Manejo de daninhas resistentes em soja

Manejo integrado com rotação de culturas e defensivos são recomendações eficazes para controle do problema

22.06.2020 | 20:59 (UTC -3)

O mau uso da tecnologia e a aplicação repetida de herbicidas com mesmo mecanismo de ação tem ajudado a aumentar a pressão de seleção de resistência de plantas daninhas nas lavouras brasileiras. A retomada do manejo integrado, com rotação de culturas e de defensivos, é uma das principais recomendações para auxiliar a prevenir o encurtamento da vida útil das ferramentas de controle e evitar agravamento da situação.

Os sistemas de produção agrícola brasileiros são bastantes diversificados de uma região para outra, porém, o manejo de plantas daninhas, de uma forma geral, se baseia na utilização do glifosato e de culturas tolerantes a este herbicida, haja vista a ampla aceitação da soja geneticamente modificada para tolerância ao glifosato (Soja RR), mais tarde o algodão RR e posteriormente o milho RR.

O uso do glifosato em área total sobre a cultura já estabelecida trouxe maior praticidade no manejo de plantas daninhas, pelo fato de se tratar de um herbicida de amplo espectro de controle, sem fitotoxicidade observável e com inumeras opções de produtos comerciais no mercado.

O sucesso da tecnologia e o barateamento do custo de manejo de plantas daninhas levou o glifosato a situação de único herbicida utilizado em culturas como a soja, tornando desnecessário o uso de pré-emergentes e demais parceiros do glifosato em pós-emergência. A utilização do glifosato repetidamente ao longo dos anos, no entanto, atuou como pressão de seleção sobre a comunidade infestante, resultando na seleção de biótipos de plantas daninhas resistentes a este herbicida, como azevém (Lolium multiflorum), buva (Conyza spp.), capim-amargoso (Digitaria insularis) e capim-branco (Chloris spp.). Ainda, espécies como as cordas-de-viola (Ipomoea spp) e capim-pé-de-galinha (Eleusine indica) se tornaram muito difíceis de manejar apenas com o uso do glifosato.

Buva (Conyza spp.)

As espécies de Conyza de maior importância no Brasil são C. canadensis, C. bonariensis e C. sumatrensis, sendo as duas primeiras predominantes. A primeira se diferencia morfologicamente das outras espécies, no entanto C. bonariensis e C. sumatrensis apresentam menor grau de diferenciação entre si. A principal distinção morfológica entre as espécies é a inserção das inflorescências e a margem das folhas, embora outros caracteres morfológicos possam ser considerados na identificação, como por exemplo, maior ramificação na parte superior do caule (C. canadensis), ramos laterais mais altos que as inflorescências (C. bonariensis) e regressão de tamanho das folhas superiores em relação as inferiores (C. sumatrensis).

A incidência de buva em lavouras de soja representa um grande desafio, uma vez que são poucos os herbicidas pré e pós-emergentes eficazes no controle.
A incidência de buva em lavouras de soja representa um grande desafio, uma vez que são poucos os herbicidas pré e pós-emergentes eficazes no controle.

Há constatação de resistência de biótipos de Conyza em mais de 20 países e para diversos mecanismos de ação de herbicidas, como EPSPs (glifosato), FSI (paraquat / diquat), FSII (atrazina, diuron) e ALS (Chlorimuron / imazethapyr). Além de resistência multipla entre os mecanismos de ação ALS + EPSPs, ALS + FSII e EPSPs + FSI. Estes casos de resistência fazem com que a buva seja uma planta daninha de difícil controle nos sistemas conservacionistas de solo, com alto uso de herbicidas a base de glifosato.

Para um bom manejo de espécies de buva na cultura da soja  é recomendada uma boa dessecação e plantio no limpo, uma vez que poucos são os herbicidas pré e pós-emergentes eficazes no controle de Conyza spp. e seletivos para a cultura da soja. Uma das opções com maior eficácia na dessecação é a aplicação de glifosato associado ao 2,4-D ou chlorimuron, com aplicação sequencial de saflufenacil, paraquat, amônio-gluphosinato ou paraquat + diuron. Em pré-emergência pode ser utilizado diclosulan ou flumioxazina, sendo a dose baseada na textura de solo da área. Em pós-emergência da cultura as opções são fomesafen (Protox), cloransulan (ALS), chlorimuron (ALS) e imazethapyr (ALS), sendo os três últimos inúteis em áreas com presença de populações de buva com resistência múltipla aos herbicidas inibidores da ALS e glifosato. Em áreas de integração lavoura-pecuária, a densa camada de palhada depositada sobre o solo dificulta a emergência desta espécie. Outra alternativa é a rotação de culturas, que pode proporcionar o uso de outros mecanismos de ação de herbicida, como por exemplo o milho, que na safrinha possibilita o emprego de herbicidas na temporada de maior incidência desta espécie, impedindo sua reprodução e redução na ocorrência durante as próximas safras. Portanto, a associação de diferentes métodos de controle proporciona maior eficácia e tem por objetivo obter maior sustentabilidade através do manejo integrado.

