Manejo da sarna da batata

A sarna da batata, disseminada pelas diversas regiões produtoras do Brasil, provoca sérios prejuízos, por reduzir o valor comercial dos brotos e em casos mais graves até mesmo impedir sua comercialização

22.06.2016 | 20:59 (UTC -3)

Dentre as doenças bacterianas, a sarna da batata é uma das mais importantes economicamente e de ocorrência generalizada nas regiões produtoras do Brasil. A incidência da sarna tem aumentado, consideravelmente, tornando-se fator limitante no cultivo de batata.

Essa doença é causada por bactérias fitopatogênicas do gênero Streptomyces que afetam as partes subterrâneas da planta, principalmente os tubérculos. Os sintomas se caracterizam por lesões que podem tomar toda a superfície do tubérculo, acarretando diminuição do seu valor comercial ou até mesmo impedindo a sua comercialização. As espécies de Streptomyces sobrevivem saprofiticamente no solo ou em tecidos de planta infectados e ao encontrar um tubérculo no início de seu desenvolvimento, penetram através de estruturas como as lenticelas, estômatos ou ferimentos. Após a penetração, a bactéria cresce entre as camadas da periderme, nutrindo-se do tecido morto e produz fitotoxinas que induzem a formação de uma camada corticosa ao redor do tecido infectado, tornando a superfície áspera e suberificada, caracterizando o sintoma de sarna. Este ciclo ocorre muitas vezes durante o crescimento do tubérculo, aumentando o tamanho da lesão. Assim, quanto mais cedo o tubérculo for infectado, maior será a extensão da lesão.

A espécie S. scabies é a principal bactéria associada à doença, podendo ser encontrada em todas as regiões produtoras de batata no mundo. Estudos de levantamento e identificação dos patógenos causadores da sarna em diferentes países relataram a ocorrência de outras espécies do gênero Streptomyces associadas à doença. Atualmente, pelo menos 14 espécies já foram descritas em diferentes regiões do mundo, dentre elas S. acidiscabies (sarna em solos ácidos), S. turgidiscabies (lesões erumpentes), S. europaeiscabiei, que ocorrem em diferentes locais da Europa, mas não estão restritas a esse continente e S. caviscabies (lesões aprofundadas). Ainda, estudos recentes relatam a ocorrência de novas espécies que utilizam outras vias de patogenicidade, apresentam diferenças na sintomatologia ou são genomicamente distintas. A ocorrência de diferentes espécies e o surgimento de novas espécies patogênicas à batata estão associados à capacidade de transferência horizontal de genes de patogenicidade de espécies patogênicas para espécies saprófitas, presentes no solo e bem adaptadas ao ambiente.

O aumento da incidência da sarna nas áreas de cultivo no Brasil pode ser associado a diferentes fatores, como a adaptação ou predominância de espécies de Streptomyces mais agressivas, o aumento da área plantada com variedades de batata suscetíveis, a dispersão de espécies patogênicas por meio de batata-semente contaminada, práticas culturais que promovem condições favoráveis à doença e tolerância fitossanitária em processos de importação, sem exigência prévia de identificação da espécie causadora da sarna.

Algumas medidas têm contribuído para o controle da sarna, mas as perdas ainda permanecem em níveis inaceitáveis em muitas regiões de cultivo. O controle cultural é realizado, principalmente, para S. scabies, mas esse não é o único patógeno encontrado nas regiões produtoras. A rotação de culturas é recomendada a fim de reduzir a carga do patógeno no solo, mas nem sempre essa medida é eficiente, devido à gama de hospedeiros e à alta capacidade de sobrevivência do patógeno. Outra medida sugerida é o melhoramento genético, no entanto, a resistência das cultivares é muito difícil de ser alcançada, visto que a taxtomina, fitotoxina responsável pelos sintomas da sarna, não é hospedeiro específico.

