Nutrir na medida

A oferta mineral adequada às plantas de trigo é fundamental na busca por alta produtividade

24.05.2016 | 20:59 (UTC -3)

O trigo é um cereal de grande importância econômica no mundo, muito usado na alimentação humana e animal, bem como em sistemas de rotações de culturas. Importante no sistema de plantio direto, pela palhada deixada na superfície, além de tratar-se de uma cultura que, se bem manejada, passa a ser economicamente viável. A ampliação da competitividade no mercado mundial de trigo passa obrigatoriamente pela elevação dos patamares de produtividade, buscando tecnologias que proporcionem incrementos de produção com custos ajustados. Dentre os aspectos ligados à construção e manutenção da produtividade por meio do manejo, destaca-se a adubação. A oferta mineral em quantidades e em estádios responsivos proporciona ótimos rendimentos, quando não se tem outros limitantes.

Inicialmente deve-se considerar que a maximização da utilização de nutrientes pela planta passa por condicionantes do solo como estrutura e pH, que devem estar ajustados em patamares que permitam um melhor aproveitamento da água e melhor disponibilização dos nutrientes para as plantas de trigo. Deve-se considerar que a disponibilização de água para o sistema, formando a solução do solo, é fundamental para que os nutrientes possam ser absorvidos pelas plantas.

São vários os elementos minerais essenciais para o crescimento e desenvolvimento da planta de trigo. Considera-se que os elementos nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) normalmente são os nutrientes que mais limitam a produtividade da cultura.

Considerando valores médios, uma lavoura que produz três toneladas de grãos por hectare extrai do solo 84kg/ha de nitrogênio, 11,7kg/ha de fósforo e 59,7kg/ha de potássio, sendo que, destes, 60,3kg de N, 9,6kg de P e 10,5kg de K são exportados pelos grãos, e o restante retorna ao solo pela decomposição dos restos culturais (Pauletti, 1998).

O nitrogênio é destacado como o mais limitante na produtividade, por possuir influência direta nos componentes do rendimento, como o número e tamanho de espigas e massa de grãos (Mundosck, 2005). Possui papel fundamental na constituição de biomoléculas e inúmeras enzimas, e constitui os amidos, ácidos nucleicos, nucleotídeos, ATP, Nadh, clorofilas e proteínas. Este elemento está relacionado ao crescimento e rendimento das culturas, tendo participação importante na molécula de clorofila, que exerce funções regulatórias das reações de síntese, sendo que a escassez de nitrogênio afeta diretamente a capacidade fotossintética das plantas. Sua deficiência é observada inicialmente com o amarelecimento e clorose de folhas inferiores (velhas).

Para os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a quantidade de N a ser aplicada varia conforme o teor de matéria orgânica do solo, determinado pela análise do solo. Assim, a necessidade de N pode variar de 20kg/ha a 60kg/ha se o trigo for antecedido por leguminosa e de 20kg/ha a 80kg/ha se for antecedido por gramínea, considerando-se expectativas de rendimento de duas toneladas/ha. Se a expectativa de produtividade for superior a isso, acrescentar 20kg de N/ha em trigo após leguminosa e 30kg de N/ha em trigo após gramínea, por tonelada de grãos a mais a serem produzidos (Comissão de Química e Fertilidade do Solo RS/SC (SBCS, 2004).

Desta quantidade total de N, recomenda-se aplicar entre 15kg/ha e 20kg/ha no momento da semeadura do trigo e o restante em cobertura, entre os estádios de afilhamento e de alongamento do colmo. Para as doses mais elevadas, pode-se parcelar a cobertura em duas aplicações, sendo uma no início do afilhamento e a outra no afilhamento pleno. O parcelamento confere os melhores resultados. A cultura antecessora também influencia no processo de tomada de decisão, no caso de resteva de milho e, quando há muita palha, convém antecipar adubação nitrogenada de cobertura, especialmente em solos arenosos ou com baixos teores de matéria orgânica.

A quantidade de nitrogênio a ser aplicada também deve ser avaliada, e essa é determinada de acordo com: tipo de solo e fertilidade do mesmo, cultivar, rotação de culturas, operacionalidade, expectativa de rendimento e o retorno econômico. Em média, 50% dos fertilizantes nitrogenados aplicados no solo são perdidos pelos processos de lixiviação e volatilização (Dobbelaere et al, 2002).

