Quando a planta daninha "engana" o herbicida II

Parte II - Este é o segundo artigo da série sobre resistência de plantas daninhas a herbicidas, preparado especialmente para essa revista pelo Dr. Kurt Kissmann, especialista da área.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Medidas de manejo têm sido recomendadas para enfrentar o problema da resistência de plantas daninhas a herbicidas, mas infelizmente não são muitas as alternativas disponíveis e menos ainda as práticas adequadas à situação de cada lavoura.

Desde o início é necessária uma identificação precisa das espécies daninhas que ocorrem na lavoura, bem como é indispensável conhecer sua biologia. Também se deve conhecer bem o fenômeno da resistência e saber quando está efetivamente ocorrendo ou quando há possibilidade de isso acontecer. Se um fenômeno de resistência ocorre em uma região, deve-se prestar muita atenção às espécies e herbicidas relacionados.

No Brasil, as espécies que merecem atenção especial, por já terem sido relacionadas a casos de herbicidas, são a

. No mundo já foram identificados, até 05.10.99, 219 biótipos, em 147 espécies resistentes (ver na internet

). Devemos nos preocupar mais, pela ocorrência de espécies no Brasil, com

spp.,

spp.,

sp., e

spp.

A existência de um biótipo resistente a determinado herbicida é no geral muito baixa inicialmente; talvez uma planta em um bilhão. Se uma planta resistente completa o ciclo, vai produzir algumas centenas ou milhares de sementes. Nas safras seguintes ocorre uma multiplicação em escala geométrica. Geralmente, quando detectado, o problema já é significativo.

É necessário tentar conter ou eliminar o problema nas lavouras. E evitar também a disseminação em outras áreas. É preciso reconhecer, contudo, que esse mesmo biótipo existe, naturalmente, em muitas outras áreas, de onde igualmente vai haver disseminação. Os focos tendem a se multiplicar. Plantas resistentes desenvolvem-se quando o controle das plantas infestantes é efetuado basicamente com herbicidas, usando-se com alta freqüência produtos com mecanismos de ação semelhantes.

Medidas preventivas

Já se conhecem medidas preventivas. Antes de tudo, por exemplo, deve-se usar sementes não contaminadas com sementes de espécies daninhas. Na legislação brasileira sobre sementes estão previstos índices máximos para certas espécies nocivas, porém essas normas não consideram o fenômeno relativamente novo da resistência.

As máquinas colheitadeiras, além disso, podem levar sementes de infestantes de uma lavoura para outra, espalhando o problema, quando colhem grãos. Sabendo-se da ocorrência de plantas resistentes na área, uma limpeza em regra é exigida após o trabalho, ou antes de passar para outra lavoura. Já estão aparecendo as primeiras colheitadeiras que, além dos grãos da cultura, colhem e separam outras sementes, como as de plantas infestantes. Alguns protótipos já operam na Austrália. Desse modo, pode-se remover grande quantidade de sementes daninhas.

O controle também envolve práticas culturais. Assim, a época de semeadura é importante, pois basta retardá-la para que maior número de plantas infestantes tenha emergido na hora da aplicação de "herbicidas de manejo". Isso ajuda a eliminar bom número de competidoras, inclusive algumas resistentes. Além disso, há a possibilidade de se alternar culturas do mesmo período (mesmas espécies infestantes), que permite trocar de métodos de controle, inclusive herbicidas com diferentes mecanismos de ação. Essa medida é muito prática para ajudar na solução do problema.

Métodos mecânicos

E há, ainda, métodos mecânicos de controle, como as capinas ou o pastoreio depois da colheita. A resistência a métodos mecânicos, como a capina, vem de um eventual rebrotamento ou um novo enraizamento a partir de partes vegetais deixadas sobre o solo. No caso de plantas como as trapoerabas o ideal é remover todo o material depois da capina. Há casos em que a capina pode eliminar plantas resistentes, mas a movimentação do solo traz à superfície novas sementes, dando-lhes condições de germinar. Exemplo disso é o picão-preto,

.

Soltar o gado nas áreas colhidas pode ajudar na eliminação de plantas daninhas que venham a se estabelecer. Isso é mais significativo se o plantio da cultura á alternado com a exploração pecuária, como muitos fazem alternando cultura de arroz irrigado com pastagem. No passado isso era prática normal para o controle do capim-arroz

spp.

Hebicidas dominam

O uso de herbicidas é a prática dominante no controle das plantas indesejadas. Novos produtos, com características sempre mais interessantes, surgem a cada temporada.

