Sem canteiros

Técnica dominada na produção de grãos, o plantio direto agora surge como uma nova ferramenta para os horticultores, garantindo um acréscimo de até 20% sobre o cultivo tradicional em algumas culturas.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Na prática, o que se apresenta na cultura de hortaliças (olericultura) são sistemas de produção que levam a uma dinâmica baseada na utilização intensiva de insumos e intensa mecanização, muitas vezes desconsiderando as propriedades físico-químicas do solo, acarretando em sérios problemas erosivos e em um ciclo de empobrecimento crescente.

O plantio direto ou, como é chamado por alguns, o cultivo mínimo de hortaliças, à semelhança do que ocorreu com grãos a partir da década de 70, surge como uma alternativa à implementação de sistemas de produção mais sustentáveis. Há mitos a quebrar e desafios a vencer, sendo que os principais são o manejo dos fatores que atuam sobre as características físico-químicas do solo e a obtenção de palhada suficiente para manutenção do sistema.

Em sua grande maioria, as olerícolas não deixam grande resíduo de palhada, seja pela baixa relação C:N que apresentam, o que proporciona rápida decomposição, seja pela exportação do material vegetal por ser este o produto comercial de interesse. Isso pode ser contornado pelo manejo de plantas espontâneas, permitindo-se seu desenvolvimento após o período crítico de competição com a cultura, e pela escolha adequada da sucessão de culturas. Para hortaliças, recomenda-se: hortaliça – planta de cobertura – hortaliça – planta de cobertura, usando-se preferencialmente espécies diferentes. É fato que a planta de cobertura pode ter interesse econômico como o milho verde. As plantas de cobertura (milheto, sorgo, aveia preta, crotalarias, mucunas, nabo forrageiro, entre outras, até mesmo vegetação espontânea) reciclam nutrientes, em função do seu profundo e agressivo sistema radicular. Tão importante quanto o efeito de cobertura do solo pela palhada, é o efeito promovido pela decomposição das raízes, o que propicia a abertura de galerias, atuando como um “arado biológico”.

No plantio direto de hortaliças, as primeiras experiências no Brasil foram em Santa Catarina, ainda na década de 80, com o cultivo mínimo de cebola, em resposta ao agravamento contínuo dos processos erosivos. A partir de 2002, produtores de São José do Rio Pardo (SP) começaram a adotar o plantio de cebola sobre palhada, geralmente de milho. Segundo José Maria Breda, agrônomo da Cooxupé, além do excelente controle da erosão, verifica-se incremento na CTC e no teor de matéria orgânica, redução no uso de máquinas e economia de água, em função da menor perda por escorrimento, evaporação e maior infiltração.

O plantio direto de tomate industrial foi testado inicialmente em Guaíra (SP). Atualmente, vem sendo amplamente empregado nos cerrados mineiro e goiano. De acordo com Sílvio Ferreira, da Cooperativa Agropecuária de Rio Verde, em sequeiro, o alto teor de Brix compensa a produtividade restrita e, ainda, a porcentagem de frutos podres é reduzida em até 90%. Tem-se verificado redução nos custos com mecanização e melhor qualidade do produto comercial, com conseqüente bonificação paga pela indústria.

Outras iniciativas nesta área são o cultivo mínimo de tomate e pimentão em casas de vegetação sobre palhada de aveia preta ou milho, em Itupeva (SP); o cultivo mínimo de couve-flor sob manejo orgânico, em Teresópolis (RJ); o cultivo de alface sobre palhada de aveia preta cultivada em canteiros, em Piedade (SP); o plantio de abóboras sobre pastagem dessecada, em Brasília (DF); o cultivo mínimo de brócolos e repolho, em Lavras (MG); o projeto denominado Sistema de Plantio Direto de Hortaliças (SPDH), com o objetivo de disponibilizar alternativas ao monocultivo do tomate, em Caçador (SC). Todas têm apresentado resultados positivos e promissores, devendo receber ajustes conforme a realidade local. Em alface, couve-flor e brócolos de cabeça única, produzidos no verão, observou-se redução significativa da incidência de doenças, seja pela melhor drenagem e pela eliminação dos respingos das gotas impactantes da chuva, seja pela regulação térmica que a palhada promove, levando à obtenção de produto comercial de melhor qualidade. Em cultivos como tomate e pimentão, nota-se maior longevidade na colheita em função do sistema radicular mais profundo. Em cucurbitáceas, como abóboras e melancia, obtém-se frutos mais limpos pelo seu desenvolvimento sobre a palhada. O plantio direto de hortaliças pode ser desenvolvido por produtores altamente tecnificados e mecanizados, assim como por microprodutores, cujo único bem é a força de sua mão-de-obra.

A competitividade de unidades de produção de hortaliças sob sistemas de plantio direto depende da geração de conhecimentos e de bases tecnológicas apropriadas que assegurem sua sustentação. A Embrapa Hortaliças, em resposta à crescente demanda, está conduzindo um projeto piloto de plantio direto de hortaliças. Diferentes plantas de cobertura para formação de palhada, e níveis de cobertura do solo estão sendo avaliados, além de seis cultivares de cebola, na população de 333 mil plantas por hectare, e duas de tomate industrial, na população de 30 mil plantas por hectare. A sucessão de cultivos que vem sendo efetuada é milho verde – plantas de cobertura – cebola ou tomate – milho verde – plantas de cobertura – tomate ou cebola. As mudas de tomate foram doadas pelo Viveiro Pancotti, Hidrolândia, GO. Estão sendo monitoradas as características físicas e químicas do solo e a dinâmica de pragas, doenças e plantas espontâneas.

No primeiro ano, a produtividade obtida em cebola, em plantio direto, oscilou entre 30,7 e 54,0 t/ha, conforme a palhada e a cultivar, com média de 42,9 t/ha, destacando-se o milheto e o sorgo. A testemunha, isto é, o plantio em canteiros após pousio, produziu entre 28,8 e 41,2 t/ha, com média de 36,5 t/ha. Quanto à classificação, no plantio convencional obteve-se 82,4% de bulbos das classes 3 e 4, com maior valor comercial, enquanto que no plantio direto, entre 87,9 e 94,1% de bulbos destas mesmas classes.

Em tomate, a produtividade média em sistemas de plantio direto oscilou entre 104,3 e 133,0 t/ha, com média de 122,3 t/ha; no plantio convencional, média de 102,2 t/ha. Com relação ao nível de palhada, os melhores resultados foram observados quando há em torno de 6 t/ha de palhada. Dados preliminares indicam que a eficiência no uso d´ água, isto é, a quantidade d´ água aplicada para produzir um kg de tomate, nos sistemas de plantio direto foi superior em até 55%, quando comparada com o plantio convencional.

O plantio direto é importante ferramenta na busca de alternativas para o desenvolvimento de modelos de produção de hortaliças com viabilidade econômica aliada à sustentabilidade ambiental, com a devida valorização dos recursos solo, água e energia.

Embrapa Hortaliças

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