Manejo integrado do bicudo-do-algodoeiro

Entre as medidas para controle estão a destruição de soqueiras, respeito ao vazio sanitário e aplicação racional de inseticidas

10.03.2020 | 20:59 (UTC -3)

Velho conhecido dos agricultores, o bicudo é um inseto causador de sérios prejuízos à cultura do algodão. Seu controle passa pela integração de medidas conjuntas, adotadas regionalmente e de modo integrado, como a destruição de soqueiras, respeito ao vazio sanitário e aplicação racional de inseticidas.

Há mais de 30 anos que o bicudo (Anthonomus grandis) está presente nas lavouras de algodão do Brasil, com graves prejuízos e aumento de custos. Trata-se de uma praga de grande importância econômica devido à sua rápida capacidade reprodutiva, ao elevado poder de destruição e sempre deverão ser consideradas as dificuldades para seu controle efetivo. 

O adulto do bicudo é um besouro que mede entre 3mm  e 8mm de comprimento e 2mm e 3mm de largura. A cor dos adultos varia de marrom-avermelhado para os recém- emergidos e castanho-escuro para os envelhecidos. Os adultos do bicudo apresentam nas tíbias do primeiro par de patas, duas esporas (aristas), uma maior que a outra. Os olhos e o bico são escuros e as antenas apresentam 12 segmentos.

As fêmeas colocam, em media, 150 ovos em botões florais. O período de incubação é de três dias. Os ovos, as larvas e as pupas são encontrados no interior dos botões florais e nas maçãs. As larvas passam por três instares de crescimento que duram, em média, oito dias, são brancas, sem patas, encurvadas e, quando crescidas, apresentam entre 5mm e 7mm de comprimento. A seguir, as larvas transformam-se em pupas e, após cinco dias, surgem os adultos. O ciclo de vida de ovo a adulto transcorre em aproximadamente 19 dias, podendo ocorrer cinco gerações por safra.

Os adultos se alimentam preferencialmente em botões florais, mas na sua ausência ou sob forte pressão populacional, as maçãs são também atacadas. Ao introduzir o bico, o adulto produz orifícios de alimentação e postura nos botões florais e nas maçãs. Sobre o orifício de postura a fêmea deposita uma substância cerosa recobrindo a cavidade, visível e sentida pelo tato. Os botões florais e as maçãs pequenas atacadas caem ao solo contendo larvas em desenvolvimento. No interior dos botões florais e nas maçãs as larvas e pupas se desenvolvem protegidas, em grande parte, da ação dos agentes de mortalidade natural. Na fase de maturação da cultura do algodão, os adultos do bicudo acumulam reservas de gordura, que lhes possibilitam sobreviver por longos períodos. Ao final do ciclo da cultura, os adultos se dirigem para as áreas que permanecem vegetadas (matas, cerrados, furnas, outras culturas etc), existentes nas proximidades da área cultivada. Nesses locais de refúgio reduzem suas atividades, alimentando-se esporadicamente de grãos de pólen das diferentes espécies vegetais existentes no local. É quase sempre alto o índice de mortalidade dos adultos no período de entressafra, mas sempre sobreviverá uma quantidade suficiente de besouros para reinfestar as safras seguintes. Quanto mais extenso for o período do vazio sanitário, menor será a sobrevivência da praga. Contudo, é preciso sempre considerar que as densidades populacionais infestantes dependerão, principalmente, da maior ou menor presença de soqueiras e/ou tigueras nos ambientes produtivos do algodão.

As plantas recém emergentes exercem atração aos bicudos sobreviventes de entressafra. Os primeiros adultos do bicudo que chegam às lavouras antes da emissão dos botões florais agregam-se mais nas bordaduras. Inicialmente, os adultos se alimentam das partes vegetativas das plantas (folhas, pecíolos e gema apical), enquanto aguardam o surgimento dos botões florais, que aparecem a partir dos 30 dias, para a maioria das variedades. Até o início do florescimento o inseto se movimenta pouco, permanecendo em faixas concentradas das bordaduras, mas a partir desta fase o bicudo começa o processo de dispersão por toda lavoura e áreas vizinhas

Manejo

No Brasil o bicudo é a principal praga do algodoeiro em quase todas as áreas produtoras. E, com maior freqüência, observam-se prejuízos crescentes provocados pela praga, e muitas lavouras nos cerrados apresentam-se, no final do ciclo da cultura, com o terço superior das plantas danificados pelo bicudo.

