Regulagem errada

Na hora de regular e preparar o pulverizador é necessário saber qual é o alvo a ser atingido e onde ele se encontra.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O controle químico de pragas e doenças é hoje o principal meio utilizado para a manutenção da fitossanidade das culturas, sendo a pulverização, a principal forma de aplicação dos diferentes agrotóxicos. Esta operação, no entanto, que pode ser responsável por 30 a 60% do custo de produção, é pouco entendida e considerada por técnicos e operadores dentro do sistema de produção, levando geralmente a expressivas perdas de produto, tempo e dinheiro.

Conhecer a pulverização começa por compreender que fatores ligados à praga, ao produto, à máquina, ao momento da aplicação e ao ambiente interagem na operação, proporcionando seu sucesso ou insucesso. Um destes fatores que for desconsiderado, ou considerado erroneamente, poderá ser o responsável direto pela ineficiência do controle. Dessa forma, vamos aqui tentar entender como as interações entre alguns destes fatores, principalmente praga, produto e máquina, podem estar interferindo na eficácia da pulverização.

INTERAÇÃO PRAGA X PRODUTO

A correta aplicação de agrotóxicos começa pela identificação da praga (inseto, doença ou planta daninha) que se deseja controlar e pelo conhecimento de aspectos básicos da sua biologia. Este é considerado o alvo biológico a ser atingido. Assim, aspectos como local de ocorrência da praga na cultura, hábitos de reprodução, mobilidade etc., devem ser estudados. A interação entre o alvo biológico e a capacidade de redistribuição na planta do agrotóxico a ser utilizado definem o alvo químico, que é o local onde se deve colocar o produto químico para que este exerça adequadamente sua função de controle da praga.

Consideremos como exemplo o controle da mosca-branca (

sp) na cultura do feijoeiro (

). Dados da biologia desta praga mostram que ela se localiza na página inferior das folhas da cultura. Nas fases de ovo, e posteriormente de ninfa, é imóvel, entretanto, quando adultas, permanecem na página inferior das folhas durante o dia, alçando vôo nos períodos mais frescos do dia. Para o controle desta praga com agrotóxicos de baixa redistribuição, ou seja, que exerçam sua ação apenas no local em que foram aplicados, o alvo químico a ser considerado deverá ser necessariamente a página inferior das folhas, pois é lá que se encontra o alvo biológico. Todo produto atingindo a página superior das folhas, ou mesmo a haste e os ramos, pode ser considerado como perda. Neste caso, se durante a avaliação da pulverização for observado que a cobertura na página inferior é deficiente para o controle, duas alternativas podem ser analisadas.

A primeira alternativa seria a troca do produto por outro com melhor redistribuição, como produtos com ação translaminar ou sistêmica por exemplo. Dessa forma, o alvo químico passaria a ser tanto a parte superior quanto a inferior das folhas, pois as áreas não atingidas seriam cobertas através do deslocamento do produto. A segunda seria a adequação do pulverizador à operação, através do redirecionamento das pontas de pulverização, ou mesmo da utilização de barras com assistência de ar, com o objetivo de melhorar a cobertura na página inferior das folhas. Uma terceira alternativa, viável apenas para pequenas áreas, seria concentrar as pulverizações à noite, ou nos períodos mais frescos do dia, momentos estes em que a probabilidade de se atingir os adultos fora de seu abrigo aumenta, melhorando a eficácia da pulverização.

Qualquer que seja a solução encontrada deve-se ter em mente que o produto que controla qualquer praga é aquele que chega no alvo e não o aplicado. Dessa forma, o objetivo da pulverização deve ser colocar o produto no alvo químico, definido em função da praga e do produto empregado, em uma quantidade e distribuição adequadas, com a menor perda possível. O volume de água utilizado, normalmente expresso por L/ha ou L/planta, é apenas o preço que se paga para colocar o produto adequadamente no alvo, devendo portanto ser conseqüência do processo de regulagem do pulverizador e nunca sua finalidade.

