Como quantificar o desempenho de máquinas agrícolas com o uso de bancadas dinamométricas

Existem diferentes princípios de funcionamento em bancadas dinamométricas, alternativas para quem busca avaliar e otimizar o desempenho de sua máquina agrícola

30.09.2016 | 20:59 (UTC -3)

No Brasil, os ensaios de tratores tiveram início no final da década de 40. O curioso é que a fabricação nacional de tratores viria a ocorrer somente dez anos mais tarde (Mialhe, 1996). Infelizmente, desde o encerramento das atividades do Centro Nacional de Engenharia Agrícola (Cenea) em 1990, o Brasil ficou sem maiores referências na área de ensaios de tratores e/ou motores agrícolas. A partir daí, os ensaios praticamente ficaram restritos às instituições de pesquisa, que têm como objetivo a realização de estudos voltados a esta temática sem despender uma maior atenção à prestação de serviços às empresas fabricantes, concessionárias e consumidores. Já em países da Europa e nos Estados Unidos, as atividades dos centros de ensaio são continuamente solicitadas, de forma voluntária, pelos fabricantes de máquinas agrícolas. Todavia, países como o Brasil não apresentam uma infraestrutura capaz de fazer frente às instalações e aos procedimentos de ensaio oferecidos por países com maior nível de experiência neste assunto.

Sabe-se que o desempenho de um motor diesel pode ser conhecido através de ensaios dinamométricos, os quais normalmente são realizados em laboratório e proporcionam a aquisição de valores que geralmente são expressos na forma de gráfico. Via de regra, estes gráficos possuem três curvas fundamentais que ilustram as principais características do desempenho do motor submetido ao ensaio: curva de torque, potência e consumo específico de combustível (Figura 1).

Figura 1 – Curvas características de desempenho de um motor diesel e os principais pontos caracterizadores do funcionamento a plena carga. Fonte: Mialhe, (1996)

A operacionalização do procedimento de ensaio é bastante simples. Acopla-se a árvore cardânica ao dinamômetro e à tomada de potência do trator (TDP), tomando-se os devidos cuidados para que a inclinação deste eixo seja nula ou mínima. A tarefa de nivelamento pode ser facilmente realizada por meio do uso de rampas de madeira e/ou metálicas, que deverão ser posicionadas sob as rodas do trator a ser ensaiado. Outra forma de nivelamento é o próprio dinamômetro se rebaixar ou levantar em relação ao ângulo formado em relação à TDP.

O acoplamento do dinamômetro pode ser realizado diretamente ao volante do motor (sendo que o motor, neste caso, não está no trator), eliminando assim a necessidade de inserção de fatores de correção nos cálculos de desempenho, uma vez que existem perdas oriundas da transmissão nos casos de acoplamento à TDP do trator.

Os procedimentos de ensaios dinamométricos devem ser balizados por normas, tais como os Códigos OECD; Normas ISO, DIN e ABNT, tornando estes passíveis de padronização. Essa padronização permite a comparação de desempenho entre vários modelos de tratores e/ou motores, sob parâmetros rigorosamente idênticos. Desta forma, os procedimentos de ensaios comparativos realizados por agências independentes das fábricas são de fundamental importância para a indústria, o mercado e principalmente para o consumidor, pois gera como resultado uma espécie de competição entre os fabricantes. Esta competição tende a promover o progressivo melhoramento dos projetos de tratores agrícolas.

A realização deste tipo de ensaio em tratores agrícolas pode refletir a realidade a ser encontrada no momento da execução de uma tarefa agrícola. Assim, sob uma análise mais ampla, pode-se constatar que durante o desenvolvimento de trabalhos em campo frequentemente surgem dúvidas no que se refere às diferenças nos parâmetros de torque e potência em alguns modelos de tratores, seja na comparação com os dados fornecidos pelo fabricante ou em relação a outros tratores de mesma marca e modelo. É de conhecimento que tais diferenças no desempenho de um trator agrícola podem ser oriundas de inúmeros fatores, como, por exemplo, o amaciamento incorreto do motor quando o mesmo não é realizado sob as condições de orientação preestabelecidas pelo fabricante para determinado tipo de equipamento.

Neste cenário, destacam-se não só a importância da realização de ensaios desta natureza como também a correta escolha das normas de orientação e, principalmente, a adequada seleção do tipo de equipamento a ser utilizado. Com base nisto, este artigo visa identificar e destacar os pontos positivos e negativos dos principais tipos de dinamômetros disponíveis para a realização de testes e ensaios em tratores e/ou motores agrícolas.

