Os vírus, esses terríveis inimigos

Especialista oferece radiografia minuciosa do comportamento das viroses e apresenta alternativas de controle.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Todos os produtores já tiveram quedas qualitativas ou quantitativas em suas safras devido, entre outros fatores, a viroses. A editoria de Cultivar nos solicitou que preparássemos um texto para oferecer, àqueles que participam da crescente produção agrícola do país, informações que contribuíssem para melhor conhecer este seu inimigo e desenvolver estratégias apropriadas para seu controle. Julgamos que uma maneira adequada seria a de formular questões que comumente nos são dirigidas e suas respostas.

A maioria dos leigos tem noções sobre vírus, em especial aqueles que afetam a saúde humana como o da gripe, AIDS, sarampo, poliomielite, herpes, catapora, raiva, varíola, etc. e a recente e apavorante síndrome respiratória aguda e grave (SARS) bem como de animais domésticos como cinomose do cão, peste suína, estomatite vesicular, aftosa, bouba aviária, etc. Contudo poucos conhecem o fato de que existem vírus literalmente para todos os seres vivos: bactérias, invertebrados e vertebrados, bem como fungos, algas e plantas superiores. Curiosamente, a exata natureza dos vírus, como sendo distinta de organismos celulares, foi determinada com um vírus de planta, o do mosaico do fumo, em fins do século XIX, ao verificar-se que o agente infeccioso era capaz de passar por filtros que retinham bactérias, portanto significativamente menores que estas.

Vírus são macromoléculas parasitas cuja constituição química é relativamente simples, isto é, ácido nucléico e proteína. O ácido nucléico, que pode ser ácido ribonucléico (RNA) ou deoxiribonucléico (DNA), de fita simples ou dupla, inteira ou segmentada, possui as informações para a replicação ("reprodução") do vírus, para definir a espécie de planta a ser atacada, o tipo de vetor, etc. Esse ácido nucléico é protegido por uma capa formada por proteínas. Alguns vírus ainda possuem membrana envoltória (envelope), "surrupiada" da célula da planta hospedeira. Sendo constituídos de componentes presentes em seres vivos (ácido nucléico, proteínas, açúcares, lipídeos) e podendo, como fazem os seres vivos, sofrer mutações, há uma tendência de se incorporar os vírus como parte dos seres vivos. Embora sendo usualmente prejudicial à humanidade, graças aos conhecimentos adquiridos, temos utilizado vírus a nosso favor, como, por exemplo, ferramentas em engenharia genética (uso de suas enzimas, armazenamento e transferência de informações genéticas), no controle biológico de pragas e na produção de vacinas. É provável que os vírus também tenham desempenhado papel importante na evolução dos seres vivos, constituindo-se como um dos fatores de seleção e também responsável pelo fluxo de genes entre diferentes organismos.

Sendo macromoléculas, com limitadas informações em seu genoma, os vírus usam estratégias completamente distintas daquelas de organismos celulares, para sua multiplicação ("reprodução"), que é melhor referida como replicação. Os vírus não possuem sistema gerador de energia, e carecendo da maioria das informações para os processos metabólicos, depende inteiramente da maquinaria da célula das plantas hospedeiras para se replicarem. Podemos dividir o processo de replicação dos vírus em algumas etapas: penetração - vírus sendo macromoléculas, não possuem movimento próprio, dependendo do acaso para atingir o interior da hospedeira. No caso da planta a situação é mais complexa, pois as células são protegidas por uma parede celulósica espessa. Contudo, na natureza esse problema é resolvido de maneira simples, por meio dos vetores (insetos sugadores ou mastigadores, ácaros, nematóides, fungos) que rompem a parede celular e no ato da alimentação introduzem os vírus no citoplasma da célula. Instrumentos de corte (canivetes, tesouras de poda, etc) contaminados constituem a forma de introdução na célula hospedeira dos vírus que não possuem vetores. Estando no interior da célula, a capa protéica é removida e o ácido nucléico inicia o processo de replicação quando se produzem cópias do ácido nucléico viral. Diferentes vírus apresentam variadas estratégias de replicação, mas em essência, as informações neles contidas são convertidas em proteínas (da capa, enzimas para replicação, de movimento célula-a-célula, para transmissão por insetos, etc.). Quando suficiente quantidade de ácido nucléico e proteínas da capa se formam, estes componentes espontaneamente se agregam, num processo conhecido como montagem, resultando em grande quantidade de partículas que se acumulam na célula. Para espalharem a infecção dentro da planta infetada, partículas dos vírus ou seus preocursores são transportados através dos plasmodesmata (pequenos canais na parede celular que comunicam uma célula à outra) para células vizinhas até atingirem os vasos do floema, de onde são dispersos para o resto da planta (raízes, folhas novas, flores e frutos). Eventualmente certo número de partículas virais podem ser adquiridos pelos vetores e transmitidos para outras plantas sadias. Aliás, a melhor analogia que podemos fazer dos vírus biológicos é com os vírus de computador. São macromoléculas com um "programa" (genoma) que uma vez introduzidas em um "computador" adequado (célula hospedeira), executa seu programa, às custas dos "softwares" já existentes, fazendo milhões de cópias de si (e no processo causando doença, por prejudicar o metabolismo das células e do organismo) e eventualmente se dispersando para novas hospedeiras, assim pepetuando-se.