INTERAÇÃO MÁQUINA X PRODUTO

Qualquer pulverizador, quando mal regulado, pode ter sua Capacidade de Campo Operacional (horas necessárias para pulverizar 1 ha) reduzida em função do agrotóxico utilizado, bem como interferir negativamente sobre a eficiência do mesmo. Entenda-se por regulagem o processo de adequação do pulverizador à operação que irá realizar. Neste momento são definidos, por exemplo, a malha dos filtros, o tipo, direcionamento e espaçamento das pontas a serem empregadas, a velocidade de trabalho, a cobertura sobre o alvo químico selecionado etc. Após a regulagem, é realizada a calibração, onde se determina o volume de calda aplicado e a quantidade de produto a ser colocada no tanque do pulverizador. Não raro, a regulagem é simplesmente ignorada no processo de pulverização, realizando-se apenas a calibração.

O primeiro passo no processo de regulagem deve ser verificar a adequação dos filtros do pulverizador (Figura 1 -

) à formulação do(s) agrotóxico(s). Formulações pó-molhável (PM) ou suspensão concentrada (SC), por possuírem partículas sólidas em suspensão na calda, podem apresentar problemas quando o pulverizador for equipado com filtros malha 80 (80 aberturas em 1 polegada linear) ou superior. Apesar de as formulações estarem se desenvolvendo muito, o que tem permitido que alguns pós permaneçam em suspensão por até 24 horas, pode ocorrer que o diâmetro das partículas de pó seja superior ao da abertura de peneiras muito finas. Isso faz com que uma grande quantidade de produto pare no filtro, formando uma pasta sobre o mesmo que o bloqueia com frequência, obrigando o operador a realizar limpezas constantes, reduzindo o período útil de trabalho e elevando o risco de contaminação do aplicador.

Além disso, quando uma parte considerável do filtro está entupida, a ação de sucção da bomba faz pressão sobre a parede do mesmo, provocando torções e o rompimento da peneira, criando espaços para a passagem da calda e reduzindo sua vida útil. Por outro lado, como a quantidade do agrotóxico retida pelo filtro pode ser significativa, pode-se estar aplicando subdoses do produto e limitando sua eficácia. Para evitar este problema, quando da utilização de formulações PM e/ou SC, peneiras malha 50 devem ser colocadas em todas as posições de filtragem (bomba, linha e bicos). Pontas que exijam peneiras malha 80 ou superior também não devem ser utilizadas com estas formulações.

Outro fator a ser observado, e que tem grande influência sobre a eficácia da pulverização, é a rotação do trator, por interferir diretamente na rotação da tomada de potência (TDP), normalmente responsável pelo acionamento dos pulverizadores. A grande maioria dos pulverizadores no Brasil está dimensionado para trabalhar a 540 rpm, portanto, uma operação importante na fase de regulagem é identificar qual a rotação no motor que proporciona 540 rpm na TDP e selecioná-la como rotação de trabalho. Quando necessário, a velocidade de deslocamento mais adequada às condições da operação deve ser avaliada apenas em função da alteração de marchas.

A rotação do motor necessária para 540 rpm na TDP está normalmente especificada no próprio trator, no painel ou nos adesivos e placas metálicas onde se encontra a relação de marchas (Figura 2). Caso uma rotação inferior à especificada seja selecionada, interferências negativas sobre o funcionamento da bomba e do sistema de agitação poderão ser observadas. Na bomba, a baixa rotação interfere na vazão e na sua vida útil.

A vazão especificada na bomba, de 80, 100 ou 150 L/min, por exemplo, refere-se à vazão a 540 rpm e será proporcionalmente reduzida com a rotação. Desta forma, o trabalho a baixas rotações pode fazer com que se tenha que investir em bombas de maior capacidade, com maior custo inicial e consumo de potência do trator, para suprir uma deficiência de vazão que poderia ser alcançada pelo trabalho em condições adequadas. Além disso, como a lubrificação da bomba é realizada por respingos de óleo proporcionados pelo impacto de partes mecânicas móveis sobre o óleo no cárter, uma redução na rotação de trabalho, por reduzir a velocidade do impacto, pode prejudicar a lubrificação e, conseqüentemente, a vida útil da bomba.

