste ponto surge a necessidade do monitoramento da lavoura.

Um bom monitor, conhecedor de todos os conceitos do Manejo Integrado de Pragas (MIP) deve ter a capacidade de olhar em profundidade cada detalhe de sua lavoura. Além da vista quase “microscópica” é necessária uma visão holística de toda a região, incluindo as interligações de um cultivo e outro, dentro e fora dos limites da propriedade.

Para o manejo de lepidópteros em sistemas produtivos agrícolas deve-se conhecer características da biologia de insetos deste grupo. É muito comum se prender aos aspectos morfológicos para identificação, mas detalhes relacionados aos hábitos e preferências ambientais podem ser mais úteis para o manejo, uma vez que o agroecossistema é bastante alterado pelo homem.

O homem tem certo domínio sobre o ambiente agrícola e o agroecossistema. Claro que sobre os elementos climáticos não é possível interferir, mas em todos os outros aspectos há possibilidade da ação do homem. Desde a escolha das espécies vegetais a serem cultivadas, proporção das culturas, distribuição nas áreas, espaçamento, população, época de semeadura e tratos culturais interferem sobre as populações dos lepidópteros, além das intervenções químicas como medidas de controle das pragas.

Essa série de combinações refletem diretamente nos resultados na própria  lavoura e na dos vizinhos. O grande objetivo do manejo de lepidópteros é manter as populações destes insetos abaixo dos índices de dano, uma vez que a presença do inseto é indispensável para o equilíbrio do sistema.

Como o personagem bíblico Noé preservou um casal de cada espécie diante do dilúvio, os agricultores modernos devem antes de aprender a controlar as pragas, saber como mantê-los em níveis não prejudiciais na lavoura. Isso é a base do controle biológico cada vez mais difundido, porém pregando o uso de produtos exóticos aplicados como qualquer defensivo químico.

Se as condições da lavoura não forem favoráveis ao estabelecimento de um inseticida biológico serão em vão as aplicações. Mais um custo com baixo benefício. O controle biológico é uma ferramenta poderosa no combate as pragas, mas não quando utilizado de forma inadequada.

Quando esgotados todos os controles de lepidópteros não químicos, o controle químico pode ser a solução, observados  todos os cuidados necessários. As intervenções químicas demandam conhecimento em vários ramos, que vão desde os atributos químicos destes compostos passando pelos processos metabólicos que interferem sobre os insetos e suas formas de degradação na planta e no ambiente. Também é indispensável atenção à tecnologia de aplicação e às condições meteorológicas adequadas para o uso deste recurso de modo a usufruir da eficácia e da eficiência destes compostos.

Escamas costumam recobrir o corpo e as asas da mariposa
Escamas costumam recobrir o corpo e as asas da mariposa

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Não aparecerão formas milagrosas de manejo de lepidópteros, nem a médio ou a longo prazo. As soluções são muito obvias e não há segredo para ninguém. Qualquer um pode adotá-las sem efeitos colaterais, mais isso requer a conscientização de que medidas concretas podem ser tomadas individualmente e outras necessitam ser coletivas.

Diante da evolução e das dimensões das áreas agrícolas brasileiras é fundamental a presença de profissionais capazes de elaborar estratégias racionais de manejo de lepidópteros. O simples fato do profissional ser capaz de recomendar um inseticida não o habilita no MIP. É importante refletir sobre os rumos ao qual se dirige a agricultura.

O grande problema do momento é o abandono das boas práticas agrícolas consagradas. Resgatar essas medidas terá reflexo direto não somente na ocorrência de lepidópteros como em todas as questões ligadas à fitossanidade e nutrição das plantas. Uma visão sistêmica do processo produtivo agrícola é fundamental para o entendimento e aplicação do MIP.


Evaldo Kazushi Takizawa, Ceres Consultoria 


Artigo publicado na edição 213 da Cultivar Grandes Culturas.

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