Manejo do percevejinho Lygaeidae em soja

Inseto demanda investigação para identificar potencial de danos na cultura e estratégias corretas de manejo

12.08.2020 | 20:59 (UTC -3)

Comum em plantas de girassol e em daninhas, pequeno percevejo da família Lygaeidae tem causado apreensão entre sojicultores no Paraná. Ainda sem dados conclusivos que possam identificar o potencial de danos na cultura, inseto demanda investigação.

A partir da segunda quinzena de outubro de 2016 os pesquisadores da equipe de Entomologia da Embrapa Soja receberam consultas de agricultores e engenheiros agrônomos da região centro ocidental e norte central (IBGE) do Paraná referente à ocorrência de um pequeno percevejo em soja. Até o momento no Paraná foram registradas três reclamações de ocorrência em Jussara, duas em Maringá, uma em Sarandi, uma em Campo Mourão, uma em Arapongas e outra em Londrina. Os relatos de ocorrência desse inseto têm sido também comuns em diferentes grupos de WhatsApp dos quais os pesquisadores da Embrapa Soja eventualmente participam. Esses relatos têm preocupado os sojicultores e levado a algumas aplicações de inseticidas para controle da praga, muitas vezes precipitadamente. 

Quanto à identificação do inseto, analisando as imagens recebidas suspeitou-se tratar de um percevejo da família Lygaeidae, o que foi confirmado por um especialista dessa família, o taxonomista Alexandre Silva de Paula, da Universidade Federal de Ouro Preto. Insetos coletados no Paraná estão sendo enviados para de Paula a fim de ser identificada a espécie. O taxonomista adiantou que provavelmente se trata de um percevejo da subfamília Orsillinae, da família Lygaeidae. É um inseto bastante pequeno com cerca de 4 mm de comprimento que se desloca rapidamente e habitualmente fica sobre o solo, embaixo da palhada, restos de culturas ou protegido em plantas daninhas. No Paraná já é conhecida a ocorrência desses percevejos dos gêneros Nysius e Xionysius, os quais pertencem a família Lygaeidae, subfamília Orsillinae, comumente associadas à cultura do girassol e a diversas plantas daninhas da família Asteraceae. Os levantamentos de insetos associados à cultura da soja, realizados pela Embrapa Soja ao longo dos anos, indicam que esse percevejo ocorre nas lavouras de soja do Paraná, porém, habitualmente em baixa densidade populacional.

Percevejo da família Lygaeidae escondidos na plalhada na lavoura de soja
Percevejo da família Lygaeidae escondidos na plalhada na lavoura de soja

Alguns dos relatos de ocorrência da praga que chegaram até a Embrapa Soja associam o ataque do inseto à ocorrência de amarelecimento e morte de plantas jovens de soja, porém podem existir outros fatores que causam morte de plantas na fase inicial do desenvolvimento da lavoura de soja, não sendo possível afirmar que o percevejo Lygaeidae esteja causando danos significativos a essa cultura. É importante considerar que durante o mês de outubro de 2016 houve poucas chuvas ou chuvas irregulares com elevadas temperaturas, que podem estar associados a diversos eventos que provocam mortalidade de plantas de soja. Em outros casos, é relatada apenas a ocorrência de pequenas pontuações nas folhas, sem plantas mortas. Porém, na maior parte dos casos não foram relatadas injúrias que possam indicar algum prejuízo às plantas de soja ou perda de produtividade. A presença desse percevejo em soja está associada à ocorrência de manchas escuras sobre as folhas e cotilédones, as quais são as fezes dos insetos. Além disso, o que tem chamado atenção dos agricultores é a elevada densidade populacional do percevejo na lavoura de soja. Alguns desses agricultores já realizaram aplicação de inseticidas para o controle desse percevejo, apesar de não haver evidências concretas de que sua presença na lavoura de soja cause perdas de produtividade à cultura. Porém é importante que seja investigado com detalhamento científico a interação desse percevejo com a soja, para determinar se há potencial de causar danos à cultura.

Com o objetivo de determinar os danos desse percevejo à soja, no dia 1º de novembro foi recebida, na Embrapa Soja, uma amostra de insetos vinda de Sarandi, Paraná, os quais foram infestados em plantas de soja em casa-de-vegetação. Até o momento não foram observados, em condições controladas, os sintomas de morte de plantas constatadas em campo, ou seja, ainda não é possível afirmar que esse inseto causa morte de plantas de soja. Além disso, no dia 11 de novembro pesquisadores da Embrapa Soja visitaram áreas infestadas com a praga na região de Londrina para uma melhor visualização e caracterização da ocorrência desse percevejinho nas lavouras. Nessa ocasião, plantas de soja expostas ao inseto foram coletadas e posteriormente analisadas em laboratório. Nessas plantas foram observadas picadas de alimentação dos insetos nos cotilédones, mas quase nenhuma picada foi observada nas hastes ou folhas mais novas da soja. Isso indica que o potencial de dano do inseto é muito baixo e que o produtor deve evitar aplicações de inseticidas nessa fase inicial da cultura.