Os agricultores brasileiros estão conscientes da importância que o bicudo representa para a continuidade sustentada da cotonicultura. Estão surgindo iniciativas, geralmente lideradas pelas associações de produtores, de modelos regionais de controle do bicudo através de programas práticos para controlar a praga. Esses planos estão focados em ações coletivas, considerando que o descontrole local da praga afeta toda a vizinhança produtora. O sucesso desses planos depende da participação e adesão dos produtores e dos técnicos que orientam as lavouras, para que haja uniformização dos procedimentos. Para execução desses planos as armadilhas contendo feromônio são dispositivos importantes com o objetivo de identificar e quantificar, através da captura de adultos, a população imigrante do bicudo nas lavouras recém-implantadas. As armadilhas deverão ser instaladas no perímetro dos talhões, a intervalos aproximados de 200m, e colocadas cerca de pelos menos 30 dias antes da semeadura, permanecendo vistoriadas até plena emissão dos botões florais. As leituras das capturas de adultos nas armadilhas deverão ser semanais, sendo os dados utilizados para se estabelecer os planos de aplicação de inseticidas a partir do surgimento dos primeiros botões florais. A captura média, igual ou maior que dois adultos/semana, determinará a necessidade de três aplicações a intervalos de três a cinco dias, após o surgimento dos primeiros botões florais.

Para as áreas reconhecidamente infestadas pelo bicudo as táticas de manejo estão estruturadas em medidas técnicas fundamentais como: semeadura concentrada por região, em até 30 a 40 dias; aplicações de inseticidas nas bordaduras (30m) a partir da 2ª folha expandida até a fase de primeira maçã firme, a intervalos de cinco a sete dias; três aplicações de inseticidas a partir do surgimento dos primeiros e pequenos botões florais, a intervalos de três a cinco dias. A seguir, o monitoramento da lavoura, com frequência semanal, deverá ser realizado através da vistoria de 250 botões florais/talhão, um botão floral/planta com aproximadamente 0,6cm de diâmetro, anotando-se a ocorrência de orifícios de alimentação ou postura. O nível de controle para decidir o momento das aplicações deverá ser de até 5% de botões florais atacados pelo bicudo.

Os adultos são a única fase de vida exposta à ação dos inseticidas, sendo estes produtos as principais armas para o controle da praga. Vários grupos químicos de inseticidas poderão ser aplicados alternadamente, como: organofosforados, carbamatos, piretroides etc. Os inseticidas nas formulações UBV e também em aplicações BVO têm apresentado melhores resultados no controle do bicudo. O acréscimo de óleo de algodão nas aplicações pode favorecer a mortalidade da praga.

 O estabelecimento regional do vazio sanitário, com ausência real de plantas de algodão, e a destruição efetiva da soqueira devem ser entendidos como obrigações coletivas e fundamentais para a diminuição dos prejuízos provocados pelo bicudo. Fatores como a baixa umidade ambiental e do solo afetam a qualidade de destruição das socas através de métodos mecânicos e/ou químicos, havendo necessidade de repasses posteriores. A resistência comum ao glifosato nas culturas de soja, milho e algodão, tem acrescentado dificuldades e limitado as opções de controle das tigueras e socas.

Os restos culturais de algodão que sobrarem nas áreas reterão grande parte dos adultos que permanecerão refugiados nesses talhões durante a entressafra,  constituindo-se em potenciais fornecedores de bicudo para todas as futuras lavouras de algodão. O preparo antecipado do solo em talhões com histórico de altas infestações de bicudo provoca  efeito “desalojador” dos adultos remanescentes na área, que saem em busca de refúgios. As operações de aração e gradeação reduzem parcialmente a população por mortalidade e minimizam o efeito de foco que esses talhões exercem entre as lavouras de algodão. Nas sucessões ou rotações, as soqueiras e tigueras de algodão que permanecerem vegetando nos talhões com soja ou milho serão mantenedoras, reprodutoras e fornecedoras de bicudo para as lavouras de algodão das proximidades. Cenário que está se tornando bastante comum nas regiões que cultivam o algodão, constatando-se que as maiores infestações de bicudo para as novas lavouras procedem de áreas cultivadas anteriormente com algodão. As lavouras de soja que sucedem o algodão deverão receber vistorias para a detecção de soqueiras e tigueras de algodão sobreviventes, que deveriam ser prontamente eliminadas. Quando essas lavouras de soja vão finalizando o ciclo, e principalmente na colheita, ocorrerão fluxos crescentes de adultos do bicudo invadindo as áreas de algodão. Esses fluxos deverão ser monitorados e efetivamente combatidos. As plantas tigueras e as soqueiras de algodão precisam ser rapidamente eliminadas no início do estabelecimento das culturas de soja ou milho. Deve-se evitar o plantio de milho após a cultura do algodão por potencializar o grau de infestação do bicudo para as lavouras de algodão vizinhas.

Aplicações de inseticidas no final do ciclo da cultura, o estabelecimento de faixas de soqueiras iscas (plantas brotadas) para atração e combate do bicudo com aplicações sequenciais, a observação do vazio sanitário e a instalação do tubo mata-bicudo contribuem como medidas complementares para a redução populacional da praga para as safras seguintes.

Danos, larvas e pupas do bicudo em maçãs
Danos, larvas e pupas do bicudo em maçãs
Adulto do bicudo
Adulto do bicudo


Walter Jorge dos Santos, especialista em bicudo-do-algodoeiro, pesquisador do IAPAR 


Artigo publicado na edição 197 da Cultivar Grandes Culturas. 

Compartilhar

Mosaic Biosciences Março 2024