Usualmente os vírus de plantas são disseminados na natureza por diferentes organismos vetores, dos quais os insetos (Fig. 2 a-d) são os mais importantes, mas ácaros (Fig. 2 e), nematóides (Fig. 2 f) e fungos também contribuem para dispersá-los. Dentre os insetos, os vetores em geral são sugadores como cigarrinhas (Fig. 2 a), pulgões (Fig. 2 b), tripes, e moscas brancas (Fig. 2 d), mas há mastigadores como besouros (Fig. 2 c) que transmitem vírus.

A idéia mais simples que ocorre é de que o vetor ao se alimentar na planta infetada, contamina suas partes bucais com o vírus que será transmitido à planta sadia na alimentação subseqüente. Em verdade, o processo de transmissão é mais complexo e distinguimos dois tipos básicos: estiletar, em que o vírus se adere ao estilete (aparelho bucal) do inseto sugador, através do qual pode ser transmitido numa só picada de poucos segundos, para uma planta sadia. Nesse caso o vetor perde o vírus após picar duas ou três plantas consecutivas, necessitando se alimentar em outra planta doente para readquirir o vírus. A relação estiletar ocorre apenas quando os vetores são os afídeos (pulgões). Outra modalidade é a chamada circulativa, na qual o vírus deve ser ingerido pelo vetor, circular em seu organismo, multiplicando ou não em seus tecidos, atingir as glândulas salivares, e daí ser injetado na planta sadia no ato da alimentação. Quando o vírus apenas circula pelo corpo do inseto, sem multiplicar-se, a transmissão ocorre por vários dias ou semanas após o vetor se tornar portador do vírus (virulífero). Nos casos em que o vírus se multiplica no vetor, este mantém-se virulífero pelo resto da vida. Há casos (raro) em que o vírus é transmitido para a progênie. Nesse tipo de transmissão fica claro que o vetor transmite o vírus para um grande numero de plantas sadias. Percebe-se logo que o conhecimento de como o vetor age é essencial para as estratégias de controle que são distintos no caso de transmissão estiletar ou circulativo.

Alguns vírus como os do mosaico da alface, do mosaico comum do feijoeiro e do mosaico da soja podem ser transmitidos pelas sementes. Transmissão pelo pólen é rara, contudo.

Propagação vegetativa de partes de plantas infetadas quase sempre resulta em clones infetados. A união de tecidos (enxertia), é uma prática hortícola altamente eficiente na transmissão do vírus da gema para o cavalo ou vice-versa.

Deve-se mencionar que o homem desempenha papel importante na disseminação dos vírus, transportando material contaminado (sementes, mudas, partes vegetativas), objetos contaminados, vetores virulíferos, etc. de locais infetados aos indenes.

Em condições de campo, casos de transmissão mecânica natural são raros. Há casos de transmissão mecânica com instrumentos de corte (canivetes, tesouras de poda) utilizados em operações de desbrota, podas, etc. Alguns vírus também podem ser transmitidos pela contaminação das mãos, durante operações de transplante, desbrota, amarração de plantas, etc. A transmissão mecânica é um método corriqueiramente usado em experimentos no laboratório. Extratos de plantas doentes são esfregados no limbo foliar e em combinações favoráveis, os vírus penetram pelos ferimentos e infetam a planta.

A gama de atuação dos vírus nas plantas cultivadas é bastante variável, dependendo da combinação vírus/planta/ambiente.

