Seletividade de inseticidas e controle biológico da lagarta Helicoverpa

Estratégia de controle é importante para que se possa manter as pragas em níveis populacionais baixos

26.02.2020 | 20:59 (UTC -3)

Parasitoides do gênero Trichogramma são aliados importantes no controle biológico de insetos como a Helicoverpa armigera, lagarta causadora de sérios danos à cultura da soja. Por isso a preservação destes inimigos naturais, com o uso de inseticidas seletivos, é importante para que se possa manter as pragas em níveis populacionais baixos.

A soja é a cultura agrícola brasileira que mais cresceu nas últimas três décadas, correspondendo a quase 50% da área plantada em grãos do País. Esse número vem aumentando anualmente devido à grande diversidade do uso desta oleaginosa e ao aumento da demanda global por alimentos.

Cultivada especialmente nas regiões Centro-Oeste e Sul do país, a soja se firmou como um dos produtos mais destacados da agricultura nacional e na balança comercial. Entretanto, esse cenário de expectativa crescente de produção agrícola poderá não se concretizar em decorrência dos problemas fitossanitários que os produtores brasileiros vêm enfrentando ultimamente, em especial com uma praga polífaga, a lagarta Helicoverpa armigera.

Esse inseto é uma praga que apresenta ampla distribuição geográfica pelo mundo, sendo registrada em praticamente toda a Europa, Ásia, África, Austrália e Oceania. A praga não havia sido detectada no Brasil até 2013, quando sua ocorrência foi registrada em várias regiões agrícolas. O hábito alimentar polífago, em associação com uma alta capacidade de dispersão e adaptação a diferentes cultivos favoreceu o sucesso da espécie como praga, que hoje se encontra disseminada por todo o País.

Características como alta taxa de consumo alimentar e capacidade de causar danos nas partes reprodutivas das culturas fizeram com que esse inseto atingisse um status de praga de grande importância econômica, chegando a US$ 5 bilhões por ano com controle e perdas de produção.

Cada fêmea de H. armigera tem a capacidade de ovipositar de mil ovos a 1.500 ovos. As lagartas são de colorações variáveis de amarelo-esverdeado a castanho, apresentando algumas manchas pretas no corpo. A fase de pupa ocorre no solo.

O controle desta praga é realizado principalmente com o uso de produtos químicos, por ser uma alternativa de ação rápida, confiável e econômica, levando, assim, muitas vezes ao uso indiscriminado e inadequado de inseticidas.

Diante disso, vêm crescendo a preocupação e a necessidade em empregar o manejo de pragas de uma forma que integre várias estratégias e táticas de controle, destacando, assim, o controle biológico. Os inimigos naturais são os principais responsáveis pela mortalidade natural no agroecossistema e um importante componente dos programas de manejo integrado de pragas, por proporcionar eficácia no controle de pragas. Podem ser utilizados de forma harmoniosa com o ambiente e compatível com outras medidas de controle.

Os parasitoides do gênero Trichogramma são microvespas com cerca de 0,2mm a 1,5mm, que ovipositam no interior dos ovos de outros insetos impedindo que seus hospedeiros atinjam a fase larval, que é o estágio que provoca os maiores prejuízos às culturas. O parasitismo por Trichogramma é caracterizado pela coloração escura dos ovos parasitados. São utilizados em vários países para o controle biológico de lepidópteros-praga em muitas culturas de interesse econômico. Dentre as táticas de controle da lagarta H. armigera, destaca-se a utilização desse parasitoide para diminuir a população dessa praga e consequentemente de seus danos.

Em diversas culturas ainda é imprescindível a utilização de produtos químicos. Dessa maneira, o recomendado seria que, no momento da tomada de decisão, para possibilitar a utilização do controle biológico associado ao controle químico, sejam utilizados produtos seletivos aos inimigos naturais, isto é, produtos que são capazes de matar a praga sem afetar o inimigo natural, estabelecendo o manejo integrado de pragas nas grandes culturas.

Com o aparecimento da H. armigera na região Centro-Oeste houve um aumento considerável do uso de inseticidas, e a partir de informações de produtores dessa região foram selecionados os inseticidas mais utilizados para o controle dessa praga na cultura da soja.

