Melado sem valor

Podendo afetar até 100% das plantas de um pomar, a mela do mamoeiro vem causando prejuízos na comercialização devido à depreciação qualitativa e comercial dos frutos.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Atualmente, o Brasil ocupa a terceira posição entre os países produtores de frutas, com uma produção de 43 milhões de toneladas/ano, sendo suplantado apenas pela China e pela Índia. Nesse contexto, a fruticultura no país apresenta-se como um segmento com ampla perspectiva de crescimento, devido às favoráveis condições edafoclimáticas oferecidas, especialmente pela região Nordeste, utilização de novas tecnologias, com a conseqüente expansão das áreas cultivadas, e, com o incremento da capacidade produtiva e do parque industrial, favorecendo sobremaneira a expansão do agronegócio.

O mamoeiro (

L.) é uma das fruteiras mais cultivadas e consumidas nas regiões tropicais e subtropicais do mundo possuindo frutos aromáticos, ricos em vitamina C, sendo amplamente utilizados em dietas alimentares. Segundo dados da FAO (2003), o Brasil é o maior produtor mundial de mamão com uma produção de 1,5 milhão de t/ano, contribuindo com cerca de 25% da produção global.

Bastante suscetível às viroses, a cultura vem sofrendo grandes perdas na produção, podendo chegar à destruição da totalidade das plantas afetadas. No geral, as plantas atacadas por vírus apresentam baixo desenvolvimento vegetativo, menor rendimento da produção, má qualidade de produtos e menor longevidade produtiva. A intensidade dos danos causados pelos vírus depende, logicamente, da resistência do hospedeiro, da virulência do patógeno e dos fatores ambientais favoráveis ao desenvolvimento da doença. O vírus da mancha anelar do mamoeiro (Papaya ringspot virus, PRSV), o vírus do amarelo letal do mamoeiro (Papaya yellowing lethal virus, PYLV) e o vírus da meleira do mamoeiro (“Papaya sticky disease virus”, PSDV), são os principais vírus que infectam o mamoeiro no Brasil.

Considerada atualmente como uma das principais doenças do mamoeiro, a meleira do mamoeiro vêm causando perdas de 30 a 40% na produção, podendo afetar até 100% das plantas em pomares nos estados da Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará, Goiás e Rio Grande do Norte. Recentemente a meleira também foi observada em plantios comerciais no estado da Paraíba, causando infecção mista em mamoeiros juntamente com o PRSV .

A doença caracteriza-se por intensa exsudação e escorrimento espontâneo de látex com consistência bastante fluida nos frutos, pecíolo e caule de plantas infectadas pelo vírus. Devido à oxidação, o látex escorrido escurece dando um aspecto ‘melado’ ou ‘borrado’, tornando os frutos imprestáveis para o comércio. Também podem ocorrer manchas claras na casca e na polpa dos frutos afetados. Em plantas jovens, antes da frutificação, podem ocorrer sintomas de necrose nos bordos das folhas mais novas, em decorrência da exsudação e oxidação do látex. Recentemente foram observados em plantios infectados com a meleira, localizados em nos Estados da Bahia e Pernambuco, novos sintomas associados à virose: exsudação e oxidação de látex nos bordos das pétalas das flores de mamoeiros em fase de floração e/ou frutificação, seguida de necrose. Os mamoeiros infectados pelo PSDV também exibiam sintomas de exsudação e oxidação do látex nas nervuras das folhas do ápice e terço mediano.

Atualmente a diagnose da meleira vem sendo efetuada a partir do monitoramento do pomar pela observação dos sintomas característicos, que se tornam mais evidentes durante a fase de frutificação. O treinamento de técnicos vinculados a órgãos de extensão, assistência técnica, defesa fitossanitária e produtores líderes, para o reconhecimento destes sintomas é de fundamental importância para o controle da meleira do mamoeiro. Outras medidas de controle recomendadas para a doença são: a utilização de mudas e sementes sadias, obtidas de pomares onde não ocorreu a meleira; a instalação do pomar em áreas sem a presença do vírus; manter o pomar livre de mato para evitar a multiplicação de insetos, possíveis vetores da doença, e promover a desinfecção dos instrumentos de corte utilizados nos tratos culturais e colheita, com detergente ou água sanitária, antes de trabalhar com a próxima planta. O longo período entre o plantio das mudas e a frutificação tem contribuído para a disseminação da doença, pela inexistência de um método de diagnose precoce, rápido e seguro. Esta lacuna acaba elevando consideravelmente as fontes de inóculo e retardando as ações de controle.

A erradicação de plantas infectadas pela meleira deve ser a medida mais efetiva a ser adotada. Esta prática é comum entre os agricultores mais esclarecidos (Nascimento et. al., 2001).

Em laboratório, a detecção da doença é realizada pela presença de dsRNAs em amostras de folhas, raízes e flores. Para isto, faz-se a extração de dsRNA baseado no método descrito por Dodds et al. (1984), com modificações nos volumes utilizados na extração, lavagens e eluição final, seguido de sua análise eletroforética em géis de agarose ou poliacrilamida. Neste método, gasta-se em média 48 horas até o resultado das análises.