Temos que compreender antes que, ao se replicar, o vírus utiliza boa parte da maquinaria celular, comprometendo o metabolismo normal da célula e por conseguinte do ornganismo. Numa célula vegetal pode haver redução de fotossíntese e respiração, desbalanço hormonal, alterações no fluxo das seivas, etc. Mas, como regra geral, raramente viroses causam morte imediata da planta, produzindo infecções crônicas que debilitam a planta fazendo com que a produção (frutos, folhas, flores, tubérculos) seja reduzida e de menor valor comercial. Estima-se, conservadoramente, que as viroses possam causar regularmente danos da ordem de 10-15% em quantidade/qualidade na maioria das culturas. No Brasil, talvez o caso mais célebre tenha sido o da tristeza das laranjeiras, que dizimou cerca de 10 milhões de laranjeiras doces enxertadas sobre laranja azeda, na década dos 40. Mas outras viroses causam constantes e consistentes danos em culturas como a da batata (enrolamento das folhas, mosaico Y e X, etc.), do tomateiro e pimentão (vira-cabeça, mosaico Y, amarelo de topo e baixeiro, etc.), da alface (mosaico, vira-cabeça), da batata-doce (mosaico), do maracujazeiro (endurecimento dos frutos, pinta verde), do mamoeiro (mosaico, amarelo letal, meleira), da bananeira (mosaico do pepino, risca), das cucurbitáceas (mosaico amarelo, mosaico comum, clorose letal), do milho (complexo do enfezamento), dos citros (leprose), da videira (enrolamento das folhas), do feijão (mosaico comum, mosaico dourado), da soja (mosaico, queima-dos-brotos), da pimenta-do-reino (mosaico do pepino, mosqueado amarelo), do alho (complexo de vários vírus), do crisântemo (necrose da haste), do cafeeiro (mancha anular), do trigo (mosaico, nanismo amarelo), etc.

No geral, a maioria das viroses de plantas produz sintomas característicos que permitem sua identificação inicial por um produtor ou técnico experiente, mas há certamente casos em que eles podem se confundir com aqueles causados por outros patógenos (fungos, bactérias, nematóides, etc.), toxinas de insetos sugadores e agentes abióticos (deficiência nutricional, fitotoxidez de defensivos, clima, etc.), e assim uma identificação definitiva requer ensaios posteriores de laboratório. Os sintomas mais evidentes são os foliares como mosaico (alternância de áreas verde-escuras e claras ou amareladas) (Fig. 3 b), necrose sistêmica (Fig. 3 a), amarelecimento (clorose), clareamento das nervuras, manchas anulares (Fig. 3 c), linhas necróticas, redução/encarquilhamento/enrolamento do limbo foliar. Nos frutos podem surgir manchas, anéis (Fig. 3 f), endurecimento da polpa, redução do tamanho e queda dos frutos. Manchas e lesões podem surgir nos ramos (Fig. 3 d) e em casos severos, induzem a sua morte pelo anelamento causada pela fusão de lesões. Na planta como um todo pode ocorrer nanismo, declínio e mesmo morte. Em vários casos, a infecção com vírus resulta em alterações do sistema vascular, que prejudica o sistema radicular, advindo sintomas secundários como clorose generalizada, redução de porte, sintomas de deficiência, etc. Não são raros os casos de vírus que causam infecções sem sintomas (latentes) cuja identificação é mais problemática. Outro fator que complica a diagnose meramente visual é o fato de comumente ocorrerem infecções mistas por dois ou mais vírus e que resultam em efeitos sinergísticos, acentuando ou criando novos sintomas.

As observações de sintomas no campo oferecem a primeira indicação na etiologia viral de uma enfermidade de planta. Técnicos experientes podem diagnosticar a causa de uma virose com razoável precisão, mas normalmente recorrem a ensaios de laboratório para confirmar a identidade do vírus. Deve-se sempre lembrar que sintomatologias parecidas podem ser causadas por vírus distintos ou outros agentes e por outro lado, variantes do mesmo vírus podem causar sintomas diferentes. A situação é ainda complicada pela interação entre diferentes vírus e patógenos ou agentes abióticos na geração dos sintomas.

Os ensaios biológicos como os de transmissão com vetores, enxertia ou meios mecânicos em uma bateria de plantas indicadoras são um dos mais empregados. Conforme ocorra a transmissão e pelos sintomas produzidos nessas plantas, pode-se ter idéia da identidade do vírus. Estes testes, contudo, são demorados, requerendo semanas ou mesmo meses para se ter os resultados e exigem espaços em estufas. Assim, desenvolveram-se testes que permitem analisar grande número de amostras e ter resultados em pouco tempo (horas). Inicialmente surgiram os testes imunológicos baseado na reação específica entre o antígeno (vírus). Neste caso, o vírus purificado é injetado em coelho, p.ex., que produz anticorpos específicos contra o vírus injetado, e que quando colocados juntos produz uma reação que pode ser visualizado, como por exemplo em teste ELISA. Opções mais recentes baseiam-se em técnicas moleculares que procuram identificar o vírus com base na seqüência integral ou parcial do ácido nucléico. Produz-se seqüências de ácido nucléico complementares ao do vírus, que tendem a se parear especificamente, e este pareamente pode ser visualizado. Exames em microscópio eletrônico, visualizando-se as partículas virais ou os efeitos que o vírus causa nas células infetadas, também podem auxiliar a diagnose. Muitas instituições de ensino superior e pesquisa, como ESALQ, Instituto Agronômico, Instituto Biológico, etc. mantém serviços de clínica para auxiliar os produtores na identificação de viroses, passo inicial para se estabelecer as estratégias de controle.

