Manejo da doença nanismo amarelo em trigo

Doença provoca prejuízos graves, como atraso no desenvolvimento da planta, diminuição no suporte à estresses ambientais e diminuição da produtividade

08.06.2020 | 20:59 (UTC -3)

Entre as viroses que afetam a cultura do trigo o nanismo amarelo, causado por Barley yellow dwarf virus (BYDV) tem potencial para provocar prejuízos graves, como atraso no desenvolvimento da planta, diminuição da capacidade de suportar estresses ambientais e consequente diminuição da produtividade pela redução do número e peso dos grãos. Quando disponível, a resistência genética é um importante aliado no manejo desta doença.

Virose é uma doença causada por vírus. Assim como ocorre em humanos e animais, as plantas podem ser infectadas por espécies de vírus que são capazes de se multiplicar em suas células, produzindo desordens que resultam em sintomas visíveis e redução da produção. O trigo é hospedeiro de muitas espécies de vírus. No Brasil, duas viroses são mais comuns e vem causando prejuízos à triticultura desde a sua expansão nos anos 1970 até os dias atuais: o nanismo amarelo, causado por espécies dos vírus Barley yellow dwarf virus (BYDV) e Cereal yellow dwarf virus (CYDV), e o mosaico comum do trigo, atribuído ao Soil-borne wheat mosaic virus (SBWMV). Recentemente foi introduzido no Brasil, o Wheat streak mosaic virus (WSMV) que é transmitido pelo ácaro do enrolamento do trigo (Aceria tosichella). Como os vírus de plantas dificilmente podem ser tratados em condições de lavoura, as medidas de controle de viroses são preventivas, com o objetivo de impedir ou dificultar a chegada dos vírus à cultura e sua disseminação. A resistência genética é uma eficiente forma de controle de viroses, devendo ser utilizada quando disponível.

Redução do crescimento de plantas de trigo devido à infecção por Barley yellow dwarf virus. - Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo
Redução do crescimento de plantas de trigo devido à infecção por Barley yellow dwarf virus. - Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo

Os nomes dos vírus de plantas costumam fazer referência ao hospedeiro e aos sintomas típicos decorrentes da infecção. No caso do Barley yellow dwarf virus (BYDV - Luteovirus), a descrição original ocorreu em cevada e os sintomas evidentes nesse hospedeiro são um forte amarelecimento das folhas (que ocorre no sentido do ápice para a base da folha), a redução do crescimento e o atraso no desenvolvimento da planta. A redução de crescimento não se restringe à altura (nanismo), também podem ser reduzidos o número de perfilhos, a massa foliar e a massa do sistema radicular. Entre os sintomas mais característicos desta virose, está a alteração da coloração do limbo foliar. No trigo, geralmente ocorre o amarelecimento do limbo foliar, mas, dependendo da cultivar, outras tonalidades mais avermelhadas podem ser observadas. Além da alteração da cor, ocorrem mudanças morfológicas, com o limbo foliar adquirindo aspecto lanceolado e tornando-se mais rígido. O conjunto destas alterações morfo-fisiológicas pode levar ao atraso no desenvolvimento da planta (aumento do tempo necessário para completar o ciclo) e tornar a planta menos capaz de suportar estresses ambientais, como o déficit hídrico. A diminuição da produtividade é decorrente da redução do número e do peso dos grãos. A expressão dos sintomas é variável e depende do nível de suscetibilidade e/ou tolerância da cultivar e da época em que as plantas foram infectadas. Quanto mais cedo ocorrer a infecção, mais severos tendem a ser os sintomas. Assim, os sintomas nem sempre são evidentes, podendo ser percebidos apenas de maneira comparativa entre plantas infectadas e não infectadas. Geralmente são observados em grupos de plantas (reboleiras), que correspondem às áreas de multiplicação e dispersão do afídeo vetor. 

