Sarna na maçã

A sarna, causada pelo fungo Venturia inaequalis, é a principal doença da macieira nas regiões de clima temperado e úmido, podendo causar perdas de até 100% na produção de maçãs.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

De distribuição generalizada, a sarna é encontrada em todas regiões produtoras de maçã do mundo sendo que, no Brasil, foi relatada pela primeira vez em 1950, no Estado de São Paulo.

A severidade da sarna varia de um ano para outro e depende de vários fatores, tais como da quantidade de inóculo primário produzido nas folhas caídas, e das condições climáticas no início do ciclo vegetativo da macieira. As perdas causadas pela doença se manifestam diretamente, por meio da queda das flores, danos aos frutos e, indiretamente, pelo desfolhamento e conseqüente diminuição do vigor da planta.

Sintomas do ataque

Os sintomas são bastante típicos e se manifestam nas folhas, ramos, flores, pedúnculos e frutos. Nas folhas novas surgem, em ambas superfícies, pequenas manchas de cor verde-oliva, as quais vão se tornando acinzentadas. As lesões são de formato circular, podendo estar isoladas ou coalescer e se espalhar por toda a superfície foliar. Quando a epidemia é severa, o pedúnculo também é infectado, resultando na queda do fruto. A infecção nos frutos novos provoca deformação, rachadura e queda prematura. Quando a infecção ocorre nos frutos em maturação é denominada de sarna de verão. Inicialmente imperceptíveis, as lesões continuam a se desenvolver durante o armazenamento em câmara frigorífica.

Ciclo primário

No outono, após a queda das folhas e a morte das suas células, o micélio de

penetra profundamente no tecido do hospedeiro e inicia a formação do pseudotécio (estrutura de reprodução sexuada). A temperatura ideal para a sua formação é de 4oC, não havendo acima de 15oC. A umidade também é um fator limitante na sua formação, não ocorrendo em folhas secas.

A produção e maturação dos ascosporos ocorrem durante o final do inverno e início da primavera, em temperaturas de 16o a 18oC, não ocorrendo acima de 24oC. A liberação de ascosporos começa um pouco antes da brotação da macieira; atinge o pico durante a floração, e encerra no final de novembro. A liberação máxima de ascosporos é observada entre três e seis horas após o início da chuva, exceto quando chove durante a noite. Nesse caso, apenas 3% a 4% são liberados, sendo a maioria (96% a 97%) liberada ao amanhecer. O umedecimento da folha provoca o intumescimento das ascas e conseqüente projeção dos ascosporos, sendo a corrente de ar a responsável pela disseminação. Os ascosporos só germinam e penetram nos tecidos suscetíveis na presença de água livre. De acordo com a tabela de Mills, o período de molhamento foliar necessário para que ocorra a infecção está relacionado com a temperatura (tabela -

). Na prática, o início de um período infeccioso é caracterizado pelo início da chuva. Nos frutos, o período de molhamento necessário para a infecção aumenta à medida que estes vão se desenvolvendo.

Durante a germinação, os ascosporos emitem um tubo germinativo, em cuja extremidade se forma o apressório, do qual sai um tubo micelial delgado que perfura a cutícula e a parede externa da epiderme das folhas ou dos frutos e se estabelece subcuticularmente. Cerca de nove a 17 dias após (Tabela 1), grande número de conídios é produzido sob a cutícula, os quais, por pressão, provocam o rompimento desta e, então, surgem as lesões típicas da sarna. A expansão máxima das lesões ocorre a 19oC, sendo que pouca expansão é observada abaixo de 0oC ou acima de 26oC. A produção de conídios só ocorre quando a umidade relativa do ar é maior que 60%.

Ciclo secundário

Os conídios, produzidos em número de até 100 mil por lesão, são os responsáveis pela infecção secundária. A água, novamente, é o principal fator de disseminação do patógeno, pois provoca o inchamento dos conidióforos e a imediata liberação dos conídios. Estes são carregados pelos respingos de água e pela corrente de ar para outras partes das plantas onde, havendo água livre, começam a germinar e penetrar nos tecidos de modo similar ao dos ascosporos.

Controle da sarna

No sul do Brasil, o período crítico para a ocorrência da sarna inicia com a brotação da macieira, e prolonga-se até o final de novembro, quando cessa a liberação de ascosporos.

Atualmente, o controle químico é a principal medida de controle da sarna, visto que as principais cultivares comerciais, Gala, Fuji e Golden Delicious, são muito suscetíveis a essa doença. Com o desenvolvimento de fungicidas mais eficientes, e com melhor conhecimento da epidemia da sarna, já é possível manejar racionalmente a sarna, com baixo número de pulverizações, conforme será abordado a seguir.

Para o controle da sarna, os fungicidas podem ser aplicados: a) sistematicamente, com base na fenologia da macieira, em intervalos de sete a dez dias ou; b) seguindo, além da fenologia da macieira, a liberação de ascosporos e os períodos de infecção da doença, de acordo com a tabela de Mills (1944). O monitoramento da sarna é realizado com base na temperatura, umidade relativa do ar, período de molhamento foliar e precipitação, utilizando-se equipamentos eletrônicos dotados de sensores e microprocessadores que determinam, automaticamente, os períodos de infecção da sarna. Em ambos casos, é fundamental que se conheça o modo de ação dos fungicidas conforme descrito a seguir:

Atividade pré-infecção ou protetora: A maioria desses fungicidas atua quando entra em contato com os esporos do fungo, devendo ser aplicada antes ou durante um período de infecção, ou seja, em 24 horas, contadas a partir do início da chuva. Nessa categoria se encontram captan, folpet, mancozeb, dithianon, chlorothalonil, fluazinam, dodine, kresoxim-methyl e pyrimethanil.

