Prejuízo à vista

A tiririca (Cyperus rotundus L.) é considerada a planta daninha mais disseminada e nociva do mundo; saiba como fazer o manejo adequado.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A tiririca (

L.) é considerada a planta daninha mais disseminada e nociva do mundo, em razão das reduções quantitativas e qualitativas impostas por ela na produção mundial das principais culturas. Quando em condições ambientais favoráveis, o estabelecimento da tiririca é rápido devido ao intenso crescimento vegetativo e à produção de tubérculos, sendo estes os motivos da sua vantagem competitiva com as culturas. Sua grande capacidade de sobrevivência no agroecossistema se deve a um eficiente sistema reprodutivo, constituído de rizomas, bulbos basais, tubérculos e sementes. As sementes são estruturas de reprodução que garantem maior diversidade genética da espécie no agroecossistema; entretanto, no caso específico da

L., o índice de germinação desta espécie em condições brasileiras é baixo (1 a 5%).

Os rizomas produzidos pelas plantas de tiririca podem se desenvolver paralelamente à superfície do solo, ou se distribuírem no perfil. O crescimento e o desenvolvimento dos rizomas estão extremamente ligados às condições do ambiente, podendo se diferenciar em tubérculos ou bulbos basais. Os tubérculos formam-se nas extremidades dos rizomas e, à medida que amadurecem, retardam seu crescimento e acumulam altas concentrações de substâncias de reserva, geralmente amido. O bulbo basal é formado a partir do ápice dos rizomas, de maneira similar à do tubérculo, exceto pelo fato de que o primórdio foliar produzirá a parte aérea da planta.

Os tubérculos da tiririca atuam como as principais unidades de dispersão, permanecendo no solo com diferentes graus de dormência por longos períodos, o que causa emergência irregular, contribuindo para a persistência desta espécie daninha no solo. Quanto às características fisiológicas, a tiririca apresenta uma rota fotossintética altamente eficiente na conversão de energia luminosa em ATP e NADPH, que serão utilizados na conversão do CO2 em carboidrato; todavia, é necessário elevada temperatura e intensidade de luz para que ela realize a fotossíntese com grande eficiência. Quando desenvolvendo em condições de baixa temperatura e intensidade luminosa, torna-se uma espécie pouco competitiva. A temperatura do solo também influencia a brotação dos tubérculos. Estudos têm mostrado que a temperatura ótima para a brotação dos tubérculos está entre 25 e 35ºC, e que a taxa de brotação aumenta linearmente nessa faixa de temperatura; no entanto, a brotação total destes somente é observada com alternância de temperatura (alta e baixa). Apenas pequeno tempo de exposição dos tubérculos a temperaturas de 35ºC, seguidas de temperatura amena (20 a 250C), é suficiente para quebrar a sua dormência. Dessa forma, aumentos graduais na temperatura que ocorrem no solo, principalmente em solos descobertos (plantio convencional) e resfriamento durante a noite servem de estímulo à brotação dos tubérculos no solo, promovendo a rápida infestação da área.

Outro fator que influencia a produção de tubérculos e a eficiência de herbicidas para seu controle é a umidade do solo. De forma geral, plantas de tiririca sob deficiência hídrica desenvolvem mecanismos de adaptação, como aumento na espessura e na densidade da cutícula, e, por conseguinte, reduzem a absorção, a translocação e o metabolismo de herbicidas, o que as torna mais tolerantes a esses produtos.

A interferência da tiririca em diversas culturas resulta em perdas de produção. Resultados de pesquisa mostram perdas da ordem de 89% para alho, 81% para feijão e 79% para a cultura do milho, entre outras. Para eliminar esses danos às culturas de milho e feijão, é necessário manter estas culturas livres da interferência desta planta daninha nos primeiros 45 e 30 dias após a emergência. No entanto, a aplicação de métodos isolados de controle, seja mecânico ou químico, não tem tido sucesso no controle desta espécie. A integração de diversos métodos de controle dentro do sistema de produção pode dificultar o crescimento e desenvolvimento de populações de espécies daninhas de difícil controle. Desse modo, o manejo integrado de plantas daninhas, que consiste em “um sistema ambiental do campo onde são usados todos os conhecimentos e ferramentas disponíveis para a produção das culturas livres de danos econômicos da vegetação competitiva”, pode reduzir a dependência do uso de herbicidas e atrasar ou prevenir o aumento de espécies perenes geralmente associadas a sistemas de cultivo. Considerando as condições brasileiras, fica evidente, que para culturas anuais, as quais possuem seu ciclo ou parte dele na época das águas, os métodos culturais se apresentam como os mais adequados para integração com o controle químico, visando à redução do número de propágulos da tiririca em áreas agrícolas, evitando assim sua disseminação e seu rápido crescimento.

Como exemplo dessa integração de práticas de controle, está sendo conduzida uma pesquisa na Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG, desde 1998, com o objetivo de avaliar os efeitos do sistema de plantio direto nas culturas de milho e feijão em sucessão e os reflexos desse manejo na dinâmica populacional de tiririca. A pesquisa está sendo desenvolvida em uma área altamente infestada com tiririca (1.000 plantas/m²) e contrasta os sistemas de plantios direto e convencional (aração e gradagem), e as finalidades de uso da cultura do milho (grão e silagem). Quando a finalidade de uso é para milho grão, toda a palhada da cultura permanece na área à superfície, no plantio direto, ou incorporada ao solo, no plantio convencional. Ao contrário, no milho para silagem toda palhada da cultura anterior é retirada da área.

