Tecnologia consolidada: Trichogramma no manejo de lepidópteros

O controle biológico chegou ao Brasil para ficar, embora ainda necessite transpor desafios. É o caso do Trichogramma, minúsculo inimigo natural que mede 0,25mm e parasita, principalmente, ovos de lepidópteros

09.07.2018 | 20:59 (UTC -3)

Várias famílias de insetos possuem representantes de parasitoides de ovos, que são importantes porque ao destruírem a fase inicial do ciclo de vida dos insetos, impedem que os danos ocorram às culturas agrícolas.

Dentre os diversos representantes, Trichogramma é um dos mais estudados e utilizados no mundo, desde o inicio do século passado, chegando a ser empregado em 20 milhões de hectares em diferentes partes do mundo.

A literatura sobre o parasitoide citado é vasta, com inúmeras publicações, inclusive no Brasil, com dois livros sobre o tema, um em 1997 (PARRA & ZUCCHI, 1997) e outro em 2010 (CÔNSOLI, PARRA, ZUCCHI, 2010), e um terceiro dedicado à sua taxonomia, em 2011 (QUERINO & ZUCCHI, 2011).

Existem mais de 200 espécies descritas de Trichogramma, 26 delas referidas no Brasil.

Os estudos com Trichogramma, um minúsculo inimigo natural (0,25 mm) que parasita, principalmente, ovos de lepidópteros, iniciaram-se no Brasil para controle de Neoleucinodes elegantalis em tomateiro, no Rio de Janeiro (GOMES, 1963). Foram a seguir estudados, para controle de pragas de florestas por um grupo de Minas Gerais, liderado por George Washington Moraes da UFMG (MORAES, BRUN E SOARES, 1983).

Posteriormente, em 1984, no Departamento de Entomologia e Acarologia da ESALQ/USP, por influência de um grupo francês, liderado por Jean Voegelé do INRA, teve início o programa de Controle Biológico de pragas agrícolas com Trichogramma, no inicio com objetivo de controle da broca-da-cana Diatraea saccharalis e das pragas do algodoeiro, Heliothis virescens, a lagarta-da-maçã e Alabama argillacea, o curuquerê do algodoeiro. Foi um programa contendo diferentes etapas, multidisciplinar e que hoje, após 30 anos, começa a ser largamente utilizado no Brasil, com liberações inundativas do parasitoide. É importante lembrar que na atual filosofia de Manejo Integrado de Pragas (MIP), Trichogramma poderá ser utilizado ao lado de outras medidas de controle, incluindo o controle químico, com a restrição de que, neste caso, devam ser usados apenas produtos seletivos para evitar a eliminação dos inimigos naturais que tenham sido liberados no campo.

Uma das grandes vantagens deste parasitoide reside no fato de que por destruir o embrião, impede que haja progresso da praga. Além disto, para ser multiplicado em laboratório para liberação no campo, pode ser criado em hospedeiros alternativos, no caso, traças, facilmente criadas em laboratório.

Isto foi descoberto por Flanders no final da década de 1920, nos EUA, e até hoje as traças continuam a ser utilizadas. Flanders indicou como hospedeiro alternativo a traça-do-milho, Sitotroga cerealella, que ainda hoje é usada em alguns países. Na década de 1970, descobriu-se que a traça Anagasta kuehniella era melhor hospedeira que a traça-do-milho e deveria substitui-la. Estudos mostram que realmente esta traça é a mais eficiente, por ser mais rica em nutrientes, para as espécies brasileiras comercializadas, ou seja, Trichogramma galloi, Trichogramma pretiosum e Trichogramma atopovirilia. Os chineses utilizam ovos da traça-do-amendoim, Corcyra cephalonica, ou mesmo óvulos ou ovos de espécies de bicho-da-seda.

Existem empresas no mundo que chegam a produzir cerca de 40kg de ovos da traça por dia, pois são utilizados para criar o parasitoide Trichogramma e vários predadores. É conveniente ressaltar que 1g de ovos da traça A. kueniella contém 36.000 ovos.

Existem muitos estudos básicos do inimigo natural Trichogramma, o que permite sua produção em laboratório (PARRA et al., 2014).

Trata-se de um inseto muito especializado e que é atraído por substâncias voláteis existentes em escamas de lepidópteros-pragas ao realizarem a postura. Estes voláteis que favorecem o Trichogramma e que são chamados cairomônios, já foram até identificados como tricosano.

O ciclo de vida do Trichogramma pretiosum e T. galloi e outras espécies são variáveis de acordo com a temperatura (Tabela 1).