Ao contrário de doenças causadas por fungos, bactérias e nematóides, não há maneira economicamente viável de eliminar os vírus de uma planta infetada. Assim, no geral, as medidas de controle de viroses são essencialmente preventivas, impedindo ou dificultando a chegada dos vírus a uma dada cultura e sua disseminação ou tornar a planta resistente ao vírus.

Quarentenagem – geralmente é um serviço prestado por órgãos oficiais e que tem por finalidade principal evitar a introdução no país de pragas em geral, entre as quais os vírus, que ainda não ocorrem no território nacional. Um serviço eficiente de quarentena exige laboratórios bem equipados, pessoal qualificado, capaz de detectar vírus em diferentes situações.

É possível pensar também nesse tipo de serviço para evitar ou retardar a entrada de um vírus em uma região ou estado do país onde ele ainda não foi detectado. Nesse caso, todavia o procedimento pode ter efeito negligível quando o vírus possui vetor eficiente, capaz de disseminá-lo com rapidez para áreas distantes.

Uso de sementes livres de vírus – Os vírus que são transmitidos por sementes podem estar contidos internamente nas sementes ou aderidos à casca, como contaminantes. As sementes portadoras de vírus constituem a fonte de inoculo primária na cultura. A introdução precoce do vírus na cultura permite a sua disseminação para plantas nos estádios iniciais de desenvolvimento, o que acarreta danos maiores, pois quanto mais jovem a planta é infectada, maiores são os prejuízos. Portanto, para as culturas propagadas por sementes verdadeiras e que possuem vírus que são transmitidos através destas, é prática indispensável a utilização de sementes livres de vírus ou até com certificado de sanidade. Os agricultores que adquirem suas mudas de viveiristas devem certificar-se de que foram produzidas com sementes de alta sanidade, sob condições adequadas e que, portanto encontram-se livres de vírus por ocasião do transplante em campo.

Uso de material vegetativo livre de vírus – Conforme apontado anteriormente, a propagação vegetativa de partes de plantas infectadas no geral resulta em clones também doentes. Portanto, as plantas propagadas por meio de tubérculos, bulbos, estacas, gemas, etc., devem provir de plantas sabidamente sadias. As mudas obtidas de plantas sadias devem constituir a matriz para propagações futuras. Assim sendo, devem ser cultivadas em local protegido, isoladas das áreas de produção de mudas comerciais, para evitar eventual contaminação. Nos casos de uma variedade de alto valor comercial estar 100% infectada, há necessidade de se promover a limpeza clonal para posterior produção de mudas. A limpeza clonal pode ser feita por meio da termoterapia, quimioterapia, cultura de meristemas, ou a combinação desses métodos.

Eliminar plantas hospedeiras do vírus – Em teoria é possível afirmar que a eliminação de todas as fontes de vírus de uma área, antes do início da nova plantação, tenha um efeito benéfico significativo no controle da doença. Na prática, todavia, essa tarefa é difícil, senão impossível de ser executada, especialmente em países de clima tropical e subtropical com uma ampla gama de espécies vegetais presentes durante quase o ano inteiro. A eficácia dessa medida está diretamente ligada a gama de hospedeiras do vírus, podendo ter maior chance de êxito quando o vírus tem círculo de hospedeiros restrito. É aconselhável, portanto, antes de iniciar um novo plantio, através da semeadura direta ou do transplante de mudas, eliminar culturas velhas e/ou abandonadas e restos de cultura que possam hospedar vírus que afetam a nova cultura. Nas proximidades da área de plantio, sempre que possível, deve-se eliminar plantas daninhas que podem alojar vírus e/ou vetores do vírus. O cultivo escalonado deve ser evitado, pois os plantios mais velhos sempre servirão de fonte de inoculo para as plantas mais novas.