A partir de uma série de estudos, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) permitiu o uso da bactéria Azospirillum brasilense na formulação de inoculantes para a cultura do trigo. Essas bactérias fixam nitrogênio do ar, semelhante ao processo que ocorre na soja, porém, sem a formação de nódulos nas raízes. A quantidade de nitrogênio fixado não supre completamente as necessidades da cultura do trigo. Desta forma, o inoculante não substitui totalmente a adubação nitrogenada, mas promove melhor absorção e utilização daquele N que está no solo ou sendo fornecido pela adubação nitrogenada (Saubidet, 2002). Para Didonet et al (2000), mesmo não ocorrendo diferenças no rendimento de grãos pela inoculação, há melhor realocamento do N presente na biomassa para os grãos nas plantas inoculadas, produzindo basicamente grãos mais cheios e pesados.

Contudo, a eficiência da utilização dessa bactéria somente será completa se houver a garantia de um número adequado de bactéria por sementes, se não houver a redução da presença dessas bactérias devido à interação negativa do tratamento de sementes e o inoculante, se o pH do solo estiver acima de 6, se houver um recobrimento completo do inoculante sobre a semente e se a semeadura for realizada até 24 horas após a inoculação, bem como algumas cultivares são mais responsivas à interação com a bactéria.

O fósforo (P) está presente em componentes estruturais das células, como nos ácidos nucleicos e fosfolipídios das membranas celulares e também em componentes metabólicos móveis armazenadores de energia, como o ATP. A absorção de fósforo pelas plantas ocorre essencialmente via sistema radicular, estando na dependência da capacidade de fornecimento pelo solo, que muitas vezes é um limitador para um bom suprimento, agindo no sentido de competir com as plantas pelo P disponível na solução. Plantas deficientes de fósforo são mais sensíveis ao estresse e doenças. As folhas jovens das plantas com esta deficiência tendem a escurecer ou manter uma cor verde-azulada e as mais velhas ficam avermelhadas.

A faltade P no início do desenvolvimento restringe o crescimento, condição limitante para o desenvolvimento da planta e para a produção de grãos. A falta de P no período mais tardio do ciclo tem menor impacto na produção de grãos de trigo em relação à deficiência inicial (Grant et al, 2001). Estes mesmos autores constataram que o estresse de P diminui mais o número total de sementes produzidas que o tamanho da semente, sendo que essa redução no número de sementes ocorre através da redução na quantidade de espigas férteis e de grãos por espiga.

A quantidade de P a ser aplicada vai depender do teor de fósforo no solo (Mehlich-1) e da classe textural do solo (quantidade de argila), quantificados através da análise do solo. Assim, o teor de P no solo é classificado em faixas de muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto. A partir disso, pode-se recomendar a quantidade do fertilizante a ser aplicada para suprir a demanda da planta e a necessidade de correção dos níveis no solo, em situações com nível muito baixo ou baixo, o que pode se dar em um único cultivo ou parcelado em dois cultivos. Considerando-se corrigir o solo em dois cultivos, a quantidade de P a ser aplicada no primeiro varia de 30kg/ha para solos com teores altos (adubação de manutenção) até 110kg/ha para solos com teor muito baixo. Caso o solo se apresente na faixa muito alto, não há necessidade de aplicar o nutriente, pois o próprio solo é capaz de fornecê-lo suficientemente à planta. No segundo cultivo, a quantidade aplicada varia de 30kg/ha a 70kg/ha para as faixas muito alto até muito baixo. Essas quantidades são necessárias para uma produtividade de duas toneladas por hectare, caso a expectativa seja superior, aplicar 15kg/ha por tonelada de grãos adicional que se deseja produzir (Comissão de Química e Fertilidade do Solo RS/SC (SBCS, 2004).

Quanto à forma de aplicação da adubação fosfatada, é preconizado nos boletins de recomendação de várias regiões do Brasil que seja feita no sulco de semeadura, um pouco abaixo e ao lado da semente, sendo a forma mais eficiente de fornecer este nutriente para a cultura, com o melhor aproveitamento pelas plantas do P aplicado, isso porque o P é relativamente imóvel no solo e assim permanece próximo ao local em que foi colocado o fertilizante. A adubação a lanço permite maior contato do fertilizante com o solo, resultando em elevada adsorção do P, o que reduz o aproveitamento do elemento pela planta, devido à baixa mobilidade do mineral no perfil do solo, principalmente em solos argilosos. De modo geral, respostas positivas à aplicação a lanço do P são encontradas em condições de solo com altos teores de P disponível, pois nesse caso a adubação somente seria para manter o nível de P no solo. Já em solos com baixos níveis de P, maiores produtividades e recuperação de P foram obtidas com a aplicação no sulco de semeadura (Guareschi et al, 2008).

O potássio (K) é o cátion mais abundante nas plantas, não fazendo parte da estrutura das células, mas apresenta importância fundamental em inúmeros processos, como a fotossíntese, regulação da abertura estomática, manutenção do turgor das células e é constituinte de várias enzimas. A falta de K é mais comum em solos arenosos cultivados intensamente. Quando se tem baixos teores de K e altos de N, os caules ficam fracos, tendo maior ocorrência de acamamento das plantas. Na deficiência, as folhas mais velhas apresentam amarelecimento e enfraquecimento nas pontas e margens, seguidos de clorose, que progride até atingir a nervura, ocasionando encurvamento da folha para baixo. Geralmente ocorre um crescimento vegetal reduzido e encurtamento dos entrenós.

