Sucessão criteriosa: controle de fitonematoides por meio de sucessão de culturas

Sua adoção exige critérios, para que não resulte em agravamento do problema ou esbarre na inviabilidade econômica da cultura sucessora

06.08.2018 | 20:59 (UTC -3)

No Brasil, os principais fitonematoides do algodoeiro são o nematoide das galhas Meloidogyne incognita, o nematoide reniforme Rotylenchulus reniformis e o nematoide das lesões Pratylenchus brachyurus. Os três nematoides são parasitas obrigatórios de plantas, ou seja, alimentam-se exclusivamente de tecido vegetal vivo. Portanto, o controle desses organismos pode ser feito eliminando-se seu alimento, o que normalmente é conseguido de duas formas diferentes. A primeira, e mais simples, é pela retirada de todas as plantas de uma área infestada. É uma técnica de controle chamada de alqueive.

A outra, que é mais complicada, e a razão veremos a seguir, é pela seleção das plantas que serão mantidas na área, antecedendo ou sucedendo à cultura do algodão. Devem ser, preferencialmente, plantas das quais os nematoides não são capazes de obter alimento e, consequentemente, onde não se reproduzem (= plantas não hospedeiras ou imunes). Alternativamente, podem ser utilizadas plantas nas quais a reprodução é baixa (= plantas resistentes). A complicação dessa técnica, que é chamada de “controle de fitonematoides por meio de sucessão de cultura” é que as três espécies importantes são polífagas, ou seja, alimentam-se de várias espécies de plantas. Então, a lista de plantas que podem ser utilizadas na sucessão é muito pequena.

A seguir são discutidas as vantagens e desvantagens, do ponto de vista nematológico, das principais sucessões envolvendo o algodoeiro.

Sucessão soja-algodão

 Atualmente, no Brasil, é uma das sucessões mais importantes. Os nematoides M. incognita, R. reniformis e P. brachyurus reproduzem-se abundantemente em soja, ou seja, a soja é boa hospedeira desses (= suscetível a esses) nematoides. Portanto, essa sucessão não deve ser considerada, em princípio, para o controle dos nematoides do algodoeiro. Porém, por meio de melhoramento genético, hoje existem cultivares de soja resistentes a M. incognita e R. reniformis, que podem ser utilizadas no controle dessas espécies de nematoides. Por exemplo, as cultivares BRS-282, BRS-256RR, BRS-260 são resistentes a M. incognita; e as cultivares BRSMG-250 (Nobreza), TMG-115RR, TMG-121RR, TMG-113RR, BRS-Jiripoca são resistentes ao nematoide reniforme. Infelizmente, a reação das cultivares de soja, principalmente das mais modernas, nem sempre está disponível ao público.

Milheto-algodão

 É uma sucessão muito utilizada para formação de palhada, principalmente em regiões com inverno seco. O milheto é imune a R. reniformis, e é suscetível a M. incognita e P. brachyurus. Portanto, o milheto é valioso no controle do nematoide reniforme, porém representa risco em locais infestados com o nematoide das galhas e o das lesões. Existem algumas cultivares resistentes a P. brachyurus, que reduzem o risco de seu uso em locais infestados por esse nematoide.

Milho-algodão

 Normalmente é utilizada em áreas irrigadas. O milho é imune a R. reniformis, mas é suscetível a M. incognita e P. brachyurus, ou seja, a reação do milho é semelhante à do milheto, exceto  pelo fato de que não existem cultivares ou híbridos de milho resistentes ao nematoide das lesões.

Amendoim-algodão

 O amendoim é uma das melhores culturas para controle de nematoides. Nos Estados Unidos, tem sido utilizado com sucesso no controle de M. incognita (é imune a essa espécie de nematoide das galhas), mas também pode ser recomendado em locais infestados pelo nematoide reniforme (é resistente a R. reniformis). Seu ponto fraco é a suscetibilidade a P. brachyurus, nematoide que causa lesões nas raízes, no ginóforo e na casca das vagens. No Brasil, é pouco frequente seu uso no controle dos nematoides do algodoeiro.

Soja-mamona-algodão, soja-girassol-algodão e soja-sorgo-algodão

 A mamona, o girassol e o sorgo podem ser utilizados como segunda safra após soja. São sequências em que existe elevada complexidade, pois envolvem três diferentes culturas. Primeiramente é preciso considerar o efeito da soja, que pode aumentar ou diminuir o risco causado pelos nematoides.

A literatura registra que a mamona é imune a M. incognita e suscetível a R. reniformis e P. brachyurus. Numa sequência soja-mamona-algodão, a mamona reduz os riscos causados por M. incognita, porém aumenta os riscos por R. reniformis e P. brachyurus.

O girassol é suscetível às três espécies de nematoides, portanto é uma opção viável somente em locais com baixas infestações desses organismos. Caso contrário, é uma cultura a ser evitada.

O sorgo granífero é imune a R. reniformis, e suscetível a M. incognita e P. brachyurus. As galhas causadas por M. incognita são muito pequenas e podem levar o agricultor à falsa impressão de que o sorgo é resistente ao nematoide.

Soja-braquiária-algodão e soja-Panicum maximum-algodão

 São sequências complexas, como as descritas no item anterior, porém, utilizando braquiárias (Brachiaria decumbens, B. ruziziensis e B. brizantha) e Panicum maximum (Massai, Tanzânia, Aruana etc) como culturas para formação de palhada. Além do efeito da soja, há a ação dessas coberturas, que são imunes aos nematoides das galhas e reniforme, mas suscetíveis ao nematoide das lesões.