Erradicação sistemática de plantas doentes ("roguing") – Essa prática é geralmente recomendada para os vírus que possuem um círculo de hospedeiros restrito, como por exemplo, o vírus do mosaico do mamoeiro, que praticamente só infecta essa frutífera. Para que a erradicação tenha efeito benéfico ela deve ser iniciada assim que as plantas emergirem e prosseguir até o final da vida útil econômica da cultura. Deve ser feita através de inspeções periódicas (10 a 15 dias) em toda a área do plantio. Caso os vizinhos também cultivem a mesma espécie, todos devem adotar o mesmo procedimento, para evitar que os que não praticam o "roguing" funcionem como fonte de inoculo para os mais cuidadosos. No Estado de Espírito Santo, p.ex., a legislação exige o "roguing" para o controle do mosaico do mamoeiro o que tem permitido a convivência dos produtores com a virose. Culturas velhas e abandonadas nas proximidades devem ser sempre eliminadas para maximizar a eficiência da erradicação.

Modificações no plantio – O estabelecimento de um período de repouso de dois a três meses, totalmente livre da espécie cultivada pode redundar em uma redução significativa das fontes de inóculo do vírus e conseqüentemente favorecer a cultura seguinte. Também poderá ter efeito na população do vetor, caso este se colonize nessas plantas. Essa medida é mais eficaz nos casos de vírus com círculo de hospedeiros restrito.

Alterações na época de plantio também podem resultar em redução na incidência de vírus, especialmente no estádio de maior jovialidade das plantas, onde as infecções geralmente resultam em maiores danos. Mudanças na data de plantio são feitas com base na flutuação populacional dos vetores, procurando evitar as ocasiões de picos. Para isso há necessidade do estabelecimento de um programa contínuo de monitoramento dos vetores na região da cultura.

Aumento na densidade populacional de plantas na plantação pode proporcionar redução nos danos causados por doenças de vírus. O aumento do número de plantas na área deve ser bem analisado para evitar redução na produção devido a competição entre plantas.

O plantio em áreas protegidas por barreiras físicas naturais (espécies vegetais de porte alto) ou artificiais (telas) tem sido objeto de investigações e algumas aplicações práticas, porém os resultados nem sempre são satisfatórios. Em vários casos essas barreiras, que tem como objetivo principal evitar ou retardar a entrada de vetores portadores do vírus dentro da plantação têm efeito muito reduzido ou nulo.

No caso dos telados, adequadamente construídos com telas de malha fina (anti-afídeos), os resultados no geral são positivos na proteção contra a entrada de vetores virulíferos.

A aplicação de qualquer uma dessas alternativas para minimizar os danos causados for fitoviroses deve levar em consideração aspectos econômicos da cultura.

Os vírus, conforme já foi discutido, possuem vetores dentro das classes dos insetos (pulgões, cigarrinhas, moscas brancas, tripes e cochonilhas), ácaros, fungos e nematóides. Os insetos e os ácaros são vetores aéreos, enquanto fungos e nematóides vivem no solo, portanto as estratégias de controle são diferentes.

O controle dos vetores aéreos de vírus de plantas pode ser feito através de procedimentos culturais, biológicos e químicos, sendo este último o mais utilizado pelos agricultores. A técnica cultural mais comum é a utilização de cobertura viva ou morta do solo entre as linhas de plantio, com o objetivo de promover a repelência dos vetores e conseqüentemente retardar a entrada e a disseminação do vírus na plantação. Um exemplo prático, genuinamente brasileiro, é a cobertura com casca de arroz que reduz a incidência de vírus transmitidos por afídeos. Embora seja de difícil aplicação em áreas extensas, por causa da baixa disponibilidade de casca de arroz, é uma alternativa interessante para pequenos plantios. Algumas espécies vegetais, quando plantadas nas entrelinhas da cultura podem reduzir ou retardar a incidência de viroses. É o caso do amendoim forrageiro (Arachis pintoi) que, quando plantado nas entrelinhas da cultura do tomateiro, reduziu população da mosca branca e conseqüentemente a incidência de vírus por ela transmitido. O uso de plásticos coloridos ou prateados também tem se mostrado experimentalmente eficiente em alguns casos, porém têm o inconveniente do custo elevado e os danos ecológicos, por serem de difícil descarte.

O controle biológico através de inimigos naturais (parasitas e predadores) dos vetores não tem sido uma prática comum para o controle de doenças de vírus de plantas, principalmente por falta de estudos nesse sentido.