No sistema de agitação, a baixa rotação interfere tanto na agitação mecânica quanto na hidráulica. Reduzindo-se a rotação, o número de revoluções da hélice do agitador mecânico é reduzida proporcionalmente, reduzindo a eficiência da agitação. Na agitação hidráulica, a interferência se dá pela redução do volume de calda retornando ao tanque. Ambas as reduções podem interferir diretamente na eficácia dos agrotóxicos utilizados, principalmente em função da sua formulação. Formulações PM ou SC, por possuírem partículas sólidas em suspensão, tendem a se depositar no fundo do pulverizador em condições de agitação ineficiente. Formulações concentrado emulsionável (CE), cujo princípio ativo é um líquido não solúvel em água (óleo por exemplo), tendem a migrar para a superfície nestas mesmas condições. Isso faz com que, no início da aplicação, a concentração de produto seja superior (PM ou SC) ou inferior (CE) ao final, ocasionando uma má distribuição mesmo quando a dose por área (kg ou L/ha) está adequada.

Em pulverizadores com tanque de alta capacidade, em condições onde o ponto de aplicação está longe do ponto de preparo, a agitação no abastecimento é efetuada com baixas rotações, e o deslocamento é realizado com baixas rotações e/ou com a TDP desligada, esta segregação do produto no tanque também poderá acontecer. O sintoma mais típico deste fenômeno é, na aplicação de produtos PM com cores acentuadas como formulações cúpricas e de mancozeb, observar-se áreas coloridas cuja intensidade vai diminuindo no sentido de deslocamento do pulverizador. Para resolver este problema, basta deixar o trator parado por pelo menos 1 minuto com o agitador ligado, na rotação de trabalho, imediatamente antes do início da pulverização.

O problema da segregação de produtos na calda de pulverização é particularmente sentido na horticultura e fruticultura, quando da utilização de pulverizadores semi-estacionários. Nestes pulverizadores, o trator permanece parado na borda da área enquanto os operadores, arrastando compridas mangueiras, fazem a pulverização da cultura. Nesta situação, além de se utilizar comumente formulações PM, o trator trabalha de 700 a 1000 rpm, com o intuito de se economizar combustível durante a aplicação, e o regulador de pressão sempre na posição de máxima pressão. Tal atitude, além de demonstrar um completo desconhecimento das curvas de consumo, por se acreditar que menores rotações correspondem a menores consumos de combustível, resulta em situações bastante críticas tanto para o agitador mecânico (baixa rotação) quanto para o hidráulico (mínimo retorno), ocasionando sérios problemas de distribuição do agrotóxico na área tratada.

Tais problemas, não raro, resultam na necessidade de pulverizações complementares, onerando o custo de produção. Entretanto, a manutenção do trator na rotação adequada (540 rpm na TDP) e, quando necessário, a incorporação de válvulas e alívio ao sistema, constituem-se em soluções simples, viáveis e de baixo custo.

Pelo exposto, entender o processo de pulverização e buscar equacionar adequadamente as diferentes variáveis envolvidas pode resultar em enormes benefícios ao produtor, através da melhoria da eficácia dos agrotóxicos e da redução no custo de produção, ao aplicador, através da redução na exposição ocupacional, e ao ambiente, através da redução das perdas e da contaminação.

Trabalhos realizados pelo Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Engenharia e Automação (CAPTA – Engenharia e Automação), do Instituto Agronômico (IAC), no Estado de São Paulo, com diferentes tamanhos de propriedades, equipamentos e culturas, têm mostrado que reduções de 20 a 70% no volume de calda aplicado é possível, apenas trabalhando-se adequadamente a regulagem dos equipamentos. Tais reduções têm significado, em média, economia suficiente para adquirir um pulverizador novo, a cada 1 a 1,5 anos. Estes resultados demonstram que, através de soluções simples, avaliadas durante a regulagem do equipamento, uma economia significativa pode ser alcançada, além de se contribuir para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável e um uso mais racional dos agrotóxicos.

Hamilton Humberto Ramos,

IAC

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