Avermelhamento das folhas de aveia-preta causado por BYDV-PAV. – Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo
Avermelhamento das folhas de aveia-preta causado por BYDV-PAV. – Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo

As espécies de BYDV (Luteovirus) e CYDV (Polerovirus) são transmitidas por afídeos (pulgões) (Hemiptera, Aphididae). Das várias espécies de BYDV (BYDV-PAV, BYDV-PAS, BYDV-MAV) e de CYDV (CYDV-RPV, CYDV-RPS), no Brasil predomina BYDV-PAV. No outono, este vírus pode ser facilmente encontrado em aveia-preta (cujas folhas ficam com uma coloração avermelhada e o limbo da folha enrolado). Também em plantas de aveia é comum encontrar o pulgão da aveia (ou do colmo) Rhopalosiphum padi, um dos mais eficientes transmissores de BYDV-PAV. Este vírus também é transmitido por afídeos que ocorrem em estádios mais avançados do trigo como Metopolophium dirhodum (pulgão da folha) e Sitobion avenae (pulgão da espiga). Ao se alimentar da seiva de uma planta infectada, o afídeo adquire partículas virais, que migram pelo seu trato digestivo e hemocele se acumulando na glândula salivar. O vírus é retido nas mudanças de fase do afídeo, mas não é transmitido à sua progênie. A transmissão ocorre quando o afídeo virulífero alimenta-se de uma planta sadia. O vírus não é transmitido por outros insetos, sementes, solo ou mecanicamente. Durante o outono e a primavera, quando as temperaturas são amenas e as populações de afídeos numerosas, ocorre migração de afídeos de gramíneas infectadas para gramíneas sadias, permitindo a transmissão do vírus. Para as condições brasileiras, pode ocorrer a migração dos afídeos de lavouras de aveia para os cultivos recém implantados de trigo. Também é possível que ocorram migrações de afídeos entre lavouras de trigo. Como em função das condições de clima, o trigo é plantado em diferentes épocas, na medida em que em algumas regiões a cultura entra em maturação, os afídeos podem migrar para outras em que o trigo está em estádios mais novos de desenvolvimento.

Espécies de afídeos vetoras de Barley yellow dwarf virus – Rhopalosiphum padi – pulgão da aveia, ou pulgão do colmo. – Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo
Espécies de afídeos vetoras de Barley yellow dwarf virus – Rhopalosiphum padi – pulgão da aveia, ou pulgão do colmo. – Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo
Espécies de afídeos vetoras de Barley yellow dwarf virus – Sitobion avenae – pulgão da espiga. – Foto: Douglas Lau/ Embrapa Trigo
Espécies de afídeos vetoras de Barley yellow dwarf virus – Sitobion avenae – pulgão da espiga. – Foto: Douglas Lau/ Embrapa Trigo
Espécies de afídeos vetoras de Barley yellow dwarf virus – Metopolophium dirhodum – pulgão da folha. – Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo
Espécies de afídeos vetoras de Barley yellow dwarf virus – Metopolophium dirhodum – pulgão da folha. – Foto: Douglas Lau/Embrapa Trigo

O potencial de dano deste complexo afídeo-vírus à produção de trigo resulta da interação dos componentes: incidência da doença decorrente das condições epidemiológicas e do nível de tolerância/resistência das cultivares. Anos secos e com temperaturas elevadas (temperaturas de 18ºC-25°C) favorecem as populações de afídeos permitindo aumento da incidência da virose. Para controlar as populações de afídeos, pode-se combinar práticas culturais (evitar a presença de plantas reservatórios), o controle químico e biológico. O controle biológico, realizado principalmente por espécies de microimenópteros (“vespinhas”), tem grande êxito no Brasil, reduzindo de forma considerável a população de afídeos. O controle químico pode ser realizado no tratamento de sementes e em aplicações na parte aérea. Os níveis de ação preconizados são 10% das plantas com afídeos nas fases vegetativas e 10 pulgões por afilho/espiga nas fases reprodutivas.