O controle químico dos vetores é o mais utilizado, pois há vários inseticidas, óleos minerais e acaricidas disponíveis no mercado, porém nem sempre traz o resultado desejado. Eles são usados principalmente porque os agricultores já estão familiarizados com a sua aplicação para o controle de pragas e, por isso acreditam que também controlam viroses. Além disso, o custo de muitos defensivos é relativamente baixo em relação ao custo do produto a ser comercializado. A baixa eficiência do controle químico se deve principalmente ao tipo de relação entre o vírus e o vetor. Nos casos em que a relação é apenas estiletar e o vetor (pulgão) não coloniza a espécie cultivada, a eficiência do controle químico do vetor para minimizar os danos da virose é praticamente nula. Isto porque a maioria dos inseticidas não é rápida o suficiente para matar os pulgões antes que estes efetuem a picada de prova e inoculem o vírus na planta. Em alguns casos pode até acelerar a disseminação do vírus, pois a presença do inseticida pode causar excitação nos pulgões, que poderão provar mais plantas do que o fariam na ausência do produto. Entretanto, quando a espécie de pulgão coloniza a planta, esta deve ser controlada como praga. Portanto, ao aplicar o controle químico do vetor com o intuito de controlar uma virose o agricultor na maioria das vezes estará aumentando o custo da produção sem ter necessariamente o retorno desejado na minimização dos danos. Além disso, o uso indiscriminado de defensivo propiciará o desenvolvimento de insetos resistentes aos princípios ativos utilizados, danos na natureza, e na cadeia alimentar do homem e de outros animais. Certos óleos minerais têm mostrado experimentalmente alguma eficiência no controle de doenças de vírus de transmissão estiletar. Em campo, entretanto, os resultados não têm sido tão satisfatórios e por isso o uso comercial desse tipo de produto não é comum.

Quando a relação vírus-vetor é do tipo circulativa (pulgões, cigarrinhas, mosca branca e tripes), portanto requer maior tempo de alimentação do vetor para a aquisição e a transmissão do vírus, o controle químico poderá minimizar a disseminação do vírus na plantação. Ao se alimentar por mais tempo em uma planta protegida com inseticida sistêmico o vetor terá maior probabilidade de morrer antes de mover-se para outra planta e efetuar nova transmissão. Nesses casos devem ser utilizados os produtos registrados para a cultura, nas dosagens recomendadas pelo fabricante e adotando os critérios de segurança pessoal do aplicador e de proteção ambiental.

Para os vírus que são transmitidos por nematóides e fungos, que são habitantes do solo, a primeira medida recomendada é de exclusão, ou seja, evitar o plantio em áreas com histórico da presença do vetor. Na impossibilidade de adoção dessa medida, o controle geralmente é feito por meio de nematicidas e fungicidas. Para volumes pequenos de solo, para plantios em vasos, por exemplo, pode-se recomendar a esterilização química ou pelo calor.

A resistência genética é considerada a melhor e mais eficiente forma de controle de viroses em geral e deve ser utilizada sempre que disponível. Diversas variedades de várias espécies cultivadas, possuidoras de genes de resistência para um ou mais vírus, foram desenvolvidas nos últimos anos por instituições de pesquisa e empresas de sementes no país e do exterior e estão disponíveis no mercado. Na verdade trata-se de um trabalho permanente, pois a resistência incorporada em uma nova variedade nem sempre é duradoura. Os vírus, no seu processo evolutivo, podem desenvolver estratégias que permitem o aparecimento de mutantes ou recombinantes capazes de quebrarem a resistência recentemente incorporada na variedade.

Variedades tolerantes, isto é, que mesmo infectadas com o vírus não sofrem danos significativos na produção, também são outra opção desejável para o controle de viroses, apesar das restrições apontadas por alguns investigadores.

Além da resistência ao vírus, pode-se pensar também no desenvolvimento de cultivares resistentes aos vetores, especialmente para aqueles que colonizam as plantas nas quais inoculam o vírus. Os principais tipos de resistência aos vetores que podem ser de utilidade no controle de fitoviroses são a não preferência e a antibiose. Entretanto, raros são os exemplos de trabalhos desenvolvidos nessa linha de abordagem do problema de viroses em plantas.

Premunização – A premunização ou "vacinação" é a proteção das plantas com uma estirpe fraca do vírus, que não afeta o desenvolvimento e a produção, tanto quantitativa como qualitativamente. Para isso, as plantas devem ser inoculadas com uma estirpe fraca do vírus, ainda no estádio de mudas. Após alguns dias estas estarão protegidas contra a infecção com as formas severas do vírus que ocorrem em campo. O exemplo clássico de aplicação eficiente dessa tecnologia é o do controle da tristeza dos citros, que vem sendo utilizado no Brasil a mais de 30 anos. Por muitos anos acreditou-se que essa alternativa de controle só era viável para culturas perenes ou semi-perenes e aquelas propagadas vegetativamente, pois para culturas anuais, propagadas por sementes, haveria a necessidade de se inocular um grande número de plantas a cada ciclo da cultura. Atualmente, com os avanços na produção de mudas de diversas espécies, essa tecnologia passou a ser viável também para culturas anuais, como é o caso do controle dos mosaicos comum e amarelo em abobrinha-de-moita. Trata-se de uma alternativa de controle ecologicamente correta, pois não traz danos ao aplicador, ao consumidor e ao meio ambiente. Além disso, pode ser incorporada em qualquer manejo integrado de pragas e doenças da cultura.