• Ação - Em princípio, herbicidas com mecanismos de ação semelhantes também tendem a falhar contra os mesmos biótipos de plantas resistentes. Isso, contudo, não é uma regra fixa. Pequenas diferenças nos sítios de atuação produzem resultados diferentes. Um biótipo resistente a um inibidor de ACCase pode ser menos resistente a outro produto ou ser suscetível a um terceiro. Um biótipo resistente a um inibidor de ALS também pode ser menos resistente ou suscetível a outro produto. Na prática, tem se observado que numa espécie com resistência não ocorre apenas um biótipo, mas diversos, os quais têm sensibilidades a diversos herbicidas com mecanismos de ação semelhantes.

• Tabelas – Estão sendo construídas tabelas agrupando produtos com mecanismos e sítios de ação semelhantes. Essas tabelas ainda não são perfeitas e continuam a ser aprimoradas. De qualquer modo, são muito úteis para a seleção de herbicidas diferentes. Deve-se considerar que entre os mecanismos de resistência também podem estar a alteração na capacidade metabólica ou a retenção, conforme explicado na primeira parte. Para esses tipos de resistência ainda não se formaram tabelas e as atuais, baseadas na atividade bioquímica dos produtos, têm pouca serventia em relação a mecanismos metabólicos ou de retenção.

• Níveis – O nível de controle necessário para invasoras em geral é aquele que evita dano econômico. Nem sempre é necessário um controle de 100%. No caso de espécies com biótipos resistentes, entretanto, deve-se visar sempre um controle próximo ao total.

• Misturas – É comum hoje o uso de dois ou mais herbicidas para uma cultura, mas geralmente para complementação do espectro. Eventualmente uma mesma espécie é suscetível aos dois ou mais produtos visados. Visando ao problema da resistência, pode-se combinar o uso de dois tipos de herbicidas, com mecanismos de ação diferentes. Quando se combinam dois herbicidas eficientes contra uma mesma espécie, geralmente se reduzem as doses, esperando o efeito somatório. Isso torna-se crítico no caso de resistências, pois se uma planta é resistente a um dos produtos, necessitará a dose plena do outro composto para ser controlada. Sabendo-se da ocorrência de uma espécie resistente a um produto, melhor que combinar é usar logo a dose plena de outro produto, sabidamente eficiente.

Na combinação de dois herbicidas de pré-emergência, ou um de pré e outro de pós, deve ser lembrado que um efeito residual diferenciado (um longo e outro curto ou inexistente) deixará espécies de plantas daninhas expostas a um só produto por certo tempo. O melhor é que ambos tenham períodos de atuação semelhantes.

• Alternância – A escolha de um herbicida depende de muitos fatores. Alternar para uma mesma cultura, de forma preventiva, pode ser interessante se na região são conhecidos casos de resistência e plantas resistentes podem estar ocorrendo na lavoura sem a percepção do agricultor. Se produzirem sementes o problema se multiplica. Sem um histórico regional de resistência e sem outros motivos significativos, a alternância pode não fazer muito sentido.

Nos últimos anos surgiram muitos herbicidas altamente eficientes, que dominaram o mercado. Alguns deles, no entanto, apresentam riscos de resistência. Para programas de manejo tende a crescer novamente o uso de velhos produtos, de menor eficiência mas sem históricos de resistência, como as dinitroanilinas ou cloroacetamidas, por exemplo.

• Biotecnologia – O advento de plantas cultivadas tornadas resistentes a herbicidas não seletivos pela manipulação genética estará modificando a forma de superar problemas de resistência. Na ocorrência de um problema com qualquer herbicida, pode-se semear culturas transgênicas e usar um herbicida total ao qual essa cultura foi tornada resistente.

Classes de herbicidas

Existem muitos critérios para agrupar herbicidas. Um deles é segundo a forma de atividade biológica dos produtos. Devemos lembrar que:

Modo de ação engloba todos os episódios, desde o contato do herbicida com as plantas até o resultado final. Classificações segundo o modo de ação são muito abertas.

Mecanismo de ação define a interferência direta na atividade bioquímica, da qual resulta o efeito herbicida. Um produto pode apresentar um mecanismo único ou vários mecanismos, dos quais um pode ser mais importante ou o resultado pode depender da soma de efeitos.

A classificação apresentada por organismos internacionais considera especialmente os mecanismos de ação que podem conduzir a resistências. Essa classificação é atualizada na medida em que novos conhecimentos surgem.

Kurt G. Kissmann

Consultor

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