Nematoides em arroz: Problema à vista

Presença do nematoide das galhas Meloidogyne graminicola em lavouras de arroz irrigado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina acende sinal de alerta sobre o potencial de danos dessa ameaça silenciosa e oculta

15.03.2018 | 20:59 (UTC -3)

A produção mundial de arroz (Oryza sativa L.) atinge anualmente 700 milhões de toneladas. No Brasil, o Rio Grande do Sul se destaca como maior estado produtor, com área de 1,10 milhões de hectares destinadas ao cultivo de arroz irrigado, o que garante mais de 70% da produção nacional deste cereal. Apesar de os números se mostrarem expressivos, a demanda por aumento da produtividade das lavouras arrozeiras é cada vez mais constante, principalmente devido a importância social da cultura em relação a nutrição humana.

Embora esta demanda seja premente, diversos problemas de ordem fitossanitária apresentam capacidade para limitar o potencial produtivo da cultura do arroz irrigado. Dentre estes fatores, os nematoides parasitos de plantas podem destacar-se no cenário orizícola. Estes microrganismos são especializados em infectar e prejudicar o crescimento do sistema radicular das plantas. Um dos principais grupos envolvidos neste processo é o dos nematoides das galhas, considerado de maior importância econômica na agricultura mundial. Este grupo pode parasitar número superior a duas mil espécies de plantas, sendo já catalogadas mais de 100 espécies pertencentes ao gênero. 

Apesar da grande diversidade que compõe este grupo e das várias espécies que podem atacar a cultura do arroz irrigado, Meloidogyne graminicola é a mais presente e prejudicial nas diferentes partes do globo. Estimativas apontam que o impacto causado por esse nematoide em lavouras de arroz irrigado em países Asiáticos pode chegar a 80%.

Os sintomas relacionados à infecção causada por Meloidogyne sp. em arroz variam de acordo com o grau de resistência das plantas, com a densidade populacional do nematoide no solo e com as práticas de manejo utilizada nas lavouras. No entanto, os sintomas geralmente começam pela formação de galhas nas pontas das raízes (comumente conhecidas como cabo de guarda-chuva), que prejudicam significativamente o desenvolvimento do sistema radicular, refletindo na parte aérea e na fisiologia da planta.

 A infecção de nematoides nas raízes das plantas interfere diretamente no fluxo de absorção e transporte de água e nutrientes, podendo refletir em sintomas na parte aérea, tais como raquitismo, clorose, perda de vigor, retardo na maturação e redução no perfilhamento, o que prejudica o crescimento das plantas e pode causar redução substancial no rendimento da cultura.

Frente a essa situação, nos últimos anos o Instituto Phytus tem realizado levantamentos em lavouras de arroz irrigado no estado do Rio Grande do Sul em parceria com a Basf e com a FMC em Santa Catarina, a fim de estudar a distribuição deste nematoide em regiões produtoras. Para isso, foram coletadas 112 amostras contendo solo e raiz em diversas lavouras comerciais de 11 municípios produtores do estado gaúcho (Rosário do Sul, Uruguaiana, Formigueiro, Mata, São Sepé, Itaqui, São Vicente do Sul, Alegrete, São Pedro do Sul, São Borja e Jaguari), e cinco municípios do estado de Santa Catarina (Turvo, Ermo, Timbé do Sul, Meleiro e Rio do Oeste). Nessas lavouras coletou-se uma amostra composta de plantas de arroz e solo proveniente de pelo menos cinco pontos de cada área, efetuados em caminhamento zigue-zague. Após isso, as amostras foram levadas ao laboratório de nematologia do Instituto Phytus, para identificação e quantificação de nematoides.

Em laboratório as amostras coletadas foram submetidas a extração e a população estimada pela contagem, com uso de microscópio óptico. Determinou-se o número de nematoides em 200 cm³ de solo e em 10 gramas de raiz. Realizou-se a identificação de gênero através da montagem de laminas temporárias, seguida de observação, baseando-se em caracteres morfométricos de chaves taxonômicas.

De acordo com os resultados, praticamente todos os municípios amostrados em ambos os estados, apresentaram a presença do nematoide das galhas em diferentes densidades populacionais. Nas amostras do Rio Grande do Sul houve variação entre 10 a 4.370 juvenis em 200 cm³ de solo, e nas raízes de 10 a 14.800 juvenis em 10 g de raiz. Nas amostras coletadas no estado de Santa Catarina a variação foi de 170 a 1.590 juvenis em 200 cm³ de solo e de 1.050 a 18.420 juvenis em 10 g de raiz.