As cultivares de trigo mesmo sendo suscetíveis (que são infectadas pelo vírus), apresentam variação da reação ao BYDV. Assim, pode-se se optar pelas que sejam mais tolerantes a infecção, principalmente nas regiões de clima mais quente e, portanto, mais sujeitas a epidemias de nanismo amarelo. Com o objetivo de fornecer informações sobre a reação das cultivares de trigo ao BYDV-PAV realiza-se na Embrapa Trigo, anualmente, a avaliação de cultivares que compõe o Ensaio Estadual de Cultivares de Trigo do Rio Grande do Sul (EECT-RS). Os ensaios são realizados em condições padronizadas.

Em cada ensaio são avaliados 34 genótipos de trigo, as 30 cultivares do EECT-RS do respectivo ano e quatro testemunhas (BRS Timbaúva e BR 35, tolerantes ao BYDV; Embrapa 16 e BR 14, intolerantes ao BYDV). Como vetor utiliza-se R. padi, portando um isolado BYDV-PAV. O inóculo viral é multiplicado em plantas de aveia preta e empregadas na criação de R. padi virulíferos. O ensaio é realizado em telado da Embrapa Trigo,Passo Fundo, Rio Grande do Sul, entre julho e novembro. As cultivares de trigo são semeadas na primeira semana de julho em vasos plásticos (capacidade de 7 litros). Após a emergência, realiza-se o desbaste, mantendo-se cinco plantas por vaso. Para cada cultivar, cinco vasos são submetidos à inoculação (infestação com R. padi virulífero). Outros cinco vasos não são inoculados e servem como testemunha do padrão de desenvolvimento e potencial produtivo do genótipo nas condições em que o ensaio é conduzido. A inoculação é realizada no estádio de duas folhas expandidas. Os vasos a serem inoculados são transferidos para outro telado, onde cada uma das plantas recebe um fragmento de folha, com 10 pulgões, posicionado na intersecção entre as duas folhas. Dois dias após, é realizada nova infestação nas plantas que contém menos de 10 pulgões. O período para a transmissão do vírus é de uma semana, após o que aplica-se inseticida. Depois da morte dos pulgões, os vasos inoculados são transferidos para o telado inicial e, para cada genótipo, formam-se cinco pares, compostos por um vaso inoculado e um vaso não inoculado, que são distribuídos aleatoriamente na área do telado. Nitrogênio em cobertura é aplicado na forma de uréia (80kg/ha) no estádio de afilhamento. Durante o ensaio são aplicados inseticidas e fungicidas para evitar a ocorrência de insetos e de doenças. As avaliações visuais de sintomas são realizadas nos estádios de alongamento do colmo e espigamento. A avaliação visual de sintomas é realizada por comparação da estatura e massa da parte aérea, estimando-se a redução que o conjunto de plantas inoculadas apresenta em relação ao conjunto de plantas não inoculadas para cada um dos cinco pares de vasos de cada cultivar. São atribuídas notas de acordo com a seguinte escala: 1 = 0% a 20 % de redução; 2 = 21% a 40% de redução; 3 = 41% a 60% de redução; 4 = 61% a 80% de redução e 5 = redução superior a 81%. Ao final do ensaio, cada vaso é colhido separadamente e determinado o peso total de grãos para cada unidade experimental (vaso). As comparações são realizadas utilizando-se o peso de grãos produzido por vaso (g/vaso). O dano causado por BYDV-PAV sobre a produtividade de grãos é estimado para cada cultivar comparando-se o tratamento “Plantas Inoculadas” (I) com o tratamento “Plantas Não Inoculadas” (NI). Dano% = (NI - I) / (NI) *100, onde: NI = peso de grãos/vaso para o tratamento plantas não inoculadas; I = peso de grãos/vaso para o tratamento plantas inoculadas.

