Tecnologias promissoras

Técnicas modernas auxiliam na seleção de bovinos com maior rendimento de carne, melhorando o sistema de produção e atendendo à demanda do consumidor por qualidade.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, e tem aumentado rapidamente sua participação no mercado mundial da carne. Apesar disto, a classificação de carcaças nos frigoríficos e o desenvolvimento de sistemas de determinação da qualidade da carne são ainda incipientes. Em grande parte dos frigoríficos apenas características como peso e a gordura de cobertura são consideradas como critérios para a avaliação da carcaça. A quantidade de carne produzida por animal, indicada pelo grau de musculosidade, tem grande importância já que incide diretamente no retorno econômico da atividade pecuária. No entanto, um mínimo de 3 milímetros de gordura de cobertura (ECG) também é fundamental para a proteção das carcaças, evitando o encurtamento das fibras musculares, escurecimento e o endurecimento da carne, processo este responsável por grandes prejuízos à indústria frigorífica e a própria maciez do produto (“cold-shortening”).

Neste sentido, um dos principais pontos de interesse para os produtores de bovinos e frigoríficos é a produção de carcaças de peso adequado e com ECG suficiente para garantir a manutenção da qualidade da carne durante o processo de resfriamento, de modo a fazer face à crescente demanda por produtos de qualidade.

O crescimento muscular e a deposição de gordura são, portanto, variáveis de grande importância na avaliação do desenvolvimento dos animais. Via de regra, animais de tamanho pequeno à maturidade são mais precoces e conseqüentemente iniciam o processo de deposição de gordura mais cedo. Animais de tamanho grande à maturidade necessitam de maior tempo para atingir o mesmo grau de acabamento nas mesmas condições de alimentação, devido ao prolongamento do período de crescimento muscular.

Considerando que a deposição de gordura é um processo caro para o produtor, e mesmo para a indústria não há vantagens quando a ECG é superior a 7,6 mm, a predição desta medida nos animais antes do abate é muito importante para o criador. Normalmente, tanto o grau de musculosidade como a ECG são determinadas por inspeção visual ou através de palpação, sendo sujeita a erros de avaliação. Desta forma, qualquer metodologia que proporcione estimativas precisas destes parâmetros nos animais antes do abate pode garantir a economicidade do processo produtivo. A ultra-sonografia aparece como ferramenta aplicável, pois suas medidas possibilitam o conhecimento do nível de musculosidade e do acabamento da carcaça do animal através da mensuração da área de olho-de-lombo (AOL) e da ECG no animal vivo. Para tanto fazemos a leitura da imagem, de um corte transversal do músculo Longissimus dorsi, tomada na região da 12a-13a costelas, podendo-se obter no mesmo momento ambas medidas de AOL e ECG.

Como sabemos que há muita variação entre e dentro de raças, estas informações poderão complementar as avaliações que estão sendo corriqueiramente realizadas nos animais testados em provas de ganho de peso ou em centrais de reprodutores. Estas medidas, juntamente com as tradicionalmente realizadas, colaborarão para aumentar a confiabilidade da classificação dos animais testados e, conseqüentemente, a eficiência de produção dos sistemas existentes, através da utilização de reprodutores selecionados que apresentem superioridade para AOL ou para ECG. Desta forma, sendo interessante o aumento da produção de carne do rebanho, pode-se fazer a seleção de reprodutores com AOL mais expressiva, e caso o interesse seja a maior precocidade, deve-se selecionar os animais do grupo que depositam gordura mais cedo.

Apesar destas informações serem ainda pouco conhecidas no Brasil, a inclusão destas medidas em programas de seleção que visem à produção de bovinos com maiores rendimentos cárneos implicará em melhorias no sistema de produção de carne, atendendo à crescente demanda por qualidade e promovendo o aumento do retorno econômico da atividade.

Marcadores moleculares

A enorme variação na maciez das carnes adquiridas nos supermercados, açougues ou mesmo lojas especializadas é o principal fator de insatisfação dos consumidores no Brasil e no mundo. Muitos estudos comprovam que a maciez é a característica mais importante na avaliação da qualidade da carne, e que cor, textura e suculência só aparecem como critérios de avaliação quando o quesito maciez foi atingido. Há inúmeros fatores que afetam a maciez da carne bovina, compreendendo desde a raça do animal, até os manejos pré e pós-abate.

Dentre as variações de maciez observadas entre as raças, sabe-se que quanto maior a proporção de sangue zebuíno no rebanho, menores são os valores de maciez encontrados. Grande parte desta variação deve-se a diferenças no complexo enzimático calpaína-calpastatina que atua na carne após o abate do animal. A calpastatina é responsável pela inativação das enzimas calpaínas (amaciadoras da carne), sendo assim em sua plena atividade, potencial inibidora da maciez da carne. O problema da maciez do gado zebuíno é de possuir grande quantidade de calpastatina quando comparado aos animais de origem britânica. Por outro lado, raças como Jersey, Pinzgauer, South Devon, Red Poll e Piemontesa são conhecidas por produzirem carne macia. Além do efeito da raça propriamente dita, a quantidade de ECG no momento do abate também tem grande influência na maciez, pois sem o mínimo de 3 mm para proteger as carcaças do rápido resfriamento das câmaras frigoríficas, ocorre o enrijecimento da carne.

Por muito tempo a marmorização (gordura entremeada) foi associada à maciez da carne, sendo considerada critério importante para sua aquisição por grande parte dos consumidores do Canadá e dos Estados Unidos. No entanto, com as novas tendências de alimentação “light”, houve uma drástica redução na preferência por carnes marmorizadas, sem incorrer em prejuízos na maciez. Hoje se sabe que, dependendo da situação, a influência da marmorização pode variar de 7 a 33% na maciez da carne, não sendo mais primordial a utilização de reprodutores de raças com alto marmoreio para produção de carne de qualidade.

Mesmo existindo diferentes padrões de maciez e marmorização entre as raças, a variação mais importante é aquela que ocorre dentro de uma mesma raça, que viabiliza a seleção de reprodutores com superioridade para maciez ou marmorização, e deste modo, o aumento da freqüência de animais com estas características na progênie. Mercados especializados, como a Austrália e Estados Unidos, que consideram a maciez e a marmorização como critério de classificação de suas carcaças, lançam mão das mais recentes tecnologias para produzir carne com qualidade garantida, já que estas características são difíceis de serem preditas em reprodutores de um rebanho, pois são geralmente avaliadas nas carcaças e só se expressam no animal terminado. Assim, a utilização de testes de DNA (marcadores moleculares) que identificam o potencial genético dos indivíduos pelo uso de biotecnologia, mesmo em idades muito jovens, se mostra como alternativa cada vez mais promissora em programas de seleção de bovinos de corte.

Desta forma, o melhoramento genético se consolida como excelente alternativa para aumento da eficiência de produção dos sistemas existentes. A utilização de reprodutores que apresentem superioridade para as características desejadas sejam estas referentes a crescimento, precocidade ou qualidade de carne, é a maneira mais eficiente de aumentar a incidência destas características no rebanho. Neste sentido a utilização de marcadores moleculares para identificação destes indivíduos também pode ser importante para complementar os modelos de seleção de bovinos já existentes, garantindo uma maior acurácia da seleção, o que invariavelmente incorrerá em maior retorno econômico da atividade após a utilização dos reprodutores testados a campo.

Liliane Suguisawa

Doutoranda UNESP – Botucatu/SP

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