Capim-Amargoso (Digitaria insularis)

O primeiro caso relatado sobre um biótipo de capim-amargoso resistente ao glifosato veio do Paraguai, no ano de 2005, e no Brasil o primeiro caso foi relatado em 2008. Em ambos os casos a espécie apresenta biótipos resistentes apenas para herbicidas inibidores da EPSPS e foram encontradas nas culturas do milho e da soja, além do girassol no Paraguai. Contudo, a resistência do capim-amargoso pode ser confundida com a maior tolerância a herbicidas na planta após sua perenização (formação de rizoma), uma vez que a suscetibilidade da população a herbicidas reduz nos estádios avançados de desenvolvimento.

Presença de capim-amargoso em área de cultivo de soja.
Presença de capim-amargoso em área de cultivo de soja.

Como controle alternativo alguns herbicidas pós-emergentes se destacam, como por exemplo, os herbicidas inibidores da ACCase (quizalofop, haloxifop, clethodim e sethoxydim). Estudos mostram que o uso isolado ou em associação com o glifosato dos herbicidas quizalofop, haloxifop, clethodim e sethoxydim, quando aplicados em estádios iniciais, se mostram excelentes alternativas de controle para o capim-amargoso resistente. No entanto, a utilização massiva de herbicidas inibidores da ACCase no controle de D. insularis pode elevar a pressão de seleção, fazendo com que tal estratégia de controle seja comprometida, devendo-se adotar outras práticas de controle.

Também foram observados bons resultados no controle de capim-amargoso resistente (3 a 5 perfilhos) na utilização de herbicidas como paraquat isolado ou em associação com diuron e amônio-glufosinato, sendo realizados como aplicação sequencial ao herbicida glifosato. Além disso, o controle químico associado ao uso de plantas de cobertura pode ser uma estratégia promissora para o manejo de capim-amargoso. Assim, fica claro que a recomendação para o manejo de capim-amargoso não é única e pontual, já que as melhores práticas envolvem o conhecimento sobre o comportamento dessa planta daninha na área durante todo o ano.

De forma geral as dessecações envolvendo flumioxazina, trifluralina, imazethapyr e s-metolachlor são opções de manejo das sementeiras de capim-amargoso. Os herbicidas flumioxazina e s-metolachlor são também opções para as aplicações em pré-emergência da cultura de soja. Invariavelmente, na pós-emergência da cultura, os herbicidas inibidores da ACCase já citados também são opções de manejo em associação ao glifosato. Há de se frisar que se todo ano ocorrer o uso de inibidores da ACCase na dessecação de plantas perenizadas e na pós-emergência da soja, haverá perda também desta opção de manejo, pela possível resistência múltipla entre inibidores da ACCase e glifosato no caso do capim-amargoso.

Capim-branco (Chloris spp.)

O capim-branco (Chloris polydactyla, sin: Chloris elata) é outra planta daninha que, semelhante ao capim-amargoso, era encontrada de forma mais esparsa e em áreas sem manejo, mas sua importância nas áreas de soja vem aumentando.

A espécie também apresenta tolerância a vários herbicidas, havendo necessidade de aumentar a dose do herbicida glifosato para controle efetivo em estádios mais avançados, mesmo em biótipos suscetíveis. O primeiro relato de capim-branco resistente ao herbicida glifosato no Brasil em áreas de soja ocorreu em 2014, o que pode explicar o rápido aumento em frequência e densidade da espécie.

O uso de herbicidas em pré-emergência (chlorimuron-ethyl, clomazone, diclosulan, imazethapyr, s-metolachlor, sulfentrazone e metribuzin) se mostra eficaz no controle de capim-branco resistente ou suscetível. Já em pós-emergência, estudos mostram que os herbicidas haloxyfop-p-methyl e fenoxaprop-p-ethyl tem sido os mais eficazes no controle da espécie. Para o controle de capim-branco, pode-se dizer que o manejo não pode ser único e pontual, sendo necessária atenção ao comportamento da planta daninha e dos herbicidas ao longo de todo o ano.