PRINCÍPIOS DE FUNCIONAMENTO DE FREIOS DINAMOMÉTRICOS

A estrutura e os equipamentos que integram um banco de ensaios de motores dependem do objetivo e da natureza dos ensaios a serem realizados (ensaios de controle, ensaios de resistência, ensaios de pesquisa, entre outros). Além dos ensaios que visam determinar e ilustrar os parâmetros de desempenho dos motores, uma bancada dinamométrica bem estruturada pode também ser utilizada com o intuito de proporcionar um correto amaciamento de motores agrícolas, o que pode evitar possíveis problemas relacionados ao baixo desempenho da máquina em campo (Figura 2).

Figura 2 – Esquema ilustrativo de um ensaio de motor de um trator agrícola conectado na bancada dinamométrica por meio da TDP. Fonte: Casimiro Dias Gadanha Júnior, adaptado de Mialhe (1996)

Um dos principais elementos para a obtenção dos dados de desempenho de uma máquina e/ou motor, a partir de ensaios em bancada dinamométrica, é o freio dinamométrico. Os freios dinamométricos criam uma resistência ao trabalho do motor, transformando em calor a energia mecânica produzida pelo mesmo. Desta forma, é pertinente que todo e qualquer freio dinamométrico disponha de um sistema de arrefecimento adequado, visando dissipar o calor gerado durante o trabalho. O processo de frenagem exercido por um dinamômetro acarreta na geração de cargas resistentes ao motor, fazendo com que o mesmo tenha sua rotação paulatinamente reduzida. Esse elemento permite manter o motor nas condições necessárias para uma correta medição de torque e potência gerados durante o processo de queda da rotação. É importante salientar o fato de que estes equipamentos realizam a medição da potência de forma indireta, a partir dos parâmetros de torque e rotação do motor, previamente obtidos. O conjunto de dados gerados através do processo de frenagem do motor em prova é o que dá origem às curvas de desempenho dos motores.

Os freios dinamométricos devem proporcionar um torque de frenagem constante e por um período suficientemente longo, visando à obtenção de uma medição precisa do torque gerado pelo motor em avaliação. Desta forma, podem-se encontrar diferentes tipos de dinamômetros atualmente disponíveis no mercado.

DIFERENTES TIPOS DE FREIOS DINAMOMÉTRICOS

O dispositivo que deu origem aos demais equipamentos utilizados atualmente é conhecido como Freio de Prony. Seu princípio de funcionamento é simples, uma vez que o atrito de uma cinta em relação a um volante acionado pelo motor gera uma força, que se transfere ao braço ou à alavanca presente no mecanismo, e passa a ser registrado por uma célula de carga (Figura 3).

Figura 3 – Esquema de funcionamento de um Freio de Prony.

Fonte: Mialhe (1996)

Todavia, este mecanismo apresenta uma série de inconvenientes, tais como a manutenção da carga constante, mesmo em casos de redução da rotação de trabalho do motor submetido ao teste, o que inevitavelmente acarreta em uma parada total do mesmo após alguns instantes.

As particularidades e limitações dos equipamentos que utilizavam os freios de Prony como mecanismo de frenagem da máquina em prova fizeram com que os mesmos fossem aos poucos substituídos por equipamentos com princípios de funcionamento mais versáteis, tais como os dinamômetros hidráulicos, também conhecidos como Freios de Froude. Este tipo de dinamômetro utiliza um fluxo axial de água como elemento de frenagem do equipamento em prova, sendo necessário fornecer um fluxo contínuo de água para que ocorra a absorção da energia e a dissipação do calor gerado durante o processo, uma vez que o mesmo fluxo de água que realiza o processo de frenagem tem a responsabilidade de arrefecer o sistema.

A água é pressionada contra aletas fixas na carcaça, assim, quanto maior for o volume de água que circula no sistema e quanto menor for o espaçamento entre as aletas fixas na carcaça e as aletas do rotor, maior será a pressão hidráulica exercida e, consequentemente, maior será o efeito de frenagem. Como vantagens deste tipo de equipamento, podem ser citados o menor custo de aquisição e a menor dependência de energia elétrica. Já como desvantagens, mencionam-se a menor vida útil dos componentes, além dos maiores tempos de resposta aos comandos e dificuldades na geração de cargas muito baixas e/ou nulas, visto que sempre haverá um fluxo de água no sistema, mesmo que em menor escala. Este tipo de equipamento tem grande utilização em testes envolvendo motores automobilísticos.

