Risco duplo

Além de comprometer a produtividade o cancro da videira impede o trânsito de material vegetal de videira no Submédio do Vale do São Francisco, região em que o cultivo de uvas finas de mesa está em franca expans&ati

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Atualmente, um dos problemas que mais ameaçam a estabilidade fitossanitária da uva na região do Submédio do Vale do São Francisco é o cancro bacteriano. Além de pôr em risco a competitividade da região em termos de produtividade, esta doença impede o trânsito de material vegetal de videira a partir dos estados onde a bactéria foi detectada (PE, BA e PI), já que a bactéria

pv. viticola é considerada uma praga quarentenária A2 pelo Mapa.

O cancro bacteriano da videira foi detectado pela primeira vez em parreirais do Submédio do Vale do São Francisco em 1998, em plantios da cultivar Red Globe. Como esta doença só ocorria na Índia, suspeita-se que a bactéria tenha sido introduzida inadvertidamente em material vegetal trazido daquele país. No período de 1998-1999, à doença foi detectada em amostras provenientes de vários municípios de Pernambuco, Bahia e Piauí. Em levantamento recente, realizado em cerca de 20 propriedades do pólo de irrigação Petrolina/Juazeiro entre outubro de 2003 e abril de 2004, observou-se que a doença estava presente em todas as áreas plantadas com Red Globe e Festival. A incidência da doença variou de 40% a 100% e de 6,7% a 100% das plantas amostradas, para as variedades Red Globe e Festival, respectivamente. A doença foi mais severa na cultivar Red Globe, a qual apresentou, em média, sintomas em 59% dos ramos amostrados e 59,25% dos cachos. Neste levantamento, também foi observada a incidência do cancro bacteriano na cultivar Itália, mas causando pouco dano, e não se observou a doença na cultivar Benitaka.

Desde o aparecimento da bactéria na região, a área plantada com Red Globe diminuiu sensivelmente. Devido à alta susceptibilidade desta cultivar ao cancro, muitos produtores têm optado por erradicá-la. Nas áreas remanescentes, a prática na região é concentrar a produção em apenas um ciclo, no segundo semestre, quando a ausência ou ocorrência esparsa de chuvas desfavorece a disseminação da bactéria.

Os sintomas da bacteriose ocorrem em folhas, ramos, inflorescências e cachos já formados, comprometendo os ramos produtivos e reduzindo a produção. Nas folhas, à doença manifesta-se como lesões necróticas escuras e alongadas nas nervuras e pecíolo. Pequenas lesões encharcadas, de aspecto angular podem ser encontradas em folhas recém infectadas. As manchas nas folhas coalescem com o desenvolvimento da infecção, causando morte do tecido foliar. Manchas necróticas setoriais também podem ser vistas a partir do bordo das folhas, principalmente na cultivar Red Globe. Em ramos verdes a bactéria provoca cancros escuros, que se caracterizam como lesões de formato alongado, com bordos bem definidos, nas quais geralmente ocorre o fendilhamento do tecido. Observa-se também, cancros em tecido lenhoso como ramos maduros e haste. Em cachos, ocorre necrose do engaço, com lesões semelhantes às que ocorrem em ramos. Estas lesões podem provocar a quebra do engaço e também murcha das bagas. Bagas já formadas podem apresentar lesões necróticas na região do pedicelo ou lesões arredondadas com o centro perfurado geralmente no fundo da baga.

Na região do Submédio do Vale do São Francisco os sintomas aparecem no primeiro semestre do ano em épocas de alta umidade relativa e temperatura elevada. A ocorrência de chuvas propicia a exsudação de pus bacteriano a partir dos cancros presentes em ramos favorecendo a disseminação do patógeno. As operações de desbaste e raleio de cachos também disseminam a bactéria de planta para planta. Chuvas fortes acompanhadas de vento podem transportar a bactéria de uma propriedade a outra, assim como o trânsito de máquinas.

Nas cultivares mais suscetíveis, os principais prejuízos diretos são a redução do volume de cachos com valor comercial e o comprometimento dos ramos produtivos, já que os ramos infectados têm que ser podados, muitas vezes de forma drástica. Além de prejudicar o vigor e amadurecimento dos ramos, os cancros em ramos e haste são locais onde a bactéria sobrevive de um ciclo para outro. Há evidências que a bactéria sobrevive também em restos de material infectado podado e em porta-enxerto sem sintomas.

O manejo da doença em pomares já afetados é baseado em um conjunto de práticas que devem ser adotadas não só no período chuvoso, mas também na época seca: poda de ramos doentes, eliminação de plantas severamente atacadas, desinfestação de ferramentas de poda, desbaste e raleio, queima de restos de cultura e emprego de produtos à base de cobre nas áreas podadas.

Medidas preventivas são recomendadas em parreirais de variedades suscetíveis que ainda não apresentam a doença e naqueles que estão em fase de implantação. As recomendações são: a) usar mudas com sanidade comprovada; b) evitar o trânsito de máquinas e equipamentos entre propriedades; c) instalar um rodolúvio com amônia quaternária 0,1% na entrada do pomar; d) estabelecer quebra-ventos; e) evitar ferimentos nas épocas de chuvas. Estas recomendações foram feitas a técnicos e produtores da região pela Comissão Técnica para a Cultura da Uva, formada na época do aparecimento da bacteriose na região. As medidas descritas, quando adotadas em conjunto, tem o objetivo de possibilitar a convivência com a doença no Submédio São Francisco, já que sua erradicação é considerada praticamente impossível e o controle químico tem baixa eficiência.

Na formação de novos parreirais, o emprego de mudas de sanidade comprovada é a primeira e mais importante recomendação para que a estabilidade fitossanitária da cultura seja viável a médio e longo prazo, além de ser norma obrigatória para que o produtor futuramente possa ser certificado no Programa de Produção Integrada. A pesquisa com o cancro na região tem como prioridades validar ferramentas de diagnose que possam auxiliar no estabelecimento de um programa local de certificação de mudas, e testar alternativas de controle para a doença.

As condições edafo-climáticas do semi-árido, aliadas às técnicas modernas de irrigação, permitiram que a região do Submédio do Vale do São Francisco tenha destacado-se na última década como grande produtora e exportadora de uvas finas de mesa de alta qualidade. Além de apresentar alto coeficiente de eficiência econômica (relação benefício/custo) - cerca de 2,28 - a videira cultivada nessa região gera cinco empregos/ha/ano, o maior índice entre as diversas culturas perenes e anuais.

A intensificação das técnicas de cultivo da videira e a expansão anual da área plantada sustentam a competitividade da região. O manejo de podas, controle hídrico, aplicação de defensivos, fertilizantes e agentes químicos reguladores de eventos fisiológicos garantem alta produtividade e propiciam 2,5 safras por ano. Entretanto, estas mesmas condições podem induzir situações de estresse, propiciando o aparecimento de problemas fitossanitários que podem trazer sérios prejuízos econômicos e, a médio/longo prazo, diminuir a vida útil dos parreirais instalados.

Embrapa Semi-Árido

DTCS/Uneb

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