Novo desafio

Depois da morte súbita agora os citricultores se vêem frente ao ataque do greening, outra grave ameaça aos pomares brasileiro. Pesquisadores recomendam estratégias de manejo.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

No início de 2004 o Fundecitrus tomou conhecimento de uma nova doença que está afetando a citricultura paulista e que tem trazido enorme preocupação aos citricultores, pesquisadores e a todo setor citrícola. Com base nos sintomas observados e nas análises efetuadas, concluiu-se que a nova doença seja o Huanglongbing (HLB), também conhecido por Greening, que afeta a citricultura da Ásia e África.

O sintoma inicial aparece geralmente em um ramo ou galho de um mesmo ramo primário, normalmente setorizado na planta, que se destaca pela cor amarela em contraste com a coloração verde das folhas dos ramos não afetados. As folhas do ramo afetado apresentam coloração amarela pálida, com áreas de coloração verde, formando mosqueados, com casos de clorose internerval. É comum observar engrossamento e clareamento das nervuras da folha, que fica com aspecto corticoso. Com o passar do tempo, há intensa desfolha dos ramos afetados. Os sintomas podem aparecer em outros ramos da planta, tomando toda a copa da laranjeira, inclusive com surgimento de seca de ponteiros. Também é comum a ocorrência de sintomas de deficiências de zinco (Zn) e nitrogênio (N) nas folhas afetadas.

Frutos de ramos afetados são menores, deformados e assimétricos, que caem prematuramente. É comum a ocorrência de sementes abortadas. O fruto pode apresentar internamente maturação irregular, ou seja, ter um dos lados maduro (amarelo) e o outro ainda verde. Às vezes, aparecem pequenas manchas circulares verde-claras que contrastam com o verde normal do resto do fruto. Cortando-se um fruto afetado no sentido longitudinal, é possível verificar internamente filetes (que são feixes vasculares) alaranjados que partem da região de inserção do pedúnculo. A parte branca da casca (albedo), em alguns casos, apresenta uma espessura maior quando comparada com a de um fruto sadio.

Até julho de 2004 o problema já havia sido constatado nos municípios de Araraquara, Rincão, Luis Antônio, Tambaú, Itirapina, Matão, Boa Esperança do Sul, Taquaritinga, São Simão, São Carlos, Aguaí, Santa Rita do Passa Quatro, Brotas, Casa Branca e Avaré, nas variedades de copa Pêra, Natal, Valência, Hamlin, Lima, Westin, tangerinas Ponkan e Cravo e tangor Murcott, sobre os porta-enxertos de limão Cravo, citrumelo Swingle e tangerinas Cleópatra e Sunki. O problema tem sido observado em baixas ou altas incidências tanto em plantas em formação como em plantas em produção.

Visando o entendimento do problema e busca de solução, já foram implementadas as seguintes pesquisas por vários grupos e instituições: análise da distribuição espacial e evolução temporal da doença (análises epidemiológicas); análise química do solo e das folhas de plantas com e sem sintomas; análise ultraestrutural de plantas afetadas pela doença; visualização de possíveis patógenos presentes em plantas doentes por microscopia eletrônica; testes biológicos e moleculares para detecção de patógenos que possam estar envolvidos com a doença, tais como fungos, bactérias, vírus, nematóides, fitoplasma e espiroplasma; tentativas de transmissão do agente causal por enxertia, encostia e possíveis vetores; tentativas de identificação de possíveis vetores da doença; e, análise do efeito da poda na recuperação de plantas sintomáticas.

Com base nas análises epidemiológicas preliminares efetuadas por pesquisadores do Fundecitrus e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) verifica-se que nas pro-priedades afetadas parece haver um gradiente de doença, isto é, talhões com alta incidência de plantas com sintomas severos seguidos por talhões com média incidência, por sua vez seguidos de talhões com pequeno número de plantas doentes em estádio inicial. É comum observar talhões de plantas novas, de 2 a 3 anos de idade, com a doença iniciando a partir das bordas próximas a talhões mais velhos com alta incidência de plantas doentes, indicando que pode haver uma forte influência dos talhões afetados na disseminação da doença para novos plantios. Normalmente é observada uma maior concentração de plantas com sintomas nas linhas próximas aos carreadores, nas bordas dos talhões, ou formação de pequenas reboliras, sendo a distribuição aleatória das plantas doentes no interior do talhão. Este padrão de distribuição espacial das plantas doentes não é comum para doenças abióticas, não infecciosas, causadas por desbalanço nutricional, fitotoxidez provocada por defensivos ou mesmo manchas de fertilidade e umidade de solo. Ao contrário, sugere que a doença seja causada por um agente infeccioso, transmitido por algum vetor. Ainda não existem dados sobre a velocidade de progresso da doença e sua velocidade de disseminação, nem sobre o efeito do clima na disseminação da mesma, porém análises estão sendo efetuadas para melhor entender a epidemiologia da doença.