O potássio é um elemento com boa mobilidade no solo, sendo seu comportamento muito distinto do P. No entanto, sua chegada até as raízes e absorção pelas plantas têm grande dependência da difusão, assim como o P, em função da baixa concentração em solução. Na fração sólida do solo se encontra em torno de 95% do K total, que está em equilíbrio com a fase líquida (solução), que facilmente passa de uma fração para outra. Quando a planta absorve o nutriente da solução do solo, ou este é perdido por lixiviação, nova fração é liberada da fase sólida para a fase líquida, mantendo o equilíbrio. A relação entre o K da fase sólida e líquida do solo depende principalmente da CTC do solo, que varia em função do teor de matéria orgânica, da quantidade e tipo de argila e do pH (Sanzonowicz & Mielniczuk, 1985).

A quantidade de K nos restos culturais é muito grande, e pelo fato de não ser componente estrutural das células vegetais, após a colheita ou senescência das plantas volta rapidamente ao solo, em forma prontamente disponível para as culturas subsequentes, fazendo da palhada um reservatório expressivo de K a curto prazo (Rosolem et al, 2007). Esta ciclagem de K se faz mais eficiente quando existe rotação de culturas, de forma que plantas com diferentes capacidades de extração do elemento do solo e altas produções de matéria seca, se tornam importante fonte de K para as próximas culturas a serem implantadas. Outro fato a ser observado é que a manutenção constante de plantas na lavoura é muito importante, a fim de evitar perdas pelo processo de lixiviação, tendo em vista que o elemento fique incorporado na palha e, assim que seja liberado, já tenha no campo outra planta apta a absorvê-lo.

A quantidade de K a ser aplicada vai depender do teor do elemento no solo e da capacidade de troca de cátions (CTC) do solo. Assim, da mesma forma que o P, o teor de K no solo é classificado em faixas, e a quantidade do fertilizante a ser aplicada, quando em teores baixos no solo, pode ser em um único cultivo ou parcelada em dois cultivos. Se for corrigir o solo em dois cultivos, a quantidade de K a ser aplicada no primeiro varia de 20kg/ha para solos com teores altos (adubação de manutenção) até 100kg/ha para solos com teor muito baixo. Caso o solo apresente-se na faixa muito alto, não há necessidade da adubação. No segundo cultivo, a quantidade aplicada varia de 20kg/ha a 60kg/ha para os teores muito alto até muito baixo. Essas quantidades são necessárias para uma produtividade de duas toneladas/ha, caso a expectativa seja superior, aplicar 10kg/ha por tonelada de grãos adicional que se deseja produzir (Comissão de Química e Fertilidade do Solo RS/SC (SBCS, 2004).

Quanto à forma de aplicação do potássio no solo, esta pode ser no sulco de semeadura, sendo depositada abaixo e ao lado da semente, ou a lanço. Se a aplicação for no sulco, deve-se ter cuidado quando há necessidade de aplicar doses muito altas, que podem provocar efeito salino à semente, devido à maior concentração do nutriente nos locais fertilizados. Por ocasião da semeadura, doses superiores a 80-100kg/ha podem prejudicar a germinação e/ou o crescimento inicial da planta. Nestes casos, uma alternativa é a adubação a lanço ou parcelada (Vilela et al, 2004). Atualmente, muitos produtores adotam o sistema de parcelamento da adubação potássica, sendo que uma aplicação é realizada no sulco de semeadura e a outra em cobertura, durante o afilhamento.

O manejo da adubação da cultura do trigo é fundamental para obterem-se produtividades satisfatórias, mas necessita-se realizar a diagnose da situação do solo que será cultivado, através de análise. A partir deste procedimento, associado a alguns fatores como expectativa de rendimento, cultivo antecessor e tipo de preparo do solo, pode-se estipular as quantidades de nutrientes a serem fornecidas e qual o método a utilizar. Enfatiza-se que a adubação deve seguir sempre as recomendações dos boletins técnicos para cada região e cultura, e que o produtor tenha consciência que a quantidade aplicada normalmente é acima da necessidade da cultura, devido às potenciais retenções deste nutriente no solo e suas perdas pelos processos de lixiviação e/ou volatilização. Bem como a realização de práticas conservacionistas como o plantio direto e a rotação de culturas.


Este artigo foi publicado na edição 183 da revista Cultivar Grandes Culturas. Clique aqui para ler a edição.

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