Manejo integrado da lagarta falsa-medideira em soja

Dentro do conjunto de medidas integradas para manejar a praga, uso de inseticidas reguladores de crescimento constitui ótima opção

02.01.2020 | 20:59 (UTC -3)

Caracterizada pelo hábito de se locomover dobrando o corpo, em decorrência de apresentar apenas dois pares de falsas pernas na região abdominal e um na caudal, a lagarta falsa-medideira tem sido responsável por sérios prejuízos em lavouras de soja ao longo das últimas safras. Dentro do conjunto de medidas integradas recomendadas para manejar a praga, o uso de inseticidas reguladores de crescimento constitui ótima opção, por se tratar de produtos seletivos para os inimigos naturais e apresentarem maior efeito residual em comparação aos convencionais.

Adulto Pseudoplusia includens
Adulto Pseudoplusia includens
Pseudoplusia includens
Pseudoplusia includens

As lagartas conhecidas popularmente como falsas-medideiras são as que apresentam maior potencial para causar danos na soja, em razão da sua voracidade no consumo foliar e do comportamento na cultura, uma vez que as lagartas ficam normalmente alojadas na parte baixeira e mediana da planta, o que dificulta o seu controle. Esse grupo de pragas pertence à subfamília Plusiinae, compreendendo basicamente duas espécies: Crhysodeixis includens e Rachiplusia nu. A espécie R. nu tem sido observada com maior frequência na Região Sul do Brasil (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), enquanto C. includens é encontrada em todas as regiões tradicionais de cultivo da soja bem como nas áreas atuais de expansão da cultura (Nordeste e Norte). Estas lagartas são comumente denominadas de falsas-medideiras pelo hábito de se locomoverem dobrando o corpo como que se medindo palmos, em decorrência de apresentarem apenas dois pares de falsas pernas na região abdominal e um na região caudal. Essa é uma característica importante na identificação da lagarta falsa-medideira que a distingue das outras espécies de lagartas desfolhadoras de ocorrência na cultura da soja, que apresentam quatro pares de falsas pernas na região abdominal, além de um na região caudal.

Os ovos de C. includens são globulares, de coloração branca, translúcidos e brilhantes logo após a oviposição, mas tornam-se de coloração marrom-clara por ocasião da eclosão da larva. As fêmeas depositam seus ovos normalmente na superfície inferior das folhas de soja de forma individualizada, apresentando a fêmea uma fecundidade média de 700 ovos. As lagartas pequenas (até o 3º instar) alimentam-se apenas de folhas mais tenras e novas e que apresentam baixo teor de fibra, porém, quando estão mais desenvolvidas podem se alimentar de folhas mais velhas e fibrosas, sem, no entanto, consumirem as nervuras, conferindo às folhas atacadas um aspecto rendilhado, o que caracteriza a injúria causada pela lagarta falsa-medideira. Períodos de seca favorecem o desenvolvimento desta lagarta e, nestas condições, pode ocorrer alta infestação e intensa desfolha nas plantas de soja, caso a praga não seja detectada e controlada a tempo.

Tanto as lagartas pequenas quanto as grandes de C. includens são frequentemente observadas alimentando-se no terço médio e inferior das plantas de soja, situação esta que dificulta o seu controle através das pulverizações com inseticidas, uma vez que o alvo torna-se mais difícil de ser atingido. Próximo à fase de pupa, as lagartas diminuem ligeiramente de tamanho, apresentam os segmentos do corpo bem distintos e uma coloração mais clara. Na fase de pupa o inseto permanece dentro de uma teia construída com fios de seda, que demora de um a dois dias para ser tecida, em contato com a superfície da folha de soja. A pupa mede aproximadamente 16mm, tem coloração verde e período de desenvolvimento de, aproximadamente, sete dias, quando então emerge o adulto.

