Manejo do brusone na cultura do arroz

Restrito inicialmente a áreas próximas ao litoral ou à beira de regiões montanhosas, o complexo da brusone se encontra atualmente disseminado pela maioria das regiões produtoras de arroz no Brasil

11.08.2017 | 20:59 (UTC -3)

A expectativa produtiva do setor orizícola a ser confirmada nesta safra é da ordem de 12,35 milhões de toneladas do grão, 5,1% maior que na safra passada, praticamente sobre a mesma área cultivada, em função de condições climáticas e de manejo (Conab, 2014). No entanto, a confirmação destes patamares produtivos sofreu a interferência de doenças sobre a cultura, vindo a reduzir quantitativamente a produção, bem como qualitativamente, através da depreciação da qualidade final do grão do arroz.

Neste sentido, a brusone tem alcançado maior representatividade sobre a grande maioria das áreas cultivadas com arroz. A espécie do patógeno responsável ainda não é unanimidade frente aos micologistas que estudam o assunto. No entanto, trabalhos mais recentes são categóricos em afirmar que se trata do Complexo Magnaporthe (Choi, J. 2013), fase teleomórfica do gênero, onde sua fase anamórfica ganha a denominação de Pyricularia.

Dentro do gênero Magnaporthe existem cinco espécies: M. salvinii, M. grisea, M.oryzae, M. poae e M. rhizophila. As duas últimas infectam somente raízes das gramíneas hospedeiras. Já M. salvinii, M. grisea e M. oryzae têm habilidade de afetar colmos e folhas dos hospedeiros, além de alguns relatos dessa última infectar também por meio das raízes. A diferença é que M. salvinii produz esclerócios sobre os tecidos atacados enquanto M. grisea e M. oryzae não apresentam a mesma estrutura (Zhang, N. 2011). Essas duas últimas são as espécies mais representativas para a cultura do arroz e ambas podem ser responsáveis pela inoculação e geração dos sintomas característicos de brusone, por isso denominado de Complexo Magnaporthe (Choi, J. 2013).

Anteriormente, essa doença estava restrita a áreas próximas ao litoral ou à beira de regiões montanhosas, onde as condições climáticas eram favoráveis ao progresso acelerado do patógeno. Atualmente, está presente em praticamente todas as áreas produtivas do País, inclusive no interior do estado do Rio Grande do Sul, onde a pressão se encontrava abaixo do nível de dano. O aumento do potencial produtivo dos materiais e consequente queda na rusticidade, aliado à dispersão de inóculo pela semente e sua permanência nos restos culturais, é fator responsável por esta “interiorização" do patógeno.

Em regiões de sequeiro ou mesmo áreas irrigadas nas regiões tropicais (Tocantins, Roraima etc) os sintomas da brusone passam a se manifestar a partir das primeiras folhas da planta de arroz. Nas folhas estabelecidas os sintomas caracterizam-se pela formação inicial de pequenas lesões necróticas de coloração marrom, rodeadas por um halo amarelado. Após, evoluem para manchas alongadas com formato típico de diamante, com bordos irregulares e de coloração marrom, com centro grizáceo. Em condições favoráveis ao patógeno, as lesões coalescem, podendo causar morte de folhas ou da planta inteira. No colmo, a infecção pode bloquear a circulação de seiva, provocando a quebra no ponto de infecção e, consequentemente, o acamamento da planta. Além disso, a infecção pode começar no colar, onde a lâmina da folha entra em contato com o colmo, causando necrose na junção destas duas estruturas, produzindo inóculo para a infecção de ráquis e grãos. No nó da base da panícula, a infecção, também conhecida como “brusone de pescoço", provoca enegrecimento desta região e obstrução no transporte de seiva, resultando em panículas esbranquiçadas, enfezadas e chochamento total dos grãos.

É importante salientar que os sintomas na base da panícula não necessariamente resultarão da infecção presente na folha do arroz, pois a fonte de inóculo pode ser do micélio ou conídio nos restos culturais, plantas daninhas ou lavouras de curta e média distância, se as condições permitirem. Assim, o ponto-chave para a infecção do patógeno no “pescoço" e seu manejo passa pelo entendimento da época vulnerável da planta à infeção do fungo, que compreende todo período entre final do emborrachamento e emissão das panículas. Durante esta fase, qualquer chegada de inóculo, seja produzido pela lesão da folha ou não, irá depositar-se sobre a folha bandeira e o molhamento encarrega-se de movimentá-lo até o interior da bainha, onde encontrará o ambiente ideal para iniciar a infecção no nó da base da panícula – “pescoço". Qualquer posicionamento químico após a emissão total da panícula terá o intuito somente de reduzir a produção de inóculo que chegará na ráquis ou nos grãos (Figura 1).

