Manejo químico em milho safrinha

Confira alguns fatores que podem contribuir para melhores resultados na segunda safra do milho

26.12.2019 | 20:59 (UTC -3)

A obtenção de altas produtividades em milho, sem perda de qualidade, passa pelo manejo correto durante todo o ciclo da cultura. Híbrido adequado para a condição de clima da região e época de semeadura, o ajuste populacional, o manejo de pragas, a escolha de fungicidas, as épocas e o número de aplicações são alguns fatores que podem contribuir para melhores resultados na segunda safra.

O milho é o cereal de maior volume de produção no mundo. O Brasil ocupa posição entre os principais produtores e exportadores mundiais. Por ser uma planta C4, o milho é um dos cereais com maior potencial de produção de grãos. Esta característica, aliada às suas propriedades bromatológicas, o torna de grande importância como fonte de energia para alimentação humana e principalmente animal. A estimativa da produção brasileira na safra 2013/14 é de 79 milhões de toneladas (Conab, 2014) e o principal destino desta produção é o consumo animal, correspondendo a 58% deste volume e 78% do mercado interno de milho (Figura 1). Dentre os segmentos consumidores de milho no Brasil, os que mais consomem são a avicultura e a suinocultura (Figura 1). Estes setores são exigentes com a qualidade do milho, pois o cereal é responsável por aproximadamente 2/3 dos ingredientes usados na alimentação e tem efeito direto nos índices produtivos dos animais.

A produção brasileira de milho tem aumentado nos últimos anos, principalmente pela ampliação das áreas de cultivo e incremento de produtividade na 2ª safra, também conhecida como “safrinha”. A partir da safra 2011/12 a produção de milho 2ª safra superou a 1ª safra (Figura 2). O cultivo do milho na 2ª safra tem alguns benefícios, como: possibilidade de realização de duas safras por ano, redução do custo da adubação pelo aproveitamento dos nutrientes disponibilizados pela soja (principalmente N), aproveitamento de máquinas da propriedade, diluindo os custos fixos, rentabilidade quando comparada com outras culturas de inverno e garantia de comercialização da produção. Porém, esse sistema de cultivo em monocultura, aliado ao ambiente favorável, promove aumento nas doenças necrotróficas, como helmintosporiose (Exserohilum turcicum), cercosporiose (Cercosporazeae-maydis), pinta-branca (Pantoea ananatis), fusariose (Fusarium moniliforme e F. verticillioides) e diplódia (Stenocarpella macrospora e S. maydis), causando lesões em folhas, podridões em espigas e colmos.

Os estados de Mato Grosso e Paraná são os dois principais produtores de milho na 2ª safra. Porém, o Paraná tem enfrentado problemas relacionados à qualidade de grãos de milho, em função da instabilidade climática e a possibilidade de ocorrência de geadas e chuvas na fase de pré-colheita dos grãos. A maior parte da produção de milho paranaense é destinada à alimentação animal.

A Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol), localizada no oeste do Paraná, tem sofrido com a instabilidade da 2ª safra de milho, 100% do milho produzido pelos seus associados é consumido nas integrações de aves, suínos, bovinos e peixes. Da necessidade de melhorar a qualidade do milho, a Copacol desenvolveu nos últimos anos uma série de experimentos em seu Centro de Pesquisa Agrícola (CPA Copacol) para identificar as causas da má qualidade do milho recebido na 2ª safra.

Os principais fatores de manejo que interferem na produtividade e na qualidade de grãos na 2ª safra estão relacionados à genética, ao manejo de doenças, ao ajuste populacional e ao manejo de pragas. Na Tabela 1 estão sumarizados os resultados de um experimento conduzido com 49 híbridos distintos em função do manejo com fungicidas. Nas parcelas com fungicida, foram realizadas três aplicações dos produtos azoxistrobina + ciproconazol + propiconazol, nas doses de 80g de ingrediente ativo/há + 32g de ingrediente ativo/ha + 100g de ingrediente ativo/ha, respectivamente, nas fases de desenvolvimento da cultura: V8, VT e VT+20 dias.

