Como prevenir doenças de pós-colheita na cultura da videira

Problemas na pós-colheita acabam por depreciar os cachos de uva e provocar perdas sérias na comercialização. É o caso da podridão de alternária, causada pelo fungo A. alternata

22.06.2016 | 20:59 (UTC -3)

Os problemas fitossanitários na pós-colheita de uva geralmente têm início no campo. Contudo, a diminuição das perdas e a maior garantia de qualidade do produto na pré e pós-colheita têm sido evidenciadas com a implantação do sistema de Produção Integrada de Frutas (PIF), adotado desde 2001 nos parreirais do Nordeste brasileiro.

As doenças pós-colheita em uva ocasionam infecções quiescentes (provenientes do campo). São causadas por fungos como Alternaria, Colletotrichum, Lasiodiplodia e Botrytis, e adquiridas (geralmente no manuseio após a colheita), em que as bagas são afetadas geralmente por fungos como Penicillium, Cladosporium, Aspergillus, Rhizopus e outros que manifestam rapidamente sintomas de podridões. Além disso, fatores ambientais contribuem para o desenvolvimento de doenças em pós-colheita, como também genéticos, sendo uma característica indesejável a das bagas compactadas e de casca fina, por apresentarem maior vulnerabilidade a infecções.

Podridão por alternária

A podridão por alternária é causada pelo fungo A. alternata (Figura 1), cuja disseminação ocorre pelo vento. O controle preventivo se dá através da fumigação, devendo-se evitar, principalmente, as injúrias nos cachos. Muitas espécies do gênero Alternaria estão amplamente distribuídas no solo, como componente da microflora, e no ar. Contaminam naturalmente a parte aérea de plantas e são facilmente isoladas de materiais em decomposição. Esse fungo, além de afetar a uva, também infecta o tomate, pomares (principalmente as frutas de caroço) como caqui, manga, além de citros, melão, abóbora, pimentão, cenoura, feijão e outros vegetais e frutas.

Figura 1 - Conídios de Alternaria alternata isolados da uva

O fungo A. alternata é um importante patógeno pós-colheita de uva, em que a infecção inicia-se geralmente no pedúnculo. É também um patógeno comum em uva para vinho. No ano de 2003 foi detectado em 80% dos frutos coletados na Argentina. Esse fitopatógeno consegue infectar o tecido da planta através de ferimentos ou aberturas naturais. Porém, alguns pesquisadores afirmam que esse fungo é bastante agressivo, não necessitando de ferimentos na casca para penetração e mantendo seu desenvolvimento constante em ambiente refrigerado. Em frutos do caquizeiro, foi comprovado que A. alternata penetra diretamente no fruto. Entretanto, em trabalhos com uva de mesa, concluiu-se que nas bagas sem ferimentos não houve nenhuma indicação de que A. alternata penetrasse diretamente nas células da epiderme.

Em uvas de mesa tipo exportação, A. alternata provoca podridão nas bagas, caracterizada por lesões firmes, de coloração marrom-escuro a preto e próximo ao pedicelo e engaço, um tufo cotonoso acinzentado (Figura 2). Já foi constatado que em uva, sob condições de alta umidade houve a presença das frutificações do fungo e a coloração dos tufos variou de acinzentado a verde-oliva, evoluindo para preto. A doença ocorre tanto em bagas, como pedicelos e engaço durante todo período de desenvolvimento do cacho, além de ocorrer em bagas armazenadas a frio, porém, sua ocorrência é esporádica em algumas remessas. Isso é um sério desafio para o armazenamento prolongado de uva de mesa em baixas temperaturas. Fatores de estresse durante a refrigeração podem predispor os cachos de uva de mesa à deterioração por esse fungo.

Figura 2 - Progressão da podridão por Alternaria alternata

Patogenicidade de Alternaria alternata em uva

Devido ao fungo A. alternata infectar diversas culturas foi realizado um ensaio para verificar a patogenicidade de isolados de outras culturas e de diferentes partes da videira (folha e fruta) em bagas de uva varidade Itália. Foram obtidos 17 isolados (Tabela 1), alguns patogênicos à variedade Itália. Os isolados oriundos da uva e do tomate foram mais agressivos apresentando maiores tamanhos de lesões em curto espaço de tempo. Alguns isolados da própria uva, manga, melão, pepino e todos os isolados de tangerina, nesse ensaio, não conseguiram causar doença na variedade Itália. Mas isso não quer dizer que não sejam patogênicos a outra variedade de uva.