Percevejo da família Lygaeidae se abrigando em plantas de buva
Percevejo da família Lygaeidae se abrigando em plantas de buva

Dos casos notificados para a Embrapa Soja até o momento, em dois, um de Maringá e outro de Sarandi, o inseto ocorreu em maior intensidade em locais infestados com nabiça, uma planta daninha da família Brassicaceae. É possível que esse inseto tenha se multiplicado anteriormente em plantas daninhas e está agora utilizando a soja como fonte complementar de alimento e abrigo, devido à ausência de plantas hospedeiras preferenciais. É importante levar em consideração que, por ocasião da semeadura da soja, é realizada a dessecação das plantas daninhas presentes na área, eliminando assim praticamente toda a vegetação. No entanto, no caso da nabiça o processo de morte é lento e a planta permanece com tecidos verdes por mais tempo que as demais plantas antes de morrer. Isso pode estar contribuindo para a maior ocorrência desse inseto associado a nabiça, assim, é importante verificar por meio de pesquisas científicas qual o papel da nabiça e da soja na sobrevivência dos percevejos e se essas plantas permitem o seu desenvolvimento e reprodução, ou se a multiplicação do inseto depende de outras plantas que ocorreram anteriormente à semeadura da soja.

Em outro caso, em Jussara, Paraná, o agricultor relatou maior ocorrência do percevejo em locais infestados com marcelinha, uma planta daninha da família Asteraceae. Nesse caso, considerando o que se conhece até o momento sobre plantas hospedeiras típicas desse percevejo, é mais provável que a marcelinha possa estar contribuindo efetivamente para a multiplicação desse percevejo, bem como, outras plantas dessa família, por serem consideradas hospedeiras preferenciais.

A semeadura da soja nas regiões em que tem sido observado o percevejo Lygaeidae ocorreu no final de setembro e início de outubro e os agricultores têm observado o inseto no final de outubro, cerca de quatro semanas após a emergência da soja. Nesse contexto, é importante investigar detalhadamente cada caso a fim de analisar se o percevejo está se mantendo em alguma planta daninha ou se de fato está atacando a soja. Nas observações iniciais feitas pelos pesquisadores da Embrapa Soja, esses insetos estão atacando mais as folhas cotiledonares e pouco ataque pode ser observado nas hastes ou folhas mais novas da soja, indicando que a oleaginosa pode estar mais servindo com uma fonte suplementar de água. Também, relatos da Emater (Informativo Semanal MIP/MID de 6 a 11/11/2016) indicam que lavouras de Jussara, Maringá e Sarandi onde havia sido relatada a ocorrência de infestações desse percevejinho, nessa semana já não foram mais encontrados exemplares em campo.

Com o desenvolvimento das plantas de soja, possivelmente a ocorrência desse inseto tende a ser de menor importância. Portanto é necessária cautela na tomada de decisão de controle, pois aplicações de inseticidas nesta fase da cultura poderão causar mortalidade de agentes de controle biológico importantes, desequilibrando o agrossistema, podendo acarretar mais problemas com pragas devido a eliminação desses artrópodes benéficos. Além disso, os produtos mais usados para controle desses “percevejinhos” são os mesmos utilizados para os percevejos pragas da soja no período reprodutivo. O uso antecipado desses produtos pode agravar ainda mais os problemas com resistência dos percevejos da soja aos inseticidas utilizados que já é observado na atualidade. Portanto, a recomendação é que o produtor não aplique prematuramente inseticida para controle dessa praga visto que a planta de soja é bastante tolerante a esse “percevejinho”. Na literatura, o dano dessa praga é apenas relatado quando superpopulações migram das plantas daninhas para as culturas de importância agronômica. Por isso, um agrônomo deve ser sempre consultado para melhor avaliação da área e uma correta adoção de manejo de praga e também de plantas daninhas na sua propriedade.

 

Samuel Roggia, Edson Hirose, Daniel Ricardo Sosa-Gomez, Adeney de Freitas Bueno, Embrapa Soja; Beatriz Spalding Corrêa-Ferreira, Pesquisadora aposentada da Embrapa Soja


Artigo publicado na edição 211 da Cultivar Grandes Culturas.

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