Seleção rigorosa

Melhoramento genético auxilia o criador a orientar a produção de bovinos com alta qualidade de carcaça, gerando mais lucros e conquistando mercados.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A utilização da bovinocultura na História do Brasil remonta o início da colonização, quando os animais eram utilizados para tração e como fontes de carne, couro, leite e gordura. Durante a fase de expansão das fronteiras agrícolas, os bovinos também se destacaram e povoaram praticamente todo o país, de norte a sul.

De lá para cá, muitas mudanças ocorreram e o rebanho brasileiro é motivo de orgulho nacional. Graças aos avanços na agricultura e à fácil adaptação dos bovinos aos diversos sistemas produtivos brasileiros, hoje temos um rebanho de 180 milhões de cabeças. Mas não é apenas em número que nos destacamos. O país conta hoje com a produção de carne bovina de qualidade, apta para atender mercados bastante exigentes.

A qualidade, apesar de ser subjetiva, pode ser descrita por algumas características que indicam satisfação ao consumidor. Na nossa cultura, o consumidor considera maciez, sabor, cor, textura e quantidade de gordura em suas expectativas de consumo.

Estes atributos são diretamente afetados por fatores de produção animal, tais como: nutrição, sanidade, manejo e genética, além dos fatores de industrialização e armazenagem do produto. O melhoramento genético animal destaca-se como um dos mais importantes fatores, e a utilização de ferramentas, como a seleção por DEP’s (Diferença Esperada na Progênie), torna-se a maneira mais rápida de promover melhorias genéticas em bovinos de corte.

A seleção de reprodutores pode ser feita utilizando-se vários critérios, de acordo com a necessidade e situação de cada produtor. Geralmente, a seleção tem o objetivo de melhorar ou fixar alguma característica de importância. Esta melhoria obtida em características quantitativas vai depender, no entanto, da herdabilidade da característica em questão, e do diferencial de seleção. É importante ressaltar, no entanto, que a seleção não cria novos genes.

Hoje, é possível selecionar animais por características ligadas ao ganho de peso, precocidade de ganho, habilidade materna, além de características específicas de carcaça, e de avaliação por ultra-sonografia, entre outras.

Algumas características quantitativas de carcaça pós-desossa, relacionadas com o peso e percentagem da porção comestível de carne bovina, têm sido pesquisadas e hoje já constam em catálogos norte-americanos. Estas características podem ser identificadas ainda no animal in vivo, através de ultra-sonografia, representando uma excelente ferramenta para a predição do peso de cortes comerciais. No Brasil, pesquisadores vêm trabalhando na busca destes dados, podendo significar avanços importantes na seleção de animais para produção de carne.

Além disso, as características de carcaça permitem a seleção de reprodutores que possuam dados relacionados à qualidade da carne bovina, tais como o marmoreio e a espessura de gordura subcutânea.

O marmoreio é definido como a acumulação de gordura intramuscular na carne, normalmente avaliado na área de “olho de lombo”, entre a 12º e 13º costela. Sua distribuição entre as raças é diferente, e animais “taurinos” têm maior capacidade genética de marmoreio do que animais “zebuínos”. De acordo com diversos autores, entre as raças taurinas, as britânicas (como o Angus, o Shorthorn, o Devon e o Hereford, por exemplo), são superiores às continentais.

As herdabilidades para marmoreio tendem a ser altas, enquanto herdabilidades para características reprodutivas são baixas, e para crescimento, moderadas. Isto significa que a genética influencia mais as características como marmoreio do que a taxa de prenhez, por exemplo.

Nos últimos anos, características de carcaça como marmoreio e espessura de gordura subcutânea, além das características medidas pelo ultra-som, foram adicionadas aos principais catálogos de reprodutores no mundo, em função da crescente valorização das carcaças de qualidade nos frigoríficos, principalmente norte-americanos. O mercado australiano também utiliza estas características na escolha de animais destinados ao mercado japonês, altamente exigente em termos de marmoreio.

Desde 1928, o USDA americano estabelece o padrão de qualidade de carne bovina e três (3) características são determinantes para a definição das classes (grades): marmoreio, cor e textura, e idade do animal. Nesse padrão, cada animal é classificado dentro de uma classe (grade) e recebe seu preço de acordo com sua qualidade.