No plantio direto, com uso de herbicidas sistêmicos usados como dessecantes, aliado ao fato de não revolver o solo, independentemente se para produzir milho para grão ou para silagem, têm-se observado excelentes resultados no manejo desta planta daninha. A partir do segundo ano de condução do ensaio, observou-se redução nos níveis populacionais da tiririca a favor do plantio direto, em relação ao plantio convencional, tanto para a cultura do milho quanto para o feijoeiro, da ordem de 90 a 95%.

Os maiores benefícios do sistema de plantio direto no manejo integrado da tiririca são obtidos devido à integração do controle químico proporcionado pelo uso do herbicida sistêmico para dessecação da vegetação em pré-plantio, ao controle cultural exercido pela falta de revolvimento do solo e conseqüente ausência de fragmentação das estruturas vegetativas da tiririca e à adoção de culturas altamente competitivas, principalmente por luminosidade, como a cultura do milho e feijão. Dessa forma, os níveis populacionais da tiririca podem ser diminuídos, principalmente no período de desenvolvimento das culturas sensível à interferência das plantas daninhas, ou seja, 45 dias após a emergência, a ponto de não acarretar reduções de produção das culturas infestadas Figura 1

A eficiência do sistema de plantio direto no manejo da tiririca fica comprovada quando se analisa o banco de tubérculos no solo após três anos de adoção do manejo integrado: foram observadas reduções de 77 e 84% no número de tubérculos onde se adotou o plantio direto, em relação ao plantio convencional, respectivamente para milho cultivado para silagem e para grão (Figura 2). Outro fato extremamente positivo observado a favor da adoção do manejo integrado foi confirmado quando se avaliou a capacidade de brotação dos tubérculos de tiririca coletados no solo. Estes, quando oriundos da área de plantio direto e plantados em vasos em condições ótimas de brotação, permaneceram dormentes, ao contrário daqueles originários de área de plantio convencional, que apresentaram brotação total e uniforme. A maior brotação dos tubérculos no plantio direto proveniente de milho para silagem, comparado ao milho para grão, provavelmente deveu-se ao efeito da ausência de palhada, que permitiu variação significativa entre a temperatura diurna e noturna e, conseqüentemente, a brotação dos tubérculos.

É importante salientar que a parte aérea da tiririca freqüentemente desaparece sob sombreamento exercido pelas culturas, porém os tubérculos permanecem viáveis no solo e reinfestam à medida que o sombreamento é removido. Esse fenômeno pode ser uma resposta ao aumento e às oscilações da temperatura do solo quando a parte aérea da cultura é removida e, por conseguinte, favorece a brotação dos tubérculos. A presença de palhada na superfície do solo, além de reduzir a incidência dos raios solares, também evita a alternância de temperatura do solo; na ausência de palhada, o aumento na flutuação da temperatura é maior próximo à superfície e decresce em profundidade.

Assim, surge a hipótese de que a dormência existente nos tubérculos encontrados no solo no plantio direto proveniente de milho para grão pode ser causada pela presença de tubérculos mais velhos neste sistema de manejo. Também a idade dos tubérculos pode ser outro fator determinante da dormência dos tubérculos de tiririca, e a proporção de tubérculos dormentes dentro da população aumenta com a idade. A sobrevivência dos tubérculos sob baixas densidades no solo depende da probabilidade de morte destes, a qual é esperada aumentar com a idade, devido à perda gradual da integridade fisiológica.

Outra hipótese pode ser atribuída à translocação de subdoses do herbicida sistêmico, utilizado para eliminar a vegetação remascente da cultura anterior, até os tubérculos, o qual poderá induzir a dormência destes, principalmente os mais distantes na cadeia subterrânea. Em síntese, no plantio direto, a manutenção da população de tubérculos se reduz a nível baixo dentro do limite aceito no manejo integrado de plantas daninhas, pois evita multiplicação de seus propágulos em razão da ausência de distúrbios no solo. Aliado a isso, o uso de cultivos sucessivos e de práticas culturais que permitem o manejo da luminosidade, como adoção de cultivares de crescimento inicial rápido e com altos índices de área foliar, é fator essencial para os resultados obtidos. É importante salientar que a aplicação do herbicida sistêmico (glyphosate ou sulfosate) deve ser feita quando as plantas de tiririca apresentam ótimo desenvolvimento vegetativo e alta atividade metabólica, porém antes do florescimento, para que estes herbicidas sejam translocados com eficiência por todas as partes da planta, principalmente para a subterrânea.

Com base nesta pesquisa, conclui-se que com a adoção do sistema de plantio direto, utilizando herbicidas sistêmicos para dessecação, aplicados no momento correto, aliado ao controle cultural, consegue-se ótimo manejo integrado da tiririca, transformando esta espécie daninha extremamente problemática em uma espécie comum.

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UFV

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