Redução das perdas de alimentos: etapas e estratégias para o envolvimento da cadeia hortícola

Muito além de um problema logístico, a perda de alimentos durante o pós-colheita acaba sendo peça fundamental na busca da segurança alimentar

12.03.2019 | 20:59 (UTC -3)

Por  Daniela Bacchi Bartholomeu Bonato 


Muito além de um problema logístico, a perda de alimentos durante o pós-colheita acaba sendo peça fundamental na busca da segurança alimentar. Estima-se que a população mundial deverá atingir 10 bilhões de pessoas em 2050, o que significa um aumento de 25% na população em cerca de 30 anos.

Isto significa que mais alimento deverá estar disponível para atender a esta demanda crescente. Produzir mais alimento implica a necessidade de maior uso de recursos naturais, tais como novas áreas destinadas para a agropecuária e utilização mais intensa de recursos hídricos. Pensar em alternativas para diminuir este impacto sobre o uso dos recursos naturais acaba sendo fundamental para a sustentabilidade do planeta e pode ser chave para que os problemas relacionados a desnutrição e insegurança alimentar não se aprofundem nos próximos anos.

Neste sentido, tem ganhado importância alternativas para mensuração e redução das perdas e desperdícios de alimentos. Em última análise, perdas e desperdícios de alimentos representam uma ineficiência do sistema produtivo, uma vez que implicam perdas econômicas, sociais e ambientais significativas, tanto diretas quanto indiretas. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO) estima que, anualmente, são perdidos ou desperdiçados cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos. Isto representa uma perda econômica anual de aproximadamente US$ 1 trilhão. No âmbito social, esta quantidade perdida poderia alimentar os 815 milhões de indivíduos que atualmente estão em situação de fome no mundo, o equivalente a 12% da população mundial (Belik, 2018). Além disso, ao reduzir a oferta de alimentos, as perdas acabam aumentando os preços, dificultando o acesso das populações mais carentes. Paralelamente, também significa a perda correspondente de terra, água, energia e outros insumos para a produção agropecuária, além da geração de resíduos e da emissão de gases poluentes.

Internacionalmente, uma série de países têm reconhecido a importância do assunto e adotado ações e programas voltados para redução das perdas e desperdícios de alimentos, tais como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Itália, França, Argentina, Costa Rica, Panamá, entre outros (Rosseto, 2018). No âmbito da ONU, é previsto, na Agenda 2030, “reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita” até 2030 (ONU, 2019).

Um passo anterior ao estabelecimento de metas de redução é a própria identificação e quantificação das perdas, fundamentais para que os programas ou ações tenham resultados efetivos. Detectar e apontar medidas ligadas à mensuração, à identificação e à minimização de perdas podem potencialmente beneficiar diversos grupos da sociedade, tais como produtores, agentes ligados à logística de transporte de produtos agrícolas e o próprio consumidor final (ESALQ-LOG, 2019). Neste sentido, o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (ESALQ-LOG) desenvolveu o “Sistema de Informações de Perdas de Pós-Colheita – SIPPOC”, uma plataforma on-line disponível para consultas com livre acesso que disponibiliza indicadores e calculadoras de perdas de pós-colheita. O ponto de partida do projeto, realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), foi a identificação dos gargalos logísticos que prejudicam a competitividade dos produtos brasileiros, que reduzem a disponibilidade de alimento que chega ao consumidor e que aumentam o preço final do produto (ESALQ-LOG, 2019).

Neste contexto, esta análise busca responder a seguinte questão: como o setor produtivo pode, de fato se envolver na busca de uma maior eficiência e de uma perda menor?

Na prática, não é preciso esperar que haja programas nacionais, regionais ou setoriais para se envolver com a temática. Cada agente, individualmente, deve obter ganhos expressivos simplesmente começando a olhar com mais cuidado para o assunto, procurando identificar as etapas e as atividades, dentro de seu escopo de atuação, causadoras de perdas (Figura 1). Uma vez identificadas, o segundo passo é quantificar as perdas, de modo que seja possível ter um diagnóstico mais preciso para definir metas e estratégias de mitigação. Nesta etapa, a introdução de inovações no modo de fazer em relação ao status quo são muito importantes e podem trazer resultados surpreendentes. Definidas as metas e estratégias para redução das perdas de alimentos, deve-se então divulgá-las à toda a equipe que será envolvida no processo (se necessário, através do oferecimento de treinamentos). Apesar de parecer simples, manter o pessoal engajado pode exigir tempo e persistência. Uma vez iniciadas as ações, o monitoramento deve ser constante, buscando coletar indicadores que auxiliem na avaliação dos resultados alcançados. Se as perdas foram reduzidas, a estratégia adotada foi bem-sucedida e, portanto, pode ser mantida, reavaliando-se, eventualmente as metas estabelecidas. Caso contrário, nova estratégia deve ser adotada, abrangendo um novo conjunto de ações a serem empregadas.

Figura 1 – Etapas do processo de redução das perdas de alimentos  Fonte: Elaborado pela autora.
Figura 1 – Etapas do processo de redução das perdas de alimentos Fonte: Elaborado pela autora.


A seguir, são sugeridas algumas estratégias para redução de perdas em alguns estágios da cadeia de suprimentos de hortaliças.

Considerações Finais

Apesar de um problema global, a efetividade dos resultados da busca da redução das perdas de alimentos depende, em última análise, de ações locais. Cada realidade é única e requer diferentes soluções para o problema. Soluções que não necessariamente estão ligadas a incrementos de custos devido a uma aquisição de novo equipamento ou tecnologia. Pelo contrário, grande parte das vezes, são soluções bastante simples, que surgem com criatividade e vontade de mudar. Independentemente do caminho, das estratégias e das ações que sejam definidas em cada caso, o importante é que o resultado, se positivo, gerará maior eficiência econômica diretamente para os agentes envolvidos (na forma de maior receita) e indiretamente para a sociedade (na forma de maior disponibilidade e menores preços dos alimentos). Além disso, também será mais eficiente para o ambiente, pois os recursos naturais estão sendo efetivamente utilizados na produção de alimentos que chegam à mesa do consumidor. E, por falar no consumidor, este é um outro agente extremamente importante na busca pela conscientização e engajamento no problema, dadas as proporções que o desperdício de alimentos tem ganhado, em especial nos países de maior renda.


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