Tecnologia exportada

Técnica brasileira de inoculação de cereais de inverno, que aumenta o desempenho futuro da soja, passa a ser adotada pelos Estados Unidos.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Pesquisadores da Universidade de Dakota do Norte, nos Estados Unidos, que fazem testes com técnicas para viabilizar a introdução de soja naquele estado, começaram a adotar uma tecnologia desenvolvida pela pesquisa brasileira há vários anos. Consiste na inoculação de cereais, como trigo e aveia, com rizóbio (

spp.) na safra anterior ao plantio de soja. Rizóbio é a bactéria que faz a fixação do nitrogênio em nódulos nas raízes da soja. Com a ocorrência da nodulação e fixação do nitrogênio em níveis adequados, é possível evitar o uso do adubo nitrogenado e reduzir o custo de produção das lavouras, além de diminuir o impacto ambiental da atividade agrícola. Só para se ter uma idéia, o processo de inoculação evita a aplicação de, pelo menos, 200 kg/ha de adubo nitrogenado todos os anos. Maiores informações sobre fixação biológica do nitrogênio podem ser obtidas nas “Recomendações Técnicas para a Cultura da Soja”.

O estado de Dakota do Norte fica bem ao norte dos Estados Unidos, onde a estação de crescimento é curta e a temperatura varia de –38ºC, no inverno, a +38ºC, no verão. Trigo, cevada e girassol são as culturas tradicionais da região. Devido a doenças, pragas e/ou aos baixos preços nos últimos anos, os produtores estão procurando alternativas. Entre elas despontam soja, milho e feijão. Assim, nos últimos anos, a soja constituiu-se numa nova opção devido à criação de cultivares produtivas adaptadas à curta estação de crescimento.

Segundo o professor de ciências do solo da Universidade de Dakota do Norte (NDSU), Dr. Jay Goos, os produtores americanos que introduziam a soja em suas terras perceberam que a planta não estava fixando bem o nitrogênio. Resolveram recorrer aos pesquisadores da Universidade. Na falta de resposta para o problema, o professor Goos fez uma revisão da literatura mundial e descobriu as pesquisas realizadas no Brasil. Essa tecnologia já fora usada pelos produtores brasileiros, especialmente no cerrado. Por isso, o professor Goos decidiu entrar em contato com a Embrapa Soja, dando início a uma interação entre as duas instituições.

As áreas de primeiro cultivo com soja são, muitas vezes, desprovidas de populações de rizóbio. Nesses casos, a inoculação via semente nem sempre é suficiente para estabelecer uma boa nodulação da soja no primeiro cultivo. Uma maneira de incrementar a nodulação e a eficiência da fixação do nitrogênio nessas áreas, é aumentar o número de células de rizóbio no solo. Como a inoculação direta no solo não é economicamente viável, pois exigiria uma dose muito grande de inoculante, surgiu a idéia de se introduzir a bactéria via inoculação da cultura anterior. Embora os cereais, como trigo e aveia, não formem nódulos e, portanto, não fixem nitrogênio, substâncias liberadas por suas raízes servem de alimento ao rizóbio, o que aumenta sua população no solo.

Embora a idéia da introdução de rizóbio em solos desprovidos dessa bactéria, através da inoculação de não leguminosas, seja relativamente antiga na literatura (ver os estudos de Diatloff na Austrália, 1969) foi no Brasil que ela tomou forma e foi levada efetivamente ao campo. Em 1982, Milton A.T. Vargas, José R.R. Peres e Alert A. Suhet, pesquisadores da Embrapa Cerrados, publicaram um estudo em solos de cerrado sem população estabelecida de rizóbio, onde a inoculação de sementes de arroz mostrou-se capaz de sanar os problemas de nodulação da soja cultivada pela primeira vez, logo após esse cereal. É bom lembrar que os veranicos, altas temperaturas e baixa fertilidade dos solos de cerrado dificultam o estabelecimento de boa nodulação da soja e outras leguminosas. Assim, criam obstáculos à fixação biológica do nitrogênio, no primeiro plantio. Em 1986, Ivo R.S. Costa (Embrapa Recursos Genéticos), em sua dissertação de mestrado pela Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FA-UFRGS), sob a orientação dos professores José A. Costa e Pedro A. Selbach, observou que era possível aumentar a população de rizóbio no solo, através da inoculação de trigo, mesmo em áreas já cultivadas com soja. Em 1990, Lineu A. Domit (Embrapa Soja), José A. Costa, Caio Vidor (então na FA-UFRGS e hoje na Embrapa Soja) e Jessi S. Pereira (FEPAGRO) publicaram os resultados de seus estudos. Eles mostraram que houve aumento da população de rizóbio no solo de áreas em que não havia entrado soja nos últimos 10 anos, no Rio Grande do Sul. Essa publicação foi a que chamou a atenção do professor Goos e o fez entrar em contato com a Embrapa Soja.

Nas áreas onde o trigo foi inoculado, em Dakota do Norte, eles conseguiram estabelecer uma população de rizóbio de nove mil células por grama de solo, enquanto que nas áreas onde não houve inoculação, esse número foi de apenas 100 células por grama. Os resultados foram considerados tão bons que resolveram testar a mesma tecnologia também para alfafa e outras leguminosas.

É importante ressaltar que essa tecnologia é específica para áreas de primeiro plantio. Nos plantios subseqüentes os benefícios podem ser muito pequenos ou mesmo inexistentes.

Alexandre José Cattelan e Lineu Alberto Domit

Embrapa Soja

Compartilhar

Mosaic Biosciences Março 2024