Tabela 1 Ciclo de vida de T. pretiosum e T. galloi em diferentes temperaturas

Temperatura

°C

T. pretiosum

T. galloi

18

27,3

31,3

20

19,4

19,5

22

15,4

15,6

25

9,7

12,1

28

7,1

-

30

8,6

8,0

32

6,7

7,1

Temperatura

°C

T. pretiosum

T. galloi

18

27,3

31,3

20

19,4

19,5

22

15,4

15,6

25

9,7

12,1

28

7,1

-

30

8,6

8,0

32

6,7

7,1

 

Uma fêmea de Trichogramma coloca de 70 a 120 ovos, podendo sair de cada ovo parasitado 1, 2, 3 vespinhas ou às vezes um grande número de parasitoides, dependendo do tamanho do ovo hospedeiro.

Atualmente, existem empresas comercializando Trichogramma, que é liberado de forma inundativa e que, portanto, tem uma ação mais rápida, mais semelhante aos agroquímicos com os quais os agricultores estão mais familiarizados. Este é o chamado Controle Biológico Aplicado ou Aumentativo.

Depois de 30 anos de estudos no Brasil, Trichogramma já é uma realidade em nosso país, chegando a ser liberado em 500.000ha de cana-de-açúcar para o controle da broca-da-cana, Diatraea saccharalis, além de T. pretiosum, que é liberado em soja para controle de Anticarsia gemmatalis, Chrysodeixis includens e Helicoverpa armigera, com outros exemplos em tomateiro, para controle de Tuta absoluta, além de ser utilizado ainda em feijoeiro, algodoeiro e milho (Helicoverpa zea). Ele é eficiente em campos abertos, em agricultura orgânica ou casa-de-vegetação.

Como e quando utilizá-lo?

Como comentado, T. galloi já foi utilizado em grandes áreas de cana-de-açúcar e T. pretiosum também em grandes áreas de soja, milho, algodoeiro, para controle de C. includens, A. gemmatalis e H. armigera, o equivalente a mais de 250.000 ha, não sendo mais utilizado pela não disponibilidade do insumo biológico.

Em outros países, o Controle Biológico, em geral, é mais utilizado, mas principalmente em áreas mais restritas, ou seja, casas-de-vegetação. A nossa Agricultura é peculiar, pois são grandes áreas, algumas vezes 30.000 ha, 50.000 ha, 100.000ha, de uma cultura explorada por um único agricultor.

Evidentemente que, neste caso, existem problemas de levantamento da praga, que deve ser amostrada no início da cultura e após a detecção dos ovos, os parasitoides devem ser liberados.

Como fazer o levantamento populacional

Pelo método convencional, por exemplo, em soja, com método visual, iscas ou o “pano de batida” (para detecção de lagartas).

Isto é difícil em grandes áreas. Portanto, para tornar viável o controle biológico em áreas maiores, outros métodos devem ser utilizados para começar a liberação: feromônios, ou mesmo novas técnicas de Sensoriamento Remoto devem ser desenvolvidas.

E a liberação? Deve ser manual, com motocicletas, ou com algo mais sofisticado como aviões ou drones (estes, em estudos).

E as formigas, predadores muito abundantes em nosso país, devem ser evitadas. As formas de liberação devem proteger os inimigos naturais, com a utilização de cápsulas de material biodegradável, já utilizados, que permitem a saída do Trichogramma, mas impedem a entrada de formigas. Liberação de Trichogramma adultos seria outra opção. A quantidade a ser liberada deve ser variável de 50.000 parasitoides/ha a 200.000 parasitoides/ha; no Brasil, as altas temperaturas do solo podem inviabilizar a emergência do inimigo natural, pois podem chegar a 60°C no verão.

Portanto, para aumentar as áreas tratadas com Trichogramma, existem obstáculos a serem transpostos incluindo: “cultura de inseticidas do agricultor”; incrementar o serviço de extensão para transferência de tecnologia ao usuário; monitoramento adequado à realidade brasileira; oferta e qualidade do inimigo natural; logística de armazenamento e transporte; legislação adequada para inimigos naturais; utilização de produtos químicos seletivos e técnicas de liberação (PARRA, 2014).

Para Trichogramma, é muito importante o local de coleta da “linhagem ou espécie”, pois se esse processo for feito em clima frio o parasitoide pode não ser adequado para liberação em clima quente e vice-versa. A ausência de preocupação com este fato tende a levar a maus resultados de controle.

Portanto, o controle biológico chegou para ficar após a introdução de H. armigera. Entretanto, para o Brasil progredir e mudar a “cabeça do agricultor” é preciso vencer desafios, especialmente considerando o dinamismo da agricultura brasileira e as grandes áreas com plantas transgênicas atualmente utilizadas com soja e milho. Em geral, se bem utilizado, o controle biológico é competitivo com o químico, com as vantagens ecológicas e sociais bastante conhecidas.

O artigo está na edição 190 da Cultivar Grandes Culturas. 

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