O conhecimento dos patógenos emergentes é essencial para o desenvolvimento de novas estratégias de manejo diferentes daquelas adotadas para S. scabies. Assim, o primeiro passo para desenvolvimento de estratégias de manejo da sarna para áreas produtoras deve ser o levantamento das espécies patogênicas presentes. No Brasil, o Laboratório de Bacteriologia Vegetal (LBV) do Instituto Biológico tem realizado estudos de levantamento e caracterização de linhagens de Streptomyces sp. associadas à sarna da batata provenientes de diferentes regiões produtoras do Brasil: Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. A partir de análises morfológicas, patogênicas e moleculares foi verificada a ocorrência da espécie S. scabies e de outras espécies ainda não descritas no país, como S. caviscabies, S. sampsonii e S. europaeiscabiei, sendo que as amostras recebidas para análise foram, em sua maioria, das cultivares Ágata, Cupido e Asterix.

A espécie S. scabies foi a mais abundante (38% das linhagens) e mais amplamente distribuída no país, uma vez que foi detectada em tubérculos de batata de todas as regiões produtoras amostradas. Das linhagens de S. europaeiscabiei identificadas, 11 foram isoladas de batatas importadas da Holanda e uma de Itapetininga (SP). A espécie S. europaeiscabiei está amplamente distribuída na Europa, sendo predominante, confirmando o resultado de identificação obtido. Outra espécie presente foi S. caviscabies, descrita inicialmente no Canadá, que representou 8,7% das amostras isoladas de tubérculos de batata provenientes de diferentes estados produtores do País (Bahia, Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul). As duas linhagens da espécie S. sampsonii identificadas foram isoladas de batata de regiões produtoras do estado de São Paulo. Essa espécie foi descrita como saprófita, comumente encontrada em lesões de sarna.

No estudo de levantamento realizado, outras linhagens de Streptomyces com características genéticas diferentes das principais espécies descritas foram encontradas nas regiões produtoras, podendo representar possíveis novas espécies e/ou subespécies de Streptomyces associadas à sarna no Brasil. As espécies encontradas no país e as possíveis novas espécies mostraram-se muito agressivas em testes de patogenicidade realizados em minitubérculos, apresentando genes relacionados com a patogenicidade e virulência.

O levantamento da ocorrência e distribuição da doença a partir do isolamento de linhagens de diferentes regiões produtoras do País e a caracterização e identificação das espécies são passos iniciais e essenciais para o melhor conhecimento da doença no Brasil. A partir da identificação das espécies nacionais será possível a realização de outros estudos com o objetivo de manejar a doença, desde o controle cultural, com base em características do patógeno, como no desenvolvimento de variedades resistentes por melhoramento genético, de acordo com os patógenos presentes, desenvolvimento de metodologias de detecção de espécies, busca de antagonistas para controle biológico e avaliação da suscetibilidade de cultivares a diferentes espécies causadoras da doença.

O manejo da sarna da batata ainda permanece complexo e por isso diferentes medidas devem ser realizadas conjuntamente. Desse modo, o conhecimento da ecologia de espécies locais poderá contribuir para o desenvolvimento de estratégias mais eficientes para o manejo dessa doença no Brasil.

Batata é desafio das doenças no Brasil

A batata é uma cultura de grande importância econômica. Representa o quarto principal cultivo destinado à alimentação, após arroz, trigo e milho. Devido às propriedades nutricionais (rica em proteínas e carboidratos), fácil cultivo e rendimento por área plantada, pode ser considerada o alimento do futuro e, portanto, a demanda mundial tem crescido continuamente nas últimas décadas bem como sua produção, principalmente, nos países em desenvolvimento.

Em 2010, o Brasil assumiu o 15ο lugar na produção mundial, sendo o maior produtor dentre os países da América Latina. A produção brasileira em 2012 foi de 3,5 milhões de toneladas (t) em uma área de cerca de 130 mil hectares (ha), com rendimento (produtividade por área) de 26,81t/ha. Dados do IBGE, de 2000 a 2012, apontam aumento constante da produção e do rendimento por área, apesar da redução da área plantada (Figura 1).

Embora o País tenha posição de destaque entre os países produtores da América Latina, o Brasil ainda apresenta baixa produtividade em comparação com os países da Ásia, América do Norte e Europa, que pode ser justificada, entre outros fatores, pela falta de cultivares adaptadas às condições climáticas e pelas doenças que afetam a cultura.

Sugestão de legendas:

Figura 1 - Dados de produção de batata, produtividade e área plantada no Brasil de 2000 a 2012

Figura 2 - Tubérculo de batata da cultivar Ágata com sintoma de sarna comum

Confira o artigo na edição 84 da revista Cultivar Hortaliças e Frutas.

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