De forma geral o manejo do capim-branco se assemelha muito ao do capim-amargoso, sendo que o uso preventivo de herbicidas residuais em áreas de soja e uma maneira de prevenir infestações de ambas estas espécies.

Azevém (Lolium multiflorum)

O primeiro relato de azevém resistente no Brasil foi em 2003 em pomares e na cultura da soja, apresentando resistência ao glifosato. Foram também encontrados no país biótipos de Lolium multiflorum resistentes a herbicidas inibidores da ALS na cultura do trigo, além de resistência múltipla aos herbicidas clethodim (inibidor da ACCase) e glifosato nas culturas do milho, soja e trigo em 2010.

Entretanto, os herbicidas inibidores da enzima ACCase, como haloxyfop e quizalofop, ainda são muito utilizados no controle de azevém resistente ao glifosato na dessecação (pré-semeadura) de culturas como a soja, desde que, seja ajustada a dose do herbicida ao estádio fenológico da planta, A aplicação complementar com paraquat, independentemente da dose, do herbicida e do estádio fenológico do azevém também se constitui em uma prática viável.

Outra prática valida é a utilização de sucessão de culturas, o que pode reduzir significativamente o banco de sementes na área. Dessa forma, fica claro que o manejo de Lolium multiflorum na cultura da soja requer atenção e medidas conjuntas, como rotação de mecanismos de ação de herbicidas e rotação de culturas, com objetivo de prevenção e controle efetivo de biótipos resistentes a herbicidas.

O azevém com problemas de resistência múltipla entre inibidores da ACCase e glifosato já é uma realidade em áreas do Sul do pais, o que aponta claramente para a chance de se desenvolver o mesmo problema para as plantas daninhas capim-pé-de-galinha (Eleusine indica) capim-branco (Chloris spp) e capim-amargoso (D. insularis).

A associação de mais de um método de controle aumenta significativamente a eficácia de manejo de daninhas e traz benefícios a médio e longo prazos.
A associação de mais de um método de controle aumenta significativamente a eficácia de manejo de daninhas e traz benefícios a médio e longo prazos.

Considerações gerais

O sistema agrícola baseado na utilização do glifosato e de culturas resistentes a princípio proporcionou alta praticidade e flexibilidade no manejo de plantas daninhas na cultura da soja. No entanto, a seleção de diversas espécies resistentes, sejam monocotiledôneas ou dicotiledôneas, e a diversidade dos sistemas agrícolas, inviabilizou o manejo baseado unicamente nesse método.

Com a diversidade da comunidade infestante, é mais apropriado para obtenção de um bom controle de plantas daninhas a associação de métodos químicos e culturais, como a utilização de herbicidas residuais, adubos verdes, culturas de cobertura, e rotação de culturas.

A utilização de herbicidas pré-emergentes tornou-se fundamental para que o manejo químico proporcione boa eficácia de controle na cultura da soja, além de reduzir as perdas de produção decorrentes da mato-competição no início do ciclo da cultura.

A utilização da palhada pelo sistema de plantio direto, além do consórcio entre culturas e a rotação de culturas com adubos verdes tem por objetivo reduzir a pressão causada pelo banco de sementes existente na área, uma vez que dificultam a emergência de inúmeras espécies, e inviabilizam a germinação ao longo do tempo.

A associação de mais de um método de controle aumenta significativamente a eficácia de manejo e traz benefícios a médio e longo prazo. O manejo integrado, em que se faz a associação de diferentes práticas objetiva obter alta eficácia de controle de espécies de plantas daninhas resistentes a herbicidas, uma vez que proporcionam melhor controle, além de dificultar o estabelecimento e, consequentemente, a reprodução das plantas daninhas na cultura, a médio e longo prazo oferecendo maior sustentabilidade à atividade agrícola.

O uso descontrolado de inibidores da ALS para o controle de buva, bem como de herbicidas inibidores da ACCase no controle de gramíneas deve ser repensado pelo agricultor antes de selecionar em suas áreas biótipos com resistência múltipla destes mecanismos de ação com o glifosato.


Acácio Gonçalves Netto, Ednaldo Alexandre Borgato, Maiara Maria Franzoni, Pedro Jacob Christoffoleti, Esalq/Usp; Marcelo Nicolai, Agrocon Assessoria Agronômica


Artigo publicado na edição 207 da Cultivar Grandes Culturas.

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