Até a safra 2001/2002, a lagarta falsa-medideira apresentava baixa ocorrência em soja e era até então considerada uma praga de importância secundária na cultura, para a qual raramente medidas de controle eram necessárias. Todavia, após essa safra, grandes mudanças ocorreram nos sistemas de produção de soja do Brasil, como a detecção da ferrugem-asiática em 2001, o que exigiu uma maior aplicação de fungicidas para o controle dessa doença. Posteriormente, foi autorizado o cultivo da soja transgênica RR, resistente ao glifosato, que também conduziu a um maior número de aplicações deste herbicida para o controle de plantas daninhas na cultura. Tanto os fungicidas empregados no controle da ferrugem quanto o herbicida glifosato aplicado na soja RR afetam negativamente o desenvolvimento de fungos benéficos, como é o caso de Nomuraea rileyi (doença-branca). Estes fatos, associados ao emprego de inseticidas não seletivos na cultura, são considerados os principais fatores que condicionaram a mudança do status de C. includens de praga secundária para praga primária em soja. Este fenômeno é ecologicamente reconhecido como erupção de pragas secundárias, onde uma determinada espécie de pouca importância passa para o status de praga principal nos cultivos. Diante deste novo cenário, com a ocorrência de altas populações da lagarta falsa-medideira nas lavouras de soja, os inseticidas deixaram de ser usados com base nas amostragens do inseto nas lavouras, desrespeitando-se os níveis de ação preconizados pela pesquisa, e as pulverizações passaram a ser realizadas com base em critérios subjetivos, sendo estas, muitas vezes, calendarizadas.

O sucesso do manejo integrado de pragas na cultura da soja tem como base as estratégias e táticas empregadas no controle de lagartas, especialmente durante os estádios iniciais de desenvolvimento da cultura. Todas as tecnologias empregadas no manejo fitossanitário da lavoura devem sempre buscar o equilíbrio biológico no agroecossistema. Como princípio básico, é preciso ter a consciência de que nem todos os organismos que causam desfolha na soja necessitam de controle, já que a cultura também tolera certos níveis de desfolha ou de pragas sem que haja redução significativa da produção. Desta forma, as lagartas devem ser controladas quando forem encontradas, em média, 20 lagartas grandes (igual ou maior que 1,5cm) por metro de fileira de soja ou quando a desfolha atingir 30% antes da floração e 15% tão logo apareçam as primeiras flores. O seu controle não deve ser realizado empregando-se inseticidas não seletivos, visto que, nestas condições, poderá ocorrer alta mortalidade de inimigos naturais, prejudicando assim a ação do controle biológico natural no agroecossistema. Também não se recomenda a aplicação preventiva de inseticidas em mistura com dessecantes, herbicidas e fungicidas, pois, além de ambientalmente incorreta, a aplicação desnecessária desses produtos pode aumentar o custo de produção da lavoura. Na escolha do inseticida, deve-se levar em consideração a toxicidade, o efeito sobre inimigos naturais e o custo por hectare. Além disso, o mesmo ingrediente ativo não deve ser usado em duas aplicações sucessivas, com objetivo de prevenir o surgimento de resistência do inseto ao produto químico utilizado. Informações sobre os inseticidas recomendados para o manejo da lagarta falsa-medideira estão contidas nas recomendações de inseticidas da Reunião de Pesquisa de Soja da Região Central do Brasil (RPSRCB), disponível no site da Embrapa Soja (http://www.cnpso.embrapa.br).

Após ou durante o fechamento da soja, os inseticidas reguladores de crescimento constituem ótima opção para o controle de lagartas, pois são considerados produtos seletivos para os inimigos naturais e apresentam maior efeito residual em comparação aos produtos convencionais. O controle químico da falsa-medideira tem sido relativamente difícil, por se tratar de uma espécie mais tolerante às doses de inseticidas normalmente recomendadas para a lagarta-da-soja. Além disso, vários princípios ativos atualmente registrados para o seu controle estão se mostrado ineficientes. Os inseticidas pertencentes ao grupo de carbamatos e diamidas são, em geral, os mais promissores para serem empregados no controle da lagarta falsa-medideira.

Outra estratégia importante a ser empregada no manejo de lagartas na soja é ter sempre em mente que, quanto mais tempo for possível retardar a primeira aplicação de inseticidas na cultura, maior será a probabilidade de sucesso do manejo integrado de pragas na cultura. Essa atitude proporciona condições para o estabelecimento dos primeiros inimigos naturais no agroecossistema, os quais se multiplicam sobre a primeira geração de lagartas, que se estabelecem na cultura. É comum observar um aumento na população de inimigos naturais no campo ao longo do ciclo da cultura, quando o manejo de pragas é realizado de forma adequada.