Outro princípio de funcionamento empregado em dinamômetros utiliza a energia elétrica como indutor do mecanismo de frenagem. Este equipamento consiste em um gerador elétrico que é acionado pelo motor em teste, produzindo energia elétrica. Esta energia é consumida de acordo com a carga aplicada ao motor, sendo necessária a correção das medidas obtidas pelos instrumentos de mensuração (basicamente voltímetro e amperímetro), uma vez que o rendimento de um gerador elétrico varia em função da velocidade, da temperatura e da carga aplicada. Equipamentos desta natureza apresentam como vantagem o fato de trabalharem com duplo propósito, tanto na geração de energia para acionamento da máquina em prova, quanto na frenagem da mesma. A principal desvantagem refere-se ao custo elevado, baseado tanto no maior consumo de energia quanto na necessidade de uma maior estrutura física por conta das dimensões destes equipamentos.

Dentre os diferentes tipos de dinamômetros atualmente disponíveis no mercado encontram-se também os dinamômetros de Correntes Parasitas, ou dinamômetros de Correntes de Foucault. Esses dinamômetros utilizam a energia elétrica como fonte de alimentação para a realização do processo de frenagem, todavia, a função desta fonte de energia é proporcionar a geração de um campo magnético de intensidade variável, capaz de realizar a frenagem da máquina em prova. Para simplificar esta abordagem pode-se fazer a seguinte analogia: um fino disco de metal fixado a um eixo qualquer gira livremente, quando então dois ímãs são posicionados próximos ao disco, porém, em lados opostos. Na medida em que os ímãs são aproximados do disco, o fluxo magnético responsável pela atração entre eles faz com que o disco metálico receba uma força no sentido oposto ao do seu deslocamento, ocasionando a progressiva frenagem do mesmo.

Nesse dinamômetro, as bobinas de excitação cumprem o papel dos ímãs e o rotor cumpre o papel do disco metálico. Assim, as bobinas são controladas pela intensidade da corrente contínua que as alimenta, podendo-se, dessa forma, controlar a intensidade da carga aplicada (e não a aproximação com o disco). Já o rotor acionado pela máquina em prova gira livremente até que, por meio das bobinas de excitação, se aumente a intensidade do fluxo magnético, acarretando em redução da velocidade de giro do mesmo.

Todo o esforço gerado no rotor é transmitido à carcaça do dinamômetro. Junto à carcaça encontra-se um braço metálico de comprimento conhecido, de forma que toda a variação de movimento da carcaça (onde estão fixas as bobinas) gere uma movimentação desse braço, que acarreta em uma força registrada pela célula de carga interligada ao mesmo. Assim, a variação de movimento da carcaça é que permite determinar a magnitude do torque registrado. Cabe ressaltar que este tipo de dinamômetro necessita de um circuito de arrefecimento por água, com o intuito de dissipar o calor gerado pelo processo, ou mesmo um sistema de ventilação de alta vazão de ar, mais utilizado em dinamômetros móveis.

Os dinamômetros de Correntes de Foucault apresentam como vantagens o funcionamento mais silencioso, o menor consumo de energia (na comparação aos demais dinamômetros elétricos), a maior agilidade nos tempos de resposta aos comandos e a possibilidade de utilização em motores de variadas faixas de potência. A sua maior desvantagem diz respeito ao seu maior custo de aquisição, todavia, o menor consumo de energia pode compensar este custo ao longo davida útil deste equipamento.

BANCADAS DINAMOMÉTRICAS EXISTENTES

Nos segmentos de ensino e pesquisa existem atualmente algumas instituições que usufruem de estrutura apropriada para a realização de ensaios desta natureza. Todavia, a integração ensino/extensão infelizmente ainda não faz parte da rotina de algumas destas Instituições ou, pelo menos, não participa como deveria, fato que se atribui, na maioria dos casos, à baixa procura por informações mais detalhadas dos tratores comercializados no país. Neste grupo de instituições pode-se citar também a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, que por meio do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas (Nema) vem realizando ensaios de motores de tratores agrícolas em bancada dinamométrica desde o final de 2009. Dispondo de dois dinamômetros de Correntes de Foucault, sendo um deles fixo e outro móvel, esse último permitindo o deslocamento do equipamento até os locais de ensaio.

O grupo de pesquisa do Laboratório de Agrotecnologia (Agrotec), vinculado ao Nema, trabalha na consolidação de uma proposta ampla de trabalho, visando imprimir uma rotina de ensaios que melhor caracterizem os tratores agrícolas presentes na região. Assim, este laboratório figura como uma boa opção, tanto para a realização de ensaios, quanto para a realização de testes e procedimentos de amaciamento dos motores de tratores agrícolas.

Este artigo foi publicado na edição 141 da revista Cultivar Máquinas. Clique aqui para ler a edição.


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