Percevejos - a última barreira

Existem três espécies principais de percevejos. Os produtores localizados do Rio Grande do Sul até o sul e sudoeste do Paraná conhecem bem o percevejo verde. Já os plantadores situados ao norte dessa região enfrent

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Para efeito prático, a biologia das três espécies é parecida. A fase de ovo dura de 5 a 7 dias, até a eclosão das ninfas. Os dois primeiros estádios de desenvolvimento são os mais curtos, as ninfas são pequenas, dispersam pouco, e não causam danos à soja. Com o terceiro estádio, os percevejos começam a prejudicar a planta, e é justamente nos três estádios finais mais daninhos, que o tempo de duração é maior, variando de duas a três semanas. Finalmente, chega a fase de adulto, com duração variável entre 1 e 3 meses. Na prática, o que importa é que a parte do ciclo em que o percevejo causa danos é a mais longa, e um mesmo percevejo pode conviver com toda a fase crítica da planta de soja.

Os danos causados

Os danos dos percevejos são causados pelo seu hábito de alimentação, que é sugar os grãos da soja. O que pode ocorrer?

- Se as vagens são bem pequenas, como aquelas do final da floração - quando ainda não se sente o grão dentro delas - pode ocorrer o abortamento da vagem;

- Se a vagem for maior, já com os grãos em seu interior, o mais provável é o abortamento de um ou mais grãos – se todos abortarem, a vagem também morre;

- Mas, se o dano não for tão intenso que cause o abortamento, podem ocorrer desde pequenas marcas até o enrugamento ou o encarquilhamento dos grãos.

Esse dano vai aparecer no momento da colheita. Grãos chochos, retorcidos, ardidos, ou marcados. Isso significa perda de produção. E também perda de qualidade, porque a capacidade de germinação e o vigor da semente diminuem com o aumento dos danos. O ataque dos percevejos às vezes complica a colheita, porque provoca uma retenção das folhas, a manutenção dos caules verdes nas plantas, enquanto os grãos já estão no ponto de colheita. Tentar colher nessas condições significa maior perda na colheita, umidade muito alta, embuchamento da colhedeira, etc.

Intensidade de danos

Existe uma gradação de intensidade de danos, que depende de dois fatores: um deles é o estágio da planta. Outro é a população dos percevejos. Vamos analisar cada um:

• Antes que surjam vagens sobre as plantas, os percevejos não constituem preocupação, ao menos do ponto de vista de ocorrência de danos. Eles até podem ser encontrados sugando pecíolos ou outras partes tenras das plantas, mas esse não é um alimento adequado para eles. Dessa forma, toda a sua biologia fica prejudicada, inclusive a reprodução. É comum observar populações – às vezes elevadas – de percevejos, durante a fase vegetativa das plantas. É uma revoada de adultos, que saem de locais de repouso ou de hospedeiros alternativos, e se mudam para cultivos de soja. Mas, como o alimento não é adequado, eles passam um tempo nas plantas, por vezes migram em busca de outro alimento, outros morrem na própria soja, e isso é tudo;

• Se o aspecto geral da lavoura está mais para o amarelo do que para o verde, ou seja, os grãos já estão perdendo água para chegar no ponto de colheita, então o dano do percevejo também fica despresível e o perigo passou;

•Agora, entre o início da formação de vagens (o tal de canivetinho), e o completo enchimento de grãos, aí é olho vivo e faro fino, acompanhando a lavoura com freqüência e atenção, para evitar problemas.

População e danos

Em relação à população de percevejos, é importante destacar dois pontos: o primeiro diz respeito à idade dos percevejos. As ninfas menores, abaixo de 5 mm, não têm importância econômica, pois não causam danos às sementes. O problema começa com a segunda muda de pele e, no final da fase de ninfa, o dano é da mesma magnitude daquele causado por adultos. Existem diferenças na intensidade dos danos causados pelas diferentes espécies, mas essas não são tão gritantes que obriguem a tratar separadamente cada espécie.

O segundo ponto a considerar é o tamanho da população. O nível de ação recomendado oficialmente pelas instituições de pesquisa é de quatro percevejos por batida de pano, na média da lavoura. Se o amigo for produtor de sementes, siga a recomendação oficial de permitir apenas dois percevejos por batida de pano, na média da sua lavoura.

Antes de tudo, agradeça à Natureza, porque o percevejo que você vê, é aquele que conseguiu escapar do controle biológico que você não viu. A maioria da população de percevejos é controlada por predadores e parasitóides, e morrem em algum momento do ciclo. E, o mais importante: o controle biológico age com maior intensidade antes que o percevejo possa causar danos às plantas, ou seja, na fase de ovo, ou quando as ninfas são pequenas.