Atividade pós-infecção ou curativa: Os fungicidas com este tipo de atividade possuem a capacidade de penetrar no tecido hospedeiro e inibir o desenvolvimento do fungo, quando são aplicados até 96 horas após o início da chuva. Vários fungicidas, notadamente os inibidores da biossíntese de ergosterol (IBEs) como, fenarimol, tebuconazole, triflumizole, myclobutanil, hexaconazole, difenoconazole, prochloraz e fluquinconazole apresentam esta característica. Os fungicidas IBEs atuam no ciclo de biossíntese do ergosterol, evitando que este componente seja formado. Como conseqüência, provoca o acúmulo de substâncias precursoras do esterol na célula fúngica. Os fungicidas IBE são absorvidos em quatro a seis horas e apresentam ação bastante específica sobre

. Por apresentarem grande potencial para o desenvolvimento da resistência, a qual pode ser do tipo cruzada, deve-se restringir o seu uso aos momentos mais críticos da epidemia.

Alguns fungicidas pertencentes a outros grupos químicos como o dodine, kresoxim-methyl e pyrimethanil, que serão descritos posteriormente, também apresentam atividade curativa sobre a sarna.

Atividade pré-sintoma: É um tipo de atividade pós-infecção. Nesse caso, os fungicidas são aplicados tardiamente em relação ao início da infecção, normalmente dois a três dias antes do aparecimento do sintoma. Essa aplicação não inibe completamente o aparecimento das lesões, porém, as que se formam são atípicas, cloróticas ou necróticas, com reduzida produção de conídios. Os fungicidas IBEs, os benzimidazóis e o dodine apresentam esse tipo de atividade.

Atividade pós-sintoma ou erradicante: O fungicida, uma vez aplicado sobre a lesão, inibe a produção de conídios, e os poucos que são produzidos não germinam, o que reduz o progresso da doença. Os benzimidazóis, dodine, kresoxim-methyl e, em menor intensidade, chlorothalonil, apresentam essa atividade. Os fungicidas protetores como captan, mancozeb e outros também atuam sobre a produção de esporos, entretanto, quando cessa o efeito residual desses produtos, as lesões voltam a esporular, geralmente nas bordas.

Atividade de novos fungicidas no controle da sarna: recentemente foram introduzidos dois novos fungicidas com modo de ação diferente sobre

. Um deles é o kresoxim-methyl, do grupo das estrobilurinas. Trata-se de um fungicida, cuja molécula básica foi obtida do fungo

. Esse produto atua inibindo a respiração mitocondrial, bloqueando a transferência de elétrons entre o citocromo b e o citocromo c1 (complexo III), e interferindo na formação de ATP (fonte de energia para a célula fúngica). Apresenta atividade protetora (cinco dias), curativa (até dois dias) e erradicante. Possui alta persistência, tolerando precipitações de 50 a 60 mm, e pode ser aplicado em intervalos de dez a doze dias.

O outro fungicida é o pyrimethanil. Pertence ao grupo das anilinopyrimidinas e atua inibindo a secreção de enzimas necessárias ao processo de infecção de V. inaequalis. Esse fungicida possui ação protetora de cinco dias e curativa de até três dias. Sua eficiência é mais pronunciada no controle da sarna nas folhas do que nos frutos, devendo ser aplicado no início do ciclo até o estádio de queda das pétalas. É absorvido rapidamente, não sendo removido pela chuva que ocorre duas a quatro horas após a aplicação.

Ambos os fungicidas são muito importantes para serem utilizados alternadamente ou em mistura com outros fungicidas, visando o manejo da resistência.

Considerações finais

A pulverização após o início do processo infeccioso, com os fungicidas curativos, oferece maior flexibilidade ao produtor, pois pode ser realizada até 96 horas após o início da chuva, ou seja, permite intervir durante o estabelecimento do patógeno no hospedeiro. Porém, mesmo nesse caso, a preferência é sempre por pulverizações preventivas com os fungicidas protetores. É recomendável que os fungicidas curativos sejam misturados com fungicidas protetores, pois as misturas, além de retardarem o aparecimento da resistência, aumentam a eficiência do controle, conforme constatado em vários experimentos realizados em Santa Catarina.

A severidade da sarna da macieira, na primavera, depende fundamentalmente do potencial de inóculo primário. Ou seja, pomares bem cuidados não apresentam problema grave de sarna no ciclo seguinte. Desse modo, um dos métodos de controle recomendados é a redução do inóculo primário, através da pulverização de uréia a 5%, durante a queda natural das folhas no outono. Essa pulverização ativa a flora microbiana, principalmente de bactérias saprófitas, o que resulta na decomposição rápida das folhas de macieira caídas no chão e, conseqüentemente, na eliminação do patógeno das folhas. Esta técnica reduz a liberação de ascosporos em até 99%.

O uso de quebra-ventos, equipamentos de pulverização calibrados, aplicação dos fungicidas na dose correta e no momento mais adequado, poda, condução e adubação da macieira adequada são, também, medidas importantes no manejo da sarna.

O uso de variedades resistentes é o método ideal de controle da sarna. As cultivares Prima, Priscila, Sir Prize, Liberty, Freedom e, mais recentemente, a Pristine, lançadas pelas instituições internacionais de pesquisa, são portadoras do gene Vf, oriundo da macieira silvestre Malus floribunda, que confere resistência à sarna. Recentemente, a Epagri lançou as cultivares Catarina e Fred Hough, as quais apresentam boas características agronômicas, além da resistência à sarna, o que pode ser o marco inicial para a produção agroecológica de maçãs.

José Itamar da Silva Boneti e Yoshinori Katsurayama

EPAGRI

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