Pode-se observar na Tabela 1 uma redução no peso de mil grãos (PMG) superior a 10%. A redução do PMG tem efeito direto sobre a redução de produtividade e ocorre devido à morte prematura das folhas das plantas pelo ataque dos patógenos (Figura 6). As folhas são o local em que ocorre a produção de fotoassimilados, que seriam translocados e resultariam no completo enchimento de grãos. Com a morte das folhas, a produção cessa e o enchimento dos grãos fica comprometido (Figura 7). Observa-se ganho médio dos 49 híbridos de 1.427kg/ha, sendo que para alguns híbridos esse acréscimo foi superior a 3.000kg/ha. Em outro experimento realizado em 2013 com dois híbridos e cinco populações de plantas com e sem fungicida (Figura 3), os ganhos em produtividade foram de 1.250kg/ha e 1.630kg/ha para os híbrido AG 9010 PRO e P 3340 H, respectivamente. A consistência dos resultados observados com a aplicação do fungicida pode ser explicada por ser a única estratégia adotada para o manejo de doenças no sistema de produção de milho na segunda safra.

A falência de colmo foi reduzida em 30% com a aplicação de fungicida no ensaio. Com o colapso das folhas, na tentativa de garantir a sobrevivência da espécie, a planta de milho realoca as reservas do colmo para suprir a demanda dos grãos. Com isso, os colmos ficam frágeis e suscetíveis ao tombamento, que pode resultar em perdas no momento da colheita. Ainda observa-se a menor umidade dos grãos no momento da colheita na área sem aplicação do fungicida. Isso ocorre devido à morte prematura das plantas, que interrompe antes o fluxo de água e nutrientes às espigas.

Além do incremento de produtividade, houve uma redução do teor de grãos avariados, reduzindo de 8% para 4,7% com a aplicação de fungicida, na média dos 49 híbridos. Em termos de redução percentual, isso significa um decréscimo superior a 40%. Neste ensaio houve também grande variação quanto aos híbridos, como pode ser observado na Figura 9. No ensaio conduzido em 2013 (Figura 3), ocorreu redução de 5,7% (19,4% para 13,7%) e 1,9% (5,8% para 3,9%) com aplicação de fungicida para os híbridos AG 9010 PRO e P 3340 H, respectivamente. A avaliação do teor de grãos avariados tem sido utilizada para caracterizar a qualidade do milho, pois teores elevados resultam em perda de valor comercial do milho para os produtores, além de complicações posteriores para produção de rações.

A presença de grãos avariados aumenta as chances da presença de micotoxinas nos grãos. A produção de micotoxinas pelo fungo depende das condições climáticas enfrentadas durante a colonização dos grãos. Quando ocorrem, as micotoxinas não podem ser eliminadas por processos industriais, recorrendo à utilização de adsorventes que aumentam o custo das rações. As principais micotoxinas presentes em grãos de milho são aflatoxinas (Aspergillus flavus), fumonisinas, micotoxinaT-2 e zeralenona (Fusarium spp.). Quando ingeridas pelos animais ocorre redução de ganho de peso, diarreia, problemas hepáticos, problemas reprodutivos e aumento da conversão alimentar, resultando em diminuição dos índices produtivos e perdas econômicas.

