Morte fria

A geada causa vários prejuízos ao cafezal. Mas é possível enfrentá-la.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O nome “geada” é atribuído, na linguagem popular, a danos causados pelo frio a lavouras e plantas em geral, ou, mais freqüentemente, à formação de gelo sobre o solo e plantas. A “geada” (o nome vem de gelo ou congelamento), de fato pode causar enormes prejuízos aos produtores rurais. No Brasil, tradicionalmente os produtores de café são perseguidos por este fantasma, que em muitos casos já chegou a aniquilar a economia de regiões inteiras. Ainda hoje, a simples possibilidade de ocorrência de geadas nas regiões cafeeiras provoca oscilações violentas nas bolsas do produto por todo o mundo.

As geadas ocorrem durante os meses mais frios do ano, geralmente entre início de junho e início de setembro. Registros meteorológicos indicam que há um ciclo mais ou menos definido de 9 a 11 anos em que ocorrem as geadas mais fortes, aquelas que causam grandes prejuízos. A última geada forte foi em 1994 quando causou enormes prejuízos em diversas regiões do país.

Lendas e crenças

Muitos ainda acreditam que o perigo da geada ocorre de manhã, com os primeiros raios solares, que ao derreterem o gelo formado sobre as folhas, “queimariam” as plantas. Alguns produtores costumam atear fogo a pilhas de pneus nas manhãs de frio, acreditando que a fumaça possa impedir os raios solares de “queimar” a lavoura.

Na realidade sabe-se hoje que o sol não tem qualquer influência sobre o fenômeno e que até mesmo o fato de haver formação de gelo sobre as folhas não necessariamente significa que a planta será danificada.

O fenômeno da geada e seus efeitos sobre as lavouras de café foi amplamente estudado a partir da década de 1950 pelo Professor Ângelo Paes de Camargo, pesquisador do IAC. Até hoje, sua obra é a melhor referência sobre o tema.

Mecanismo de ação

O mecanismo de ação da geada sobre as plantas é simples e fulminante. Pode ser comparado ao que acontece a uma garrafa de cerveja colocada no congelador, imaginando-se que a cerveja é a seiva e que a garrafa são os vasos do vegetal. No caso da cerveja, que assim como a seiva é composta basicamente por água, o congelamento provoca um aumento de seu volume, característica inerente à água. Como o volume da garrafa permanece igual, o vidro se rompe permitindo o vazamento da cerveja. De forma semelhante, os vasos vegetais são rompidos durante o congelamento da seiva, destruindo o tecido e causando o dano.

Portanto, o prejuízo da geada é causado unicamente pelo congelamento das plantas. Freqüentemente não há sequer formação de gelo e lavouras inteiras são completamente destruídas. Já em outros casos a lavoura pode ficar completamente coberta por uma fina camada de gelo, sem que haja qualquer conseqüência para a cultura, já que algumas plantas, como é o caso do café, suportam temperaturas de até -3°C. Na verdade, a formação de cristais de gelo está relacionada com a umidade do ar.

O rápido resfriamento da atmosfera nas noites de geada é causado pela perda de calor por radiação, um fenômeno que se intensifica nas noites de céu claro. A vegetação que cobre o solo aumenta ainda mais esta perda de calor, pois funciona como um verdadeiro radiador de calor, retirando calor do ar e do solo e transmitindo-o ao espaço sideral em forma de radiação. Por este motivo, em noites de céu claro, nota-se muitas vezes grandes diferenças de temperatura entre a cidade e o campo.

O ar frio gerado neste processo, por ser mais denso, possui a tendência de se acumular nas baixadas. Por isso o cultivo neste tipo de terreno é considerado de alto risco.

A melhor forma de evitar os riscos da geada é aplicar algumas medidas preventivas, que geralmente são mais eficazes do que os métodos diretos:

1. Evitar o cultivo em baixadas e encostas baixas, em terrenos muito planos e extensos ou em bacias com gargantas estreitas à jusante da lavoura.