Figura 1 – Porcentagem (%) de incidência de brusone na base da panícula (“pescoço") devido ao atraso no posicionamento químico

Desta forma, se as condições adequadas para a infecção estiverem satisfeitas, como temperaturas diurnas entre 25ºC e 28oC e noturnas entre 17ºC e 23oC, UR acima de 90%, nebulosidade elevada e longos períodos de molhamento foliar, a ocorrência de brusone será notada, mesmo com baixa infestação na folhagem. O contrário também será verdadeiro, sendo observada a lesão nas folhas e baixa infecção no “pescoço". Além disso, estresses causados por fornecimento intermitente de água, aliados a desequilíbrio nutricional (principalmente excesso de nitrogênio no início do ciclo) e associados à elevada população de plantas, também são fatores que aumentam a sensibilidade do arroz à brusone. No caso do descrédito desta interação, mesmo a aplicação do fungicida não será suficiente para reduzir a taxa de progresso do patógeno sobre os tecidos do hospedeiro, resultando em grandes quebras (Figura 2).

Figura 2 - Porcentagem (%) de incidência de brusone na base da panícula (“pescoço") em função de densidade de plantas e kg de N/ha.

Este fungo, em especial, possui algumas características no processo de infecção que o diferenciam da grande maioria dos causadores de doenças em plantas. Com o início do processo de germinação do patógeno sobre os tecidos do hospedeiro, há formação do tubo polínico e posterior apressório que produz compostos diferentes dos demais. Neste processo, o fungo sintetiza biopolímeros a partir de compostos fenólicos, formando a melanina. Assim, passa a ser biossintetizada nas paredes do apressório, formando a hifa de infecção para a penetração na epiderme do hospedeiro (Figura 3). Essa é uma característica essencial à patogenicidade, conferindo vantagens adaptativas em condições inadequadas de infecção e aumentando a virulência do patógeno (Suryanarayanan, 2004), visto que indivíduos mutantes que não produzem melanina não causam brusone. Além do Complexo Magnaporthe, patógenos do gênero Colletotrichum sp. também fazem da melanina um componente fundamental do seu processo de patogenicidade (Rodrigues, 2006).

Figura 3 - Mecanismo de penetração do apressório de Pyricularia oryzae em epiderme de arroz (adaptado de Kurahashi, 2001).

De acordo com o Comitê de Ação à Resistência de Fungicidas (Frac), 2013, alguns produtos têm a habilidade de impedir a biossíntese desse tipo de componente, causando a morte do patógeno. Esses mecanismos de ação são responsáveis pela redução ou desidratação enzimática na rota de biossíntese da melanina DHN (polímeros de 1,8-dihydroxynaphthalene), sendo, portanto, os principais sítios alvo (Quadro 1).

Quadro 1 – Fração do quadro de classificação de fungicidas de acordo com o mecanismo de ação (Frac, 2013)

Mecanismo de ação

Código e Sítio Alvo

Nome do Grupo

Grupo Químico

Nome Comum

I: Inibição da biossíntese de melanina (MBI's)

I1: redutase na biossíntesede melanina

MBI-R (inibidores da biossíntesede melanina - redutase)

isobenzeno-furanone

fthalide

pyrrolo-quinolinone

pyroquilon

triazolobenzo-thiazole

tricyclazole

I2: desidratase na biossíntesede melanina

MBI-D (Inibidores da biossíntesede melanina-dehydratase)

cyclopropane-carboxamide

carpropamid

carboxamide

diclocymet

propionamide

fenoxanil

Mecanismo de ação

Código e Sítio Alvo

Nome do Grupo

Grupo Químico

Nome Comum

I: Inibição da biossíntese de melanina (MBI's)

I1: redutase na biossíntesede melanina

MBI-R (inibidores da biossíntesede melanina - redutase)

isobenzeno-furanone

fthalide

pyrrolo-quinolinone

pyroquilon

triazolobenzo-thiazole

tricyclazole

I2: desidratase na biossíntesede melanina

MBI-D (Inibidores da biossíntesede melanina-dehydratase)

cyclopropane-carboxamide

carpropamid

carboxamide

diclocymet

propionamide

fenoxanil

De todos os produtos citados no Quadro 1, o tricyclazole é o ingrediente ativo (i.a.) de maior comercialização para controle de brusone e sua ação é relatada entre os compostos 1, 3, 8 Trihidroxynaphtalene (THN) e Vermelone (Figura 4). Plantas de arroz foram tratadas com este i.a. e observou-se que a germinação e o início do desenvolvimento do apressório não sofreram alterações, porém, a melanização foi reduzida, diminuindo a patogenicidade e coloração de cinza-escuro para marrom-claro. Além disso, ocorreu acúmulo de Scytalone, evidenciando que a continuação do processo de biossíntese foi interrompida a partir dali (Rodrigues, 2006).

[U1]

Figura 4 – Rota biossintética da melanina (adaptado de Kurahashi, 2001)

Além destes grupos de fungicidas, vale lembrar que alguns i.a. dos grupos dos triazóis e estrobilurinas também são eficazes quanto à supressão desta doença, especialmente quando posicionados preventivamente e dentro de um programa de proteção foliar associado às estratégias de manejo para reduzir as condições adequadas ao estabelecimento e avanço do patógeno sobre a planta.

Legendas

Figura 1 – Sintomas de brusone em plantas de arroz no estádio reprodutivo

Figura 2 – Sintomas de lesões coalescidas de brusone em folhas de arroz

Figura 3 – Sintomas de brusone na base da panícula (“pescoço") no arroz

Confira o artigo na edição 181 da Grandes Culturas.

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