No tocante às análises química de solo e foliar, pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas constataram níveis adequados dos elementos químicos no solo, entretanto, nas folhas de plantas doentes foi observada deficiência de nitrogênio (N), boro (B) e cálcio(Ca), a qual é induzida pela doença. Com estes resultados descartou-se a possibilidade do problema ser causado por deficiência nutricional.

Análises ultraestruturais em microscopia eletrônica de varredura estão sendo efetuadas por pesquisadores da Esalq/USP em folhas, frutos e caule de plantas sintomáticas e assintomáticas, sendo verificada deposição de material amorfo no floema e no xilema das folhas, frutos e caules de plantas afetadas. Nos frutos dessas plantas também foi detectada degeneração de células do parênquima do xilema.

Pesquisadores da Esalq/USP detectaram no interior do floema de plantas doentes bactérias sem forma definida, característica do grupo de bactérias causadoras do HLB. Amostras de plantas doentes e sadias foram analisadas por testes moleculares até agora em dois laboratórios de pesquisa: o Centro APTA Citros Sylvio Moreira, de Cordeirópolis e o Institute Nacional de la Recherche Agronomique (INRA), Bourdeaux, França. A equipe de pesquisadores do Centro APTA detectou em algumas amostras de plantas doentes a bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus, agente causal da forma asiática do HLB. Por outro lado, a equipe de pesquisadores do INRA, em colaboração com o Fundecitrus, encontrou em todas as 43 amostras de plantas sintomáticas analisadas uma bactéria com nível de similaridade de 93,7% com a bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus e de 93,9% com a bactéria Candidatus Liberibacter africanus, agente causal da forma africana da doença. Segundo esses pesquisadores trata-se de uma nova espécie de bactéria causadora de HLB, denominada Candidatus Liberibacter americanus.

No tocante ao modo de transmissão, os pesquisadores acreditam que a nova doença seja transmitida por um vetor, o psilídeo Diaphorina citri, um pequeno inseto que mede cerca de 3mm e que é comum nos pomares brasileiros e na planta ornamental conhecida como murta (

). Essa hipótese é baseada na observação do HLB nos países asiáticos, região em que a doença é transmitida pelo mesmo inseto. A transmissão também pode ocorrer por borbulhas contaminadas, assim como por mudas contaminadas, que têm grande papel na disseminação da doença.

Com relação às estratégias de manejo, as pesquisas ainda estão no início, mas já é possível fazer algumas recomendações baseadas principalmente nas informações das duas formas de HLB - asiática e africana - conhecidas mundialmente. Cabe ressaltar que essa decisão envolve um certo risco, uma vez que ainda não se sabe como será o comportamento da nova doença no Brasil. As sugestões baseiam-se em três medidas:

1) Utilização de mudas sadias, produzidas em viveiros protegidos, que seguem a legislação fitossanitária;

2) Eliminação das plantas doentes assim que apresentem os primeiros sintomas, para que não sirvam de fonte de contaminação para outras plantas da mesma propriedade e dos vizinhos;

3) Realizar o controle químico do inseto vetor. Para pomares novos são recomendados inseticidas sistêmicos, via tronco ou solo. Já para pomares mais velhos são indicados neonecotinóides, fosforados ou piretróides.

Nesse caso a aplicação dá-se através de pulverização.

Por tratar-se de HLB, algumas considerações sobre essa doença são pertinentes. O HLB é uma doença de difícil controle. O agente causal é uma bactéria com crescimento limitado ao floema (vasos que distribuem a seiva elaborada), chamada Candidatus Liberibacter spp. Existem duas formas de bactérias causadoras do HLB: Candidatus Liberibacter africanus, associada à forma africana da doença, e Candidatus Liberibacter asiaticus associada à forma asiática. A transmissão ocorre por vetores, que são duas espécies de psilídeos: Trioza erytreae, responsável pela transmissão da forma africana da doença; e Diaphorina citri, transmissora da forma asiática do HLB.

Pesquisadores de várias instituições estão estudando a nova doença e espera-se que em breve haja uma conclusão definitiva sobre o agente causal da doença, ou seja, se há um ou mais tipos de bactérias presentes no Brasil, bem como sobre as possíveis estratégias de manejo.

e

Fundecitrus

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