2. Não deixar vegetação alta e densa abaixo da lavoura. Quando não for possível remover toda a mata, fazer corredores para escoamento do ar frio.

3. Plantar árvores esparsas nas áreas mais sujeitas à acumulação de ar frio.

4. Manter a lavoura bem limpa, evitar uso de cobertura morta.

5. Manter a cultura bem adubada, principalmente com potássio.

6. Manter vales acima da lavoura, o mais fechado possível, com matas densas e altas, para evitar a invasão do ar frio.

7. Evitar vegetação rasteira acima da lavoura, como pastos com capim alto, que funcionam como verdadeiros radiadores naturais, gerando grande quantidade de ar frio.

Quando há risco?

Na chamada geada de radiação, o tipo mais comum no Brasil, o próprio produtor pode prever sua ocorrência com algumas horas de antecedência. As seguintes condições indicam risco de geada:

1. Céu claro.

2. Ausência de ventos.

3. Baixa umidade do ar.

4. Temperaturas baixas, já durante o dia.

5. Forte queda de temperatura a partir do início da noite (cerca de 1°C por hora ou mais).

Combate direto

Quando todas as medidas preventivas não são suficientes para evitar a geada, restam os métodos de combate direto tais como a irrigação e a nebulização.

A irrigação (por aspersão, alagamento, regador, etc.) deve ser iniciada assim que for constatado o risco de queda da temperatura até o nível letal, ou seja, algumas horas antes da ocorrência.

Já a nebulização é um método de combate direto que visa interromper a radiação de calor do solo e do ar para o espaço sideral. Seu efeito pode ser comparado ao de um espelho, que possui a propriedade de impedir a propagação de calor por radiação. Entre os métodos de nebulização mais utilizados estão a queima de serragem salitrada e o uso dos aparelhos termonebulizadores. O método da serragem salitrada foi muito utilizado no passado. Hoje em dia está praticamente abandonado devido à dificuldade de operação do processo e à enorme mão-de-obra envolvida.

Melhores resultados são obtidos com o uso dos aparelhos termonebulizadores, dentre os quais o mais conhecido é o Pulsfog K-35G, uma máquina de grande capacidade de nebulização, utilizada principalmente nas lavouras de café. Este aparelho possui um motor a gasolina do tipo “pulso-jato”, um tipo de motor de propulsão a jato puro (como os dos foguetes), que apresenta elevada potência, baixo peso e baixa manutenção. O calor dos gases de escape deste motor é utilizado para vaporizar uma mistura de óleo mineral (geralmente óleo diesel) e água.

Ao serem lançados na atmosfera, estes vapores condensam-se formando minúsculas gotas, invisíveis a olho nu, formando uma densa névoa branca que se assemelha a fumaça. Esta névoa, quando aplicada no momento adequado a partir do local adequado, reduz substancialmente o efeito de radiação descrito anteriormente, podendo manter a temperatura das plantas alguns graus acima do ponto letal, evitando ou reduzindo os efeitos da geada. Dependendo da topografia do terreno a ser protegido, um aparelho Pulsfog como este é capaz de tratar uma área de até 500 ha, equivalendo a centenas de tambores ou covas de serragem salitrada, além de poder ser facilmente operado por uma única pessoa. Vale lembrar que de nada adianta a queima de pneus, que comprovadamente não tem qualquer efeito sobre o fenômeno, além de consistir em uma enorme agressão ambiental.

Importantíssimo para a aplicação dos métodos diretos de combate à geada é o momento correto para o início do tratamento. No caso da nebulização com máquina termonebulizadora para combate à geada no café, o tratamento deve ser iniciado quando a temperatura atingir entre 3 e 2°C (positivos). Muito importante: esta temperatura deverá ser medida sempre no ponto mais baixo da lavoura, onde geralmente ocorrem as temperaturas menores.

Gunther Fouquet

Puls Fog

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