Apesar do teor de avariados ser utilizado para caracterizar a qualidade no momento da entrega dos grãos pelo produtor, não há correlação com bromatologia dos grãos, que tem implicação direta na fabricação de rações. Na Tabela 1 encontram-se os valores destas características, ocorrendo maiores teores de energia metabolizável e extrato etéreo (gorduras) e menor teor de proteína bruta nos grãos em que foi aplicado fungicida. Isso se explica com a morte prematura e o incompleto enchimento de grãos. A parte do grão que apresenta maiores perdas é o endosperma, pois tem formação posteriormente ao embrião. A concentração de proteína no embrião fica em torno de 18% contra 7% do endosperma. Quanto ao amido, as concentrações variam de 8% para o embrião e 80% para o endosperma. Assim, uma redução da relação endosperma/embrião resulta em aumento do teor de proteína e diminuição do teor de amido, principal contribuinte para a energia metabolizável do grão. Além do efeito da aplicação de fungicida, observou-se grande variação das características bromatológicas em função dos híbridos estudados. Os dados na íntegra podem ser acessados no site da Copacol/Agricultura/CPA. Como implicação industrial, grãos de milho com menor quantidade de energia metabolizável aumentam os custos para produção de rações em função da necessidade de complementação dessa energia com outros ingredientes como óleo de soja.

O ajuste populacional para cada híbrido é um importante fator de manejo para obtenção de altas produtividades de milho. Porém, o aumento da população de plantas eleva linearmente o teor de grãos avariados (Figuras 4 e 5). Este experimento foi conduzido em três locais, com dois híbridos diferentes pela equipe do CPA Copacol. O incremento do número de plantas por área favorece o estabelecimento de patógenos por criar um microclima mais favorável para o estabelecimento de doenças, além de aumentar a competição interespecífica (entre as plantas de milho), o que deixa o hospedeiro mais vulnerável à infecção. A elevação dos teores de grãos avariados ocorre também devido à formação de grãos menores na ponta da espiga, com enchimento incompleto, grãos estes que normalmente ficam mais sensíveis ao brotamento em condições de umidade e também ao ataque de fungos. Às vezes é necessário abrir mão da máxima produtividade em prol de grãos com padrão de qualidade.

Figura 6 – Efeito de perda de área foliar fotossinteticamente ativa em função de doenças, Híbrido Sprint TL, Cafelândia 2012
Figura 6 – Efeito de perda de área foliar fotossinteticamente ativa em função de doenças, Híbrido Sprint TL, Cafelândia 2012
Figura 7 – Efeito das doenças sobre o peso de mil grãos e diminuição da relação endosperma/embrião, Híbrido Sprint TL, Cafelândia, 2012
Figura 7 – Efeito das doenças sobre o peso de mil grãos e diminuição da relação endosperma/embrião, Híbrido Sprint TL, Cafelândia, 2012

Manejo de pragas 

O adequado manejo das pragas na 2ª safra é fundamental para obtenção de altas produtividades com qualidade de grãos. Os percevejos (Dichelops sp.) e lagartas (Spodoptera frugiperda) são os principais problemas. O ataque de percevejos gera plantas dominadas, que ficam mais suscetíveis a produzirem grãos avariados. O uso de ferramentas como a biotecnologia trouxe avanços importantes na melhoria da qualidade de grãos por evitar danos às espigas de milho (Figura 8). São porta de entrada para umidade e fungos na espiga.

Figura 8 - Lagarta (Spodoptera frugiperda) causando danos a espiga de milho
Figura 8 - Lagarta (Spodoptera frugiperda) causando danos a espiga de milho

Devido à destinação do milho brasileiro, o mercado tem penalizado os produtores que não atingem os padrões de qualidade, pois produto com baixa qualidade é um complicador para os cerealistas brasileiros. A obtenção de altas produtividades de milho sem perda de qualidade passa pelo manejo correto durante todo ciclo da cultura e é fundamental para o sucesso econômico na atividade. A escolha do híbrido adequado para a condição de clima da região e época de semeadura, o ajuste populacional, o manejo de pragas, a escolha dos fungicidas, as épocas e o número de aplicações são alguns fatores que podem contribuir significativamente para a melhoria da qualidade dos grãos de milho cultivados na segunda safra.


Tiago Madalosso, Fernando Fávero, Centro de Pesquisa Agrícola - Copacol 


Artigo publicado na edição 189 da Cultivar Grandes Culturas. 

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