Soja-Crotalaria spectabilis-algodão

 É a sequência com maior abrangência de espécies controladas, pois a literatura registra que C. spectabilis é resistente a M. incognita, R. reniformis e P. brachyurus, embora haja controvérsias sobre a reação desse adubo verde ao nematoide reniforme.

Importância da sucessão de cultura

 Tradicionalmente, no Brasil, o controle dos nematoides do algodoeiro tem sido feito por meio do uso de cultivares resistentes e/ou tolerantes. Porém, em tempos mais recentes, a resistência a nematoides não tem sido considerada um atributo prioritário em programas de melhoramento genético do algodoeiro. De fato, as cultivares atuais possuem resistência mais baixa do que as cultivares utilizadas há 5 anos atrás.Assim, cresceu a importância relativa de outros métodos de controle, a saber, nematicidas químicos (no sulco de plantio ou em tratamento de sementes), nematicidas biológicos (no sulco ou em tratamento de sementes), adubação orgânica e sucessão de cultura.

A sucessão de cultura, como método de controle de nematoides, apresenta duas vantagens principais: (1) as informações necessárias para sua implantação estão disponíveis na literatura; (2) os resultados são muito previsíveis. Porém, é muito pouco utilizado, pelas seguintes razões: (1) elevado custo de oportunidade; (2) escassez de laboratórios de fitonematologia (que são necessários para a identificação específica dos nematoides); (3) efeitos colaterais associados à cultura de sucessão, pois essa pode ser imune ou resistente a um nematoide, mas suscetível a outro nematoide existente no local.

A seguir, é apresentado um exemplo da aplicação da sucessão para o controle de nematoides em uma grande propriedade produtora de algodão. Nessa propriedade, em 2003, utilizou-se em toda sua extensão (1978 ha divididos em 24 talhões) a sucessão milho-algodão, que provocou, conforme era de se prever, a elevação populacional de M. incognita e P. brachyurus. Em 2004, como tentativa de controle, utilizou-se a sucessão amendoim-algodão nos talhões 7 e 12, que eram dois dos menos produtivos (21º. e 22º., respectivamente). Do ponto de vista nematológico, a nova sucessão teve a vantagem de substituir uma planta suscetível a M. incognita (o milho) por uma imune (o amendoim). Mantinha-se o risco oferecido por P. brachyurus, pois o amendoim também é suscetível a essa espécie de nematoide das lesões. Como resultado, apesar das lesões nas cascas das vagens, a produção de amendoim foi elevada e proporcionou renda líquida maior que a do próprio milho. O fato mais importante é que a densidade de M. incognita foi reduzida, apesar do controle deficiente da tiguera, e a produção do algodão foi altamente beneficiada. Em 2004, a produção dos talhões 7 e 12 aumentou 17,1% em comparação a 2003, enquanto nos outros talhões, a produção caiu 13,3%. Além disso, o talhão 7, que foi o 21º. mais produtivo em 2003, passou para o 18º. lugar em 2004. O resultado do talhão 12 foi ainda melhor, passou da posição 22 para 11 (Tabela 1).

Embora, nesse exemplo, os resultados com amendoim tenham sido animadores, a experiência foi descontinuada, por decisão pautada no aspecto comercial e relacionada à maior flutuação de preços do amendoim, em comparação ao milho. De fato, no Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, o amendoim é atualmente cultura de importância marginal. Assim, se confirma que o custo de oportunidade tem sido o principal entrave à adoção da sucessão no controle dos nematoides do algodoeiro no Brasil.

 

Tabela 1. Produção em 24 talhões de produção de algodão no município de Serra do Ramalho (BA). Em 22 talhões, a sucessão foi milho-algodão em 2003 e 2004; em 2 talhões, a sucessão foi milho-algodão em 2003 e amendoim-algodão em 2004.

Talhão

Produção @/ha

2003

Milho-Algodão

2004

Milho-Algodão

5

329

224

6

284

245

8

292

246

9

210

181

10

182

217

11

253

206

13

240

265

14

225

168

15

276

250

16

172

176

17

305

185

18

259

200

19

253

260

20

357

270

21

350

280

22

319

281

23

289

257

24

301

317

25

257

232

27

245

231

28

308

250

29

363

323

Média

275,9

239,3

Diferença 2004-2003

-13,3%

 

 

 

 

Milho-Algodão

Amendoim-Algodão

7

206

216

12

191

249

Média

198,5

232,5

Diferença 2004-2003

+17,1%

Talhão

Produção @/ha

2003

Milho-Algodão

2004

Milho-Algodão

5

329

224

6

284

245

8

292

246

9

210

181

10

182

217

11

253

206

13

240

265

14

225

168

15

276

250

16

172

176

17

305

185

18

259

200

19

253

260

20

357

270

21

350

280

22

319

281

23

289

257

24

301

317

25

257

232

27

245

231

28

308

250

29

363

323

Média

275,9

239,3

Diferença 2004-2003

-13,3%

 

 

 

 

Milho-Algodão

Amendoim-Algodão

7

206

216

12

191

249

Média

198,5

232,5

Diferença 2004-2003

+17,1%

 O artigo completo está na edição 192 da Cultivar Grandes Culturas.


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