A média dos valores obtidos nos respectivos municípios demonstra uma variação populacional de 890 juvenis no solo e 1.810 nas raízes, referentes às amostras do estado do Rio grande do Sul. Nas amostras de Santa Catarina o valor médio foi de 540 juvenis no solo e 5.590 nas raízes (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Número médio de juvenis de Meloidogyne sp., encontrados em 200 cm³ de solo e 10 gramas de raízes nos diferentes municípios amostrados nos estados do RS e SC.

 Diante dos resultados prévios obtidos neste estudo verifica-se a elevada presença deste nematoide nas lavouras arrozeiras. Esses resultados levantam alguns questionamentos interessantes acerca dessa problemática. Uma das prováveis causas para a elevada ocorrência desse nematoide é o monocultivo de arroz com cultivares suscetíveis ao longo de anos, devido à dificuldade de se fazer rotação de culturas com plantas não hospedeiras, o que contribui significativamente para o rápido crescimento populacional desse nematoide no solo. Outra possível causa relaciona-se ao desconhecimento e a falta de diagnóstico do problema por técnicos e produtores, onde os danos causados pelo nematoide acabam não sendo vinculados, sendo os danos confundidos com outros eventos, tais como deficiências nutricionais, ataque de outros patógenos de solo (Orizophagos oryza- Bicheira-da-raiz), fitotoxidez causada por herbicidas ou até dano indireto por excesso de ferro no solo.

Apesar de serem conhecidos todos os sintomas citados, a planta de arroz possui mecanismos de “plasticidade”, que lhe possibilitam adaptar-se a condições específicas de cultivo, onde características morfológicas iniciais sofrem mudanças para possibilitar a adaptação da planta para superar determinada situação de estresse, sendo um mecanismo natural de defesa.  Em determinadas situações essa possível adaptação pode fazer com que os sintomas causados pelo ataque de nematoides sejam mascarados, não gerando reflexos na parte aérea, o que pode passar despercebido facilmente por produtores e técnicos.

Outra possível explicação para que os sintomas na parte aérea das plantas sejam pouco expressivos reside na aplicação da adubação nitrogenada, pois o efeito do nutriente incide sobre o crescimento do tecido da planta, estimulando o ciclo vegetativo e, por consequência, obrigando a planta a emitir novas raízes. Isso tende a ocultar ou reduzir os danos causados pelo nematoide das galhas. O fato desses microrganismos não serem visíveis a olho nú e os principais sintomas iniciais da problemática ocorrerem no sistema radicular das plantas, ambiente “subterrâneo” de difícil visualização, também dificultam a observação dos sintomas a campo.

Todos esses problemas de diagnose e identificação têm proporcionado condições favoráveis para o crescimento do nematoide das galhas nas áreas produtoras de arroz. Tendo em vista o potencial biótico deste grupo de nematoide e a alta capacidade de reprodução quando as condições ambientais são favoráveis, existe grande preocupação com o possível crescimento das populações nas lavouras de arroz irrigado.

É muito importante a correta diagnose dos sintomas na propriedade, para que seja realizada a identificação e adotadas práticas de manejo para conter o aumento populacional desse microrganismo. A capacidade de movimentação desse microrganismo no solo é relativamente baixa, portanto, tanto no sistema de cultivo convencional como no pré germinado, a água e os implementos agrícolas desempenham um papel crucial na disseminação dos nematoides, podendo promover a sua movimentação para áreas ainda isentas, aumentando a extensão do problema. 

Novos estudos deverão ser realizados nesta safra, com o objetivo de obter um panorama geral da distribuição desse nematoide nas lavouras arrozeiras dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Além disso, torna-se necessário mensurar os impactos causados no rendimento da cultura, bem como alternativas de manejo que possibilitem auxiliar os produtores na diminuição dos danos causados por esse nematoide, que é considerado uma praga silenciosa e oculta, mas que merece total atenção devido a possibilidade de acarretar queda de produção e depreciação de lavouras.

Paulo S. dos Santos e

Bruna Hettwer

Instituto Phytus

 Natalia Tobin Aita,

Leonardo Dill Gularte,

Felipe Frigo Pinto e

Ivan F. Dressler da Costa

Universidade Federal de Santa Maria

 Leandro Grimaldi Py

FMC

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