Objetivou-se neste trabalho a simplificação do método de detecção da meleira, em laboratório, com substancial redução do tempo e de gastos na diagnose.

A metodologia descrita baseia-se na coleta e posterior análise eletroforética, em géis de agarose, do látex de mamoeiros em diferentes estádios de desenvolvimento, o que possibilita a diagnose precoce em plantas adultas antes da frutificação e até mesmo na fase de sementeira.

a) Em plantas com frutos:

A coleta do látex de plantas em fase de frutificação dá-se mediante picadas com agulha ou palito de dentes nos frutos. O látex, num volume aproximado de 90 microlitros, deve ser coletado em microtubos contendo ou não tampão fosfato de sódio (0,01 M, pH 7,0), pois o dsRNA é detectado igualmente em látex puro ou coletado em tampão. No campo, o látex coletado deve ser mantido a 4ºC e armazenado a -20ºC.

b) Em plantas adultas sem frutificação:

Em plantas onde não hajam frutos, coleta-se o látex do pecíolo, caule, axila ou nervuras das folhas, diretamente em microtubos contendo 30 microlitros de tampão fosfato de sódio (0,01 M, pH 7,0). No campo, o látex coletado deve ser mantido a 4ºC e armazenado a -20ºC.

c) Em mudas:

Em plântulas, o látex é extraído a partir do seccionamento do pecíolo, caule ou ainda da trituração de 0,5g de folhas novas. O material deve ser colhido diretamente em microtubos contendo 30 ?L de tampão fosfato de sódio (0,01 M, pH 7,0), sendo submetido à microcentrifugação de 11.750 g por 10 min. No campo, o látex coletado deve ser mantido a 4ºC e armazenado a -20ºC.

A análise das amostras é realizada em eletroforese, com a aplicação direta de 30 ?L do látex diluído em tampão fosfato 0,01 M, pH 7,0 (1: 1.5) ou sem diluição, em gel de agarose 1,2 %, corado com Brometo de Etídio sendo a corrida realizada entre 80 e 100 V, por três a quatro horas em tampão TBE (Tris Borato EDTA).

a) Caracteriza-se pela rapidez e precisão no diagnóstico de plantas infectadas pela meleira do mamoeiro, mesmo em plântulas a partir de dois meses de idade, tornando-se uma importante ferramenta no controle preventivo da doença;

b) Promove a redução do tempo de detecção da doença, bem como dos custos com as análises laboratoriais, pela supressão de reagentes de valor elevado utilizados nos métodos tradicionais de extrações de dsRNA. O tempo médio gasto para a diagnose da doença através deste método foi reduzido para aproximadamente cinco horas;

c) Permite avaliar com rapidez a suscetibilidade de genótipos de mamoeiro ao vírus;

d) Permite checar a presença da meleira em novas áreas;

e) Em laboratório, promove uma considerável redução da contaminação do ambiente causados pelo uso de compostos fenólicos e de outros reagentes tóxicos, utilizados em outros métodos de extração de dsRNA.

No Brasil, são exploradas cultivares pertencentes a dois grupos, Solo e Formosa, havendo praticamente predomínio das cultivares Sunrise Solo, Improved Sunrise Solo cv 72/12 e, mais recentemente, foi disponibilizado para os produtores o genótipo ‘Golden’, proveniente da seleção massal realizada em campos de produção de ‘S. Solo’, no estado do Espírito Santo. As cultivares do grupo Solo, amplamente utilizadas no mundo, são linhagens puras, isto é, material geneticamente uniforme, fixado por sucessivas gerações de autofecundação. Esta estreita base genética torna a cultura vulnerável ao ataque de pragas e doenças.

O mamoeiro cultivado está inserido na classe Dicotyledoneae, subclasse Archichlamydeae, ordem Violales, subordem Caricineae, família Caricaceae e gênero Carica. A família Caricaceae está dividida em 34 espécies distribuídas em cinco gêneros: Jacaratia (sete espécies), Jarilla (três espécies); Cylicomorpha (duas espécies); Horovitzia (uma espécie) e o gênero Carica, que possui duas seções: Vasconcella, com 20 espécies e Carica, com uma espécie (C. papaya L.). A espécie C. papaya L. é a única que possui valor comercial e é caracterizada por apresentar ovário unilocular, enquanto que as outras 20 espécies do gênero Carica possuem ovário, em sua maior parte, pentalocular, mas unilocular na sua parte superior.

O mamoeiro possui seu centro de origem no noroeste da América do Sul - vertente oriental dos Andes, ou mais precisamente, a Bacia Amazônica Superior, onde ocorre a máxima diversidade genética, caracterizando o mamoeiro como planta tipicamente tropical. O fato de ser uma das poucas frutíferas que produz o ano inteiro e necessitar de renovação dos pomares de quatro em quatro anos, no máximo, ressalta a sua importância socioeconômica, pois gera empregos e absorve mão-de-obra durante todo o ano.

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Embrapa Mandioca e Fruticultura

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