Na safra 2014/2015 a primeira desfolhadora a surgir nas lavouras de soja foi a lagarta-da-soja, A. gemmatalis. Após certo período a população da lagarta falsa-medideira começou a aumentar, depois se igualou em ocorrência à lagarta da soja e após o início do estádio reprodutivo da cultura predominou na cultura. Nesta ocasião, vários produtores relataram a dificuldade de controle dessa praga na cultura da soja, e alguns dos problemas relatados por eles foram a ineficácia dos inseticidas aplicados, bem como a tecnologia de aplicação empregada.

O uso de plantas resistentes, sejam elas transgênicas ou não, com o objetivo de manejo de uma determinada praga, é considerado a base do manejo integrado. As plantas transgênicas que expressam proteínas Bt constituem tecnologia bastante promissora para ser empregada no controle de lagartas na cultura da soja. É de conhecimento público que a soja que apresenta a tecnologia Bt possui bom controle da falsa-medideira, mas tem se mostrado pouco efetiva para as lagartas do complexo de Spodoptera. Essa tecnologia deve ser considerada como uma tática a mais a ser integrada com as diferentes estratégias do manejo de lagartas na soja, pois mesmo com a redução da aplicação de inseticidas químicos em consequência do uso da soja Bt, outros desfolhadores continuarão a ser ameaça na cultura. Por outro lado, a utilização exclusiva da soja com tecnologia Bt nas áreas de cultivo, poderá proporcionar o desenvolvimento de lagartas resistentes às proteínas Bt, podendo inviabilizar essa tecnologia em curto prazo, especialmente em razão de o material expressar apenas uma proteína (Cry1Ac). Para que não ocorra o desenvolvimento de resistência das lagartas à soja transgênica Bt e, consequentemente, prolongar a vida útil dessa tecnologia, é imprescindível a implementação de áreas de refúgios nas unidades de produção agrícola. Assim, recomenda-se a adoção de refúgios estruturados em pelo menos 20% da área cultivada com o transgênico Bt, utilizando-se nestas áreas materiais convencionais (não Bt) que apresentam fenologia, ciclo e manejo semelhantes ao material transgênico. Nas áreas de refúgio, o controle de lagartas deverá ser realizado sempre que o inseto atingir o nível de controle.

Figura 1 - Adulto (A) e lagarta (B) de Chrysodeixis includens (lagarta falsa-medideira)
Figura 1 - Adulto (A) e lagarta (B) de Chrysodeixis includens (lagarta falsa-medideira)

Pragas em soja

A soja é uma das principais commodities de exportação no Brasil, cultivada desde o Rio Grande do Sul até o extremo das regiões Norte e Nordeste do país e ainda com perspectivas de expansão de sua área plantada para novas fronteiras. Somente na safra 2013/2014 foram cultivados cerca de 30,2 milhões de hectares de soja no País, proporcionando uma produção de aproximadamente 86,1 milhões de toneladas (Agrianual, 2015). Apesar desse elevado potencial de produção de grãos, a cultura pode ser atacada por pragas desde a emergência das plantas até a fase de maturação fisiológica. Já nos estádios iniciais de desenvolvimento da cultura, as lagartas que atacam a parte aérea das plantas começam a surgir nas lavouras, podendo persistir até a fase final de enchimento dos grãos. As principais espécies de lagartas desfolhadoras com potencial de danos na cultura, especialmente na região Centro-Oeste, são: a lagarta-da-soja, Anticarsia gemmatalis; a lagarta falsa-medideira, Chrysodeixis includens; a lagarta-das-maçãs, Heliothis virescens; as lagartas de Helicoverpa armigera e aquelas do gênero Spodoptera, tais como S. frugiperda, S. cosmioides e S. eridania


Crébio José Ávila, Embrapa Agropecuária Oeste; Eunice Cláudia Schlick Souza, CNPq/Fundect


Artigo publicado na edição 191 da Cultivar Grandes Culturas. 

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