Mas, se a população de percevejos atingir o nível de ação recomendado pelas instituições de pesquisa, existem opções de controle químico, que podem ser indicados pelo seu agrônomo. O uso do inseticida correto e da dose adequada não apenas garante a sua lavoura, como protege os agentes de controle biológico, assegurando o equilíbrio do ecossistema, e evita o desenvolvimento de resistência de insetos a inseticidas.

Experimentos com níveis de percevejos

Desde a implantação do MIP Soja no Brasil, há mais de 25 anos, uma polêmica é levantada todo o ano: mas deixar quatro percevejos por batida de pano não é muito? E aí aparecem as histórias mais incríveis (que parecem de pescador), relacionando baixas populações de percevejos com altos danos. Eu, particularmente, estudei essa questão em 8 safras de soja, sempre simulando situação de lavouras de agricultor, ou seja: parcelões de um ou mais hectares, em que a população de percevejos só era controlada se atingisse 2, 4, 8, ou 12 percevejos por batida, comparados com controle preventivo (ausência de percevejos) e com a população natural que viesse a ocorrer na lavoura. Para que a situação fosse a mais problemática possível, plantou-se uma cultivar tardia, que tem um período crítico de exposição ao percevejo maior que as precoces (mais plantadas), e também é obrigada a suportar populações maiores desses insetos. O que se concluiu?

1. Na média dos diversos anos, o rendimento de colheita só foi reduzido com populações acima de 8 percevejos por batida. Se for descontado o custo para controlar os percevejos não havia muita variação de uma situação para outra. Ou, em linguagem científica, não houve diferença estatística entre os tratamentos;

2. Para manter a lavoura livre de percevejos, foram necessárias 9 aplicações de veneno. Para manter os percevejos dentro do nível de danos recomendado, precisou-se, em média, de 2,3 aplicações;

3. Quando se fala em qualidade, a coisa fica mais séria: A capacidade germinativa das sementes é afetada a partir de 4 percevejos por metro, mas com 2 já diminui o vigor;

4. A principal conclusão é que o nível de danos recomendado é mais do que suficiente para evitar prejuízo às lavouras.

Se é assim, então porque tanta queixa na hora da colheita, tanta reclamação com grão machucado por percevejos? Trinta anos de sol no lombo nos ensinaram o seguinte: o erro está no pouco cuidado com a lavoura (falta de vistoria, número de visitas insuficiente, poucas amostras), na amostragem mal feita, nas migrações intensas que ocorrem no final do ciclo, e no controle com inseticidas inadequados ou doses equivocadas. Com a colheita das lavouras mais precoces, a população de percevejos nas lavouras remanescentes chega a dobrar a cada dia. O produtor visita na sexta, quase não viu percevejo; volta na outra sexta e encontra uma população elevada. Mesmo controlando, o dano já está causado.

Reduzindo o custo de controle

A tal da globalização chegou como um trator por cima de todos nós, exigindo competitividade para permanecer no mercado. Antes disso, a Embrapa já vinha voltando com soluções, pela visão de seus cientistas. Uma delas é um verdadeiro ovo de Colombo: porque não usar só metade do inseticida para controlar percevejos? Isso pode reduzir mais de um terço do custo de controle de percevejos. O segredo está na seguinte receita: Pegue um pulverizador bem calibrado, coloque a água necessária, calcule a quantidade de inseticida para a área que vai aplicar e divida por dois. Adicione 500g de sal de cozinha (custa só R$0,15) para cada 100 litros de água, tome todos os demais cuidados necessários para uma aplicação de inseticida, e pronto. Você acaba de poupar um par de dólares por hectare.

É claro que antes de decidir por uma aplicação, o agricultor monitorou sua lavoura direitinho, acompanhou de perto a população de percevejos com as devidas amostragens, discutiu com o seu agrônomo, e o nível de ação foi atingido.

Agora, com sua licença, vou conversar com o nobre deputado aí ao lado, que também planta soja, e está aumentando seu lucro com mais essa tecnologia da Embrapa. Se V. Excia. imaginar uma aplicação nos 13 milhões de hectares de soja plantados no Brasil, estamos falando de uns R$52 milhões poupados para os agricultores. Muito mais do que a Embrapa gasta, anualmente, com toda a pesquisa de soja. Existe melhor investimento para o agronegócio brasileiro do que garantir a geração de tecnologia?

Décio Luiz Gazzoni

Embrapa Soja

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