Plantas transgênica – Nos últimos anos a agricultura mundial tem experimentado avanços tecnológicos significativos na área de transformação genética de plantas. Atualmente é possível introduzir seqüência de nucleotídeos de qualquer organismo dentro do genoma de uma planta e obter a sua expressão. Em teoria é possível pensar que genes de imunidade ou de resistência a vírus podem ser transferidos entre as diferentes espécies vegetais, mesmo entre aquelas sem qualquer parentesco. No caso dos vírus de plantas diversas estratégias estão sendo investigadas com o propósito de se obter plantas trangênicas resistentes a vírus. A maioria delas utiliza seqüências do genoma do próprio vírus. A seqüência (gene) mais comumente utilizada é a da proteína da capa protéica, que pode ou não ser produzida nas células da planta transformada para conferir proteção contra a infecção em campo. Outros genes de vírus que têm sido avaliados são os que codificam proteínas de movimento na célula, da replicase, envolvido na replicação do vírus, etc. Diversas empresas e instituições estrangeiras, bem como brasileiras, já desenvolveram cultivares transgênicos de diferentes espécies vegetais para resistência a vírus, porém ainda não estão disponíveis no mercado brasileiro. Em alguns países, onde a legislação permite o cultivo de transgênicos, o seu uso já tem mostrado bons resultados, como por exemplo, os cultivares de mamoeiro transgênicos (variedade SunUp e híbrido Rainbow) plantados no Havaí desde 1998 e que são resistentes ao mosaico. As plantas transgênicas resistentes a vírus estão sujeitas ao mesmo problema de quebra da resistência apontado anteriormente para as plantas resistentes obtidas através do melhoramento genético clássico.

A utilização comercial de plantas transgênicas em geral tem sido motivo de intensa discussão nos últimos anos. Para as plantas transgêncicas resistentes a vírus, essencialmente três aspectos de riscos tem sido considerados: riscos para o homem e outros animais, riscos para o ambiente e riscos comerciais. No primeiro caso questionam-se quais os riscos que o gene do vírus presente na planta ou nos seus derivados, poderá ter para a saúde do homem. Por exemplo, qual seria o risco potencial da freqüente ingestão da proteína da capa protéica de um vírus que está sendo constantemente produzida em uma planta transgênica? Deve-se lembrar que o homem, há milhares de anos, diariamente consome algum produto proveniente de uma planta que estava infectada com um vírus em campo (ex: alface com o vírus do mosaico, suco de laranja com o vírus da tristeza, frutos de mamoeiro com mosaico, etc) e, por conseguinte está ingerindo partículas inteiras desses vírus (ácido nucléico mais capa protéica). Se até hoje não há notícias de vírus de plantas que sejam capazes de infectar o homem ou causar problemas a sua saúde, é pouco provável que isso venha ocorrer com o consumo de produtos de plantas transgênicas expressando genes virais.

Os riscos comerciais estão relacionados com as características agronômicas da planta transgênica, a durabilidade da resistência e a possibilidade da dispersão do gene para outras espécies vegetais. É bom lembrar que essas considerações não estão limitadas às plantas transgênicas resistentes a vírus, mas se aplicam a qualquer planta transgênica. A área que tem atraído mais interesse no caso das plantas transgênicas resistentes a vírus é sobre o risco da interação entre a seqüência do genoma vírus que foi inserido na planta com o genoma da própria planta ou com o genoma de outro vírus que infecta a mesma espécie vegetal. Avaliações sobre esses riscos, que podem ser de três natureza (heteroencapsidação, recombinação e sinergismo), estão em andamento em diversos laboratórios.

Os vírus, em geral, infetam apenas o organismo ou grupo de organismos onde são encontrados. Assim, os vírus da poliomielite, gripe, raiva, AIDS, SARS, etc. são restritos aos seres humanos e mamíferos. O vírus da poliedrose nuclear, como o usado no controle biológico da lagarta da soja, é restrito a uma ou poucas espécies de insetos. Bacteriófagos são vírus que infectam apenas bactérias. Assim sucede também com a maioria dos vírus de plantas como os do mosaico da cana-de-açúcar, do mosaico da alface, da tristeza dos citros, etc. Mas há casos de vírus de plantas que são capazes de replicar no seu vetor, como o do nanismo do arroz e o do mal de Rio Cuarto do milho que se multiplicam na cigarrinha vetora, ou o do amarelo necrótico da alface, no pulgão vetor, o de vira-cabeça do tomateiro nos tripes vetores e o da leprose dos citros, no ácaro vetor. Não há registros, contudo, de vírus de humanos e outros mamíferos que infetam plantas, e vice-versa.