O conhecimento dessa característica (apresentar uma ampla variedade de hospedeiros para o fungo) é extremamente importante no manuseio pós-colheita, evitando que certas frutas/hortaliças que possuem patógenos comuns, permaneçam em um mesmo ambiente. Se forem armazenadas, transportadas ou comercializadas juntas pode haver uma infecção ou reinfecção, como verificado no ensaio com isolados de A. alternata de tomate e couve-chinesa patogênicos à uva (Figura 3). Se medidas preventivas não forem adotadas provavelmente ocorrerá a infecção e a perda vai ser mais perceptível quando chegar à comercialização e ao consumidor final, causando a depreciação do produto.

Figura 3 - Lesões dos isolados de Alternaria alternata patogênicos à uva variedade Itália. A - isolado da couve-chinesa e B - isolalado do tomate

Perspectivas futuras

Em ensaios futuros será interessante avaliar se os isolados de uva são patogênicos em outras culturas, para se obter resposta sobre infecção cruzada e fatores epidemiológicos que favoreçam doenças, além de formas alternativas de controle desse patossistema.

Tabela 1 - Procedência, hospedeiro e teste de patogenicidade dos isolados de Alternaria alternata

Numeração

Isolados

Hospedeiro

Patogenicidade

1

LPPC*-Recife

uva-fruta

-

2

LPPC-Recife

uva-fruta

-

3

Petrolina

uva-fruta

+

4

Petrolina

uva-fruta

+

5

Petrolina

uva-fruta

+

6

Petrolina

uva-folha

+

7

Petrolina

uva-folha

-

8

Petrolina

uva-folha

+

9

LPPC-Recife

manga

-

10

LPPC-Recife

manga

-

11

LPPC-Recife

melão

-

12

MMC**-878

couve-chinesa

+

13

MMC-1160

tomate

+

14

MMC-879

pepino

-

15

MMC-860

tangerina

-

16

MMC-861

tangerina

-

17

MMC-857

tangerina

-

Numeração

Isolados

Hospedeiro

Patogenicidade

1

LPPC*-Recife

uva-fruta

-

2

LPPC-Recife

uva-fruta

-

3

Petrolina

uva-fruta

+

4

Petrolina

uva-fruta

+

5

Petrolina

uva-fruta

+

6

Petrolina

uva-folha

+

7

Petrolina

uva-folha

-

8

Petrolina

uva-folha

+

9

LPPC-Recife

manga

-

10

LPPC-Recife

manga

-

11

LPPC-Recife

melão

-

12

MMC**-878

couve-chinesa

+

13

MMC-1160

tomate

+

14

MMC-879

pepino

-

15

MMC-860

tangerina

-

16

MMC-861

tangerina

-

17

MMC-857

tangerina

-

- = não patogênico; + = patogênico. *Laboratório de Patologia Pós-Colheita, **Coleção de Fungos Fitopatogênicos Maria Menezes

Box 1 - Importância econômica

O Brasil é o terceiro maior produtor de frutas do mundo, tendo a uva (Vitis vinifera) como umas das principais representantes no âmbito econômico da exportação de frutas. O cultivo da uva se dá, basicamente, nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Na região semiárida do Brasil (Bahia e Pernambuco), a viticultura vem se destacando no cenário nacional, pela expansão da área cultivada, volume de produção e, principalmente, pelos altos rendimentos alcançados e qualidade do produto.

Box 2 - Variedade Itália

A variedade Itália ou Piróvano 65 foi introduzia no Brasil na década de 20 e passou a ser cultivada comercialmente no estado de São Paulo nos anos 50, difundindo-se para o Norte do Paraná e outras regiões produtoras na década de 60. É uma variedade bastante vigorosa, de ciclo longo, com produtividade média de 30t/ha. Os cachos têm formas cilíndrico-cônicas, grandes (400g a 800g), um tanto alongados e naturalmente muito compactados, necessitando de intenso desbaste. É a principal variedade de uvas finas de mesa produzidas no Brasil pelos estados de São Paulo, norte do Paraná, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia. No nordeste semiárido do Nordeste brasileiro, essa variedade corresponde a aproximadamente 80% da área cultivada. Porém, possui pequena resistência às doenças e pragas.

Confira o artigo na edição 84 da revista Cultivar Hortaliças e Frutas.

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