Sendo assim, foram realizados estudos para verificar o efeito direto causado por inseticidas aos adultos do parasitoide, e também para determinar a persistência biológica, isto é, por quanto tempo a atividade prejudicial dos inseticidas atua sobre o parasitoide T. pretiosum.

No efeito direto, em que é simulada a aplicação dos inseticidas sobre a superfície de contato do parasitoide (nesse caso cartelas contendo ovos foram pulverizadas e oferecidas aos adultos de T. pretiosum) clorpirifós, foi classificado como nocivo. Isso significa que o produto deve ser utilizado de forma extremamente criteriosa, pois pode provocar alta mortalidade do parasitoide. Já os inseticidas clorfenapir e acefato foram levemente nocivos e flubendiamida, teflubenzurom, clorantraniliprole, tiametoxam, indoxacarbe e metoxifenozida foram classificados como inócuos (Figura 1). Sendo assim, esses produtos são mais indicados para possibilitar a associação do controle químico com o controle biológico por serem os que menos afetam o parasitoide na forma adulta.

Nos testes de persistência, em que se avalia por quanto tempo o inseticida apresenta efeito nocivo sobre adultos de T. pretiosum (nesse caso, plantas de soja foram pulverizadas e as folhas coletadas periodicamente para avaliação de mortalidade causada pelos inseticidas), os resultados indicaram que flubendiamida, teflubenzurom, indoxacarbe, acefato, clorantraniliprol e emetoxifenozida foram classificados como inseticidas de vida curta, afetando o parasitoide por menos de cinco dias. Isso faz com que esses, dentre os inseticidas avaliados, sejam os mais indicados para serem utilizados antes e/ou após a liberação dos parasitoides. O inseticida clorpirifós foi considerado como moderadamente persistente, timatoxam e clorfenapir como persistentes, afetando o parasitoide por mais de 31 dias (Figura 2). Como o efeito é mais prolongado, esses inseticidas devem ser evitados em momentos de liberação do parasitoide. A diferença de resultados de (tiametoxan) entre o efeito direto e a persistência se deve à sua repelência, principalmente do princípio ativo lambda-cyhalothrin, aos adultos de T. pretiosum, causando baixa mortalidade no primeiro teste. Nos testes de persistência, o inseticida foi aplicado sobre folhas, colocadas em tubos de ensaio para contato parasitoide/inseticida. Pela maior superfície, mesmo com repelência os insetos entraram em contato com o inseticida, aumentando a mortalidade.

Embora esquecido por muitos, colocado em segundo plano pela maioria e valorizado por poucos, o papel do inimigo natural é imprescindível para manter as pragas em níveis populacionais baixo. O parasitoide T. pretiosum foi relatado em 18 diferentes hospedeiros e 13 culturas, sendo seu uso de extrema importância no controle do complexo de lepidópteros-praga. Assim, a utilização de inseticidas seletivos pode proporcionar a sua sobrevivência nas áreas cultivadas, colaborando com o controle das pragas que não foram eliminadas pelo controle químico.

Figura 1 - Efeito direto de inseticidas sobre o parasitoide Trichogramma pretiosum em soja
Figura 1 - Efeito direto de inseticidas sobre o parasitoide Trichogramma pretiosum em soja
Figura 2 - Persistência (em dias) do efeito de inseticidas sobre o parasitoide Trichogramma pretiosum em soja
Figura 2 - Persistência (em dias) do efeito de inseticidas sobre o parasitoide Trichogramma pretiosum em soja
soja em final de ciclo atacada po H. armigera 3
soja em final de ciclo atacada po H. armigera 3
soja em final de ciclo atacada por H. armigera
soja em final de ciclo atacada por H. armigera


Ana Clara Ribeiro de Paiva, Vitor Hugo Beloti e Pedro Takao Yamamoto, Departamento de Entomologia e Acarologia – Esalq/USP


Artigo publicado na edição 195 da Cultivar Grandes Culturas. 

Compartilhar

Mosaic Biosciences Março 2024