Para as cultivares que compunham o ensaio de 2014, todas as avaliadas apresentaram sintomas, com notas médias variando entre 1,9 a 5 (Tabela 1). Para a maioria das cultivares houve variação na nota atribuída entre as repetições. Em geral, as plantas com nota igual ou superior a 4, além da pronunciada redução da estatura e da massa da parte aérea, também apresentaram atraso do ciclo de desenvolvimento e severo amarelecimento das folhas. Incluem-se nesse grupo, Mirante, única cultivar com nota 5 em todas as repetições, e as cultivares BR 14 (apenas uma nota abaixo de 5), Estrela Átria, CD 1550, Jadeíte 11, FPS Nitron, Ametista e TBIO Sintonia. As cultivares que demonstraram menor efeito da virose com notas médias abaixo de 3 foram LG Oro, BR 35, BRS Parrudo, Tec Frontale e ORS Vintecinco. Os danos à produtividade de grãos causados por BYDV-PAV, em média, foram de 44,4%. A distribuição de frequência foi: danos 0-20% = 2,9% (1); 21-40% = 35,3% (12); 41-60% = 58,8% (20); 61%-80% = 0% (0) e 81%-100% = 2,9% (1). A maior redução observada foi de 88,9% (Mirante) e a menor de 20,1% (ORS Vintecinco) (Tabela 1). A correlação entre a produtividade dos vasos inoculados e a dos não inoculados foi 0,64. A correlação entre a avaliação visual de sintomas e dano % foi de 0,73. A correlação entre NI e dano% foi de -0,21, e a correlação entre I e dano % foi de -0,87. A única cultivar com dano entre 0%-20% foi ORS Vintecinco (Tabela 1). A produtividade obtida dos vasos não inoculados dessa cultivar foi próxima à média, e a produtividade dos vasos inoculados acima da média +1 desvio padrão. As cultivares LG Oro, BRS Parrudo, TEC Frontale, e BR 35 também se destacaram positivamente como um grupo que apresentou dano entre 21%-40%. As cultivares com produtividade acima da média (+1 desvio padrão) na presença do vírus foram ORS Vintecinco, Tec Frontale, LG Oro, Fundacep Horizonte e TBIO Pioneiro. As cultivares com produtividade abaixo da média (-1 desvio padrão) na presença do vírus foram Mirante, CD 1550, BR 14, TBIO Sintonia. Considerando a combinação entre nota visual de sintomas e produtividade das plantas inoculadas, as cultivares Mirante, CD 1550, BR 14 e TBIO Sintonia foram aquelas que se mostraram mais intolerantes à infecção por BYDV-PAV. Pelo mesmo critério as cultivares LG Oro, TEC Frontale e ORS Vintecinco se mostraram as mais tolerantes à infecção.

Tabela 1 a
Tabela 1 a
Tabela 1 b
Tabela 1 b

De acordo com os ensaios realizados desde 2011, o dano percentual às cultivares de trigo devido à infecção viral variou entre 44,4% e 49,9%. Na tabela 2 podem ser comparadas as estimativas de Dano % causado por BYDV-PAV para todas as cultivares que estiverem presentes no ensaio estadual durante este período.

Tabela 2 a
Tabela 2 a
Tabela 2 b
Tabela 2 b
Tabela 2 c
Tabela 2 c
Impactos à produtividade causados pelo nanismo amarelo. O gráfico representa a distribuição de frequência por classe de Dano % (redução do potencial produtivo quando da infecção em estádio inicial de desenvolvimento) sofrido pelas cultivares que compunham o Ensaio Estadual de Cultivares de Trigo do Rio Grande do Sul nos anos 2011, 2012, 2013 e 2014.
Impactos à produtividade causados pelo nanismo amarelo. O gráfico representa a distribuição de frequência por classe de Dano % (redução do potencial produtivo quando da infecção em estádio inicial de desenvolvimento) sofrido pelas cultivares que compunham o Ensaio Estadual de Cultivares de Trigo do Rio Grande do Sul nos anos 2011, 2012, 2013 e 2014.


Douglas Lau, Paulo Roberto Valle da Silva Pereira, Ricardo Lima de Castro, Embrapa Trigo


Artigo publicado na edição 206 da Cultivar Grandes Culturas.

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