Embora à primeira vista tenha uma grande variedade de formas, todos os vírus conhecidos caem essencialmente em 3 tipos morfológicos:

• de simetria helicoidal (vírus alongados);

• icosaedral (vírus arredondados);

• complexos (quando não tem forma helicoidal ou icosaedral), podendo ou não ter envelope (quando tem, geralmente adquirem forma esferoidal).

Suas dimensões são sub-microscópicas e para sua visualização requer-se o microscópio eletrônico. O tamanho do vírus varia de cerca de 17 nm a 300 nm (1 nm = 1/1.000.000 mm) para vírus isométricos e complexos e 3-25 nm em diâmetro e 200-2000 nm em comprimento, para os vírus helicoidais. Nas células infetadas, em muitos casos podem-se ver agregados de enormes quantidades de partículas virais no citoplasma, núcleo e vacúolo.

Vírus de plantas são helicoidais (Fig.1 a, d) e icosaedrais (Fig. 1, b). Alguns vírus helicoidais são envoltos por membranas como os tospovírus (Fig.1, c) e rhabdovirus (Fig. 1, e). A estrutura helicoidal, referido como núcleocapsídeo (ácido nucléico + capa protéica) destes vírus é verificada quando a membrana se rompe e libera o conteúdo (Fig. 1, f).

Existe uma Comissão Internacional (International Committee for Vírus Taxonomy) que cuida dos problemas de classificação e nomenclatura dos vírus em geral, incluindo os de plantas. Quanto aos nomes, para os vírus de plantas há um consenso para que tenham nomes comuns, vernaculares, indicando os sintomas e a hospedeira onde foram pela primeira vez descritos. Internacionalmente a designação e feita em inglês, indicando-se uma sigla/acrônimo no caso de citações repetidas.

Na literatura em português, costuma-se traduzir, quando possível, este nome em inglês, mas indicando-o na primeira citação, em itálico, como se fora nome cientifico em latim. Ex. mosaico da alface (Lettuce mosaic vírus - LMV), mosaico dourado do feijoeiro (Bean golden mosaic vírus - BGMV), tristeza dos citros (Citrus tristeza vírus - CTV), mosaico do mamoeiro (Papaya ringspot víru-isolate P - PRSV-P), etc.

Quanto à classificação, nos primórdios da virologia, foi ela feita baseada principalmente na sintomatologia e hospedeiras, mas a partir da década dos 50, quando informações básicas sobre a natureza dos vírus se tornaram disponíveis, houve uma mudança radical, classificando-os pelo tipo de seu genoma (DNA ou RNA, fita simples ou dupla, segmentado ou não), morfologia das partículas (forma icosaedral ou helicoidal, ou nenhuma delas), presença ou ausência de membrana envoltória, tipo de vetor e modo de transmissão, relacionamento sorológico, etc. Mais recentemente, com os avanços na área de genomas, o sequênciamento parcial ou integral do ácido nucléico dos vírus também tem sido utilizado como critério para sua identificação e classificação.

Não. Viróides são parasitos moleculares, menores que vírus. São pequenos fragmentos de RNA com 250-350 nucleotídeos (um vírus tem no mínimo uns 6.000 nucleotídeos), circulares e que se replicam nas plantas da mesma maneira que os vírus, utilizando do sua maquinaria metabólica. Até o momento só foram identificados em plantas e normalmente se disseminam por multiplicação clonal ou por instrumentos de corte. Tem sido identificado em várias culturas usualmente causando doenças menos importantes, mas há casos devastadores como o "cadang-cadang" que matou milhões de coqueiro no sudeste asiático. Entre nós conhecemos a exocorte e a xiloporose do citros e o nanismo do crisântemo.

Espiroplasma e fitoplasma são procariotos (como as bactérias) desprovidos de parede celular e disseminados por cigarrinhas. O espiroplasma é assim chamado porque a célula tem forma espiralada e entre nós causa uma enfermidade importante em milho, o enfezamento pálido. Fitoplasmas não tem forma definida e vários deles ocorrem entre nós e causam geralmente sintomas de amarelecimento generalizado, nanismo, folhas miúdas e proliferação das gemas (que em conjunto gera um sintoma conhecido como envassouramento).

No Brasil há doenças importantes como o irizado do chuchuzeiro, superbrotamento do maracujazeiro (Fig. 3 e) e enfezamento vermelho do milho.

Universidade de São Paulo

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Mosaic Biosciences Março 2024