O preço do gado com base no valor individual do animal, em contrapartida ao valor do lote, faz com que as características relacionadas ao produto final sejam mais valiosas para o criador. Isto significa que os produtores que têm maior quantidade de animais de alta qualidade de carcaça também terão maior poder de barganha e poderão aumentar seu lucro.

No Brasil, já avançamos nesta direção e hoje algumas indústrias frigoríficas já trabalham com classes diferenciadas de pagamento, promovendo um significativo aumento na competitividade da cadeia produtiva. Este fator é bastante importante, pois na maioria das vezes, o limitante para os investimentos em qualidade é a falta de valorização real (preço premium) por parte da indústria.

Assim, na busca por soluções para a pecuária, algumas questões tornam-se pertinentes: como o melhoramento genético pode orientar a produção? Vale a pena selecionar para características de carcaça ligadas à qualidade de carne? Que correlação existe entre estas características e as demais características de desempenho? Quem ganha com isso?

Na visão de marketing, a realidade tem-nos mostrado que a orientação para o mercado veio para ficar. Assim, aqueles produtores que estiverem mais alinhados às necessidades e desejos do mercado terão maiores probabilidades de sucesso. Tendo em vista que o mercado exige “qualidade”, tanto do produto final quanto das carcaças, pode-se afirmar que a seleção de reprodutores por características relacionadas à qualidade, tais como marmoreio e espessura de gordura, pode ser um bom negócio. Este, porém, não deverá ser o único critério de escolha.

Dados apontam que a seleção genética direcionada apenas para aumento de marmoreio resulta em animais com menor musculosidade, maiores taxas de gordura corporal e com menor percentual de aproveitamento no varejo. Apesar de diversos experimentos não terem demonstrado diferenças na idade à puberdade, estima-se que fêmeas com maior potencial para marmoreio tenham produções de leite maiores e, por conseqüência, acabem produzindo terneiros com maior peso à desmama. Estas fêmeas teriam, então, maiores necessidades metabólicas, podendo ter seu desempenho reprodutivo afetado em função da maior demanda das reservas de energia corporal. Assim, a solução envolve a seleção por DEP’s utilizando multi-critérios, ou seja, procurando adaptar a escolha dos reprodutores ao sistema produtivo de cada propriedade, utilizando mais do que um critério apenas na escolha do reprodutor.

Atualmente já é possível identificar, através de um simples teste de DNA, reprodutores que possuem genes para características de marmoreio e maciez, significando, na prática, maiores chances de aumento no percentual de carcaças selecionadas por qualidade a médio e longo prazo.

Tendo em vista que a marmorização influencia positivamente na palatabilidade e suculência da carne e que as carnes com maior marmoreio, em geral, também são mais macias (menor shear force ou força de cisalhamento), percebe-se a importância da seleção para esta característica quando se pensa em mercados exigentes em termos de qualidade.

Além disso, os Programas de Carne de Qualidade existentes no mercado valorizam aquelas carcaças de maior qualidade, sinalizando ao produtor que vale a pena investir no melhoramento genético das características ligadas à qualidade de carne bovina.

Desse modo, todos os agentes da cadeia produtiva saem ganhando, no momento em que a produção de carne de qualidade beneficia financeiramente àqueles criadores que produzem animais superiores em termos de carcaça, beneficia a indústria, que passa a agregar valor a um produto, anteriormente conhecido apenas como uma “commodity”, beneficia o varejo, que adquire um produto diferenciado em termos de qualidade e apelo de venda e, finalmente, beneficia o consumidor, que consome um produto inigualável em termos de maciez, suculência e sabor, atributos de máxima importância para sua satisfação.

Assim, pode-se afirmar que o melhoramento genético pode também orientar a produção para animais com melhores características de carcaça, levando a inegáveis ganhos na qualidade de carne. E a escolha correta de reprodutores é o primeiro passo. O produtor tem hoje a sua disposição ferramentas potentes de seleção que, se utilizadas de maneira correta, levarão a uma maior eficiência e competitividade na atividade pecuária.

Marcia Dutra de Barcellos

CEPAN/UFRGS

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