Totalmente inacessível

Manuais são escritos em linguagem técnica, incompreensível para os produtores.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Se perguntarmos aos engenheiros projetistas de máquinas agrícolas, se algum dia em suas vidas leram totalmente os manuais de suas calculadoras, de seu microondas, videocassete ou até mesmo o manual de seu automóvel, é bem provável que os mesmos digam que não. Por quê? Talvez a resposta da grande maioria seja porque são enfadonhos e difíceis de compreender. Outros, talvez digam que possuem coisas mais importantes para fazer e que, o básico indispensável eles sabem e só recorrerão aos manuais, quando alguma coisa fora da rotina os obrigar a fazê-lo.

Por outro lado, se perguntarmos a esses mesmos engenheiros sobre o porquê do elevado número de acidentes no meio rural com máquinas agrícolas, sobre o porquê da não regulagem e manutenção corretas desses equipamentos, dentre outros, provavelmente, esses mesmos engenheiros respondam: “porque os operadores e mecânicos não leram os manuais que acompanham suas máquinas! Lá, estão descritas todas as ações e procedimentos para que isso não ocorresse!”

Conheço poucas propriedades rurais em que o “manual do operador” ou o “manual do produto” fica na oficina ou na própria máquina. Por que não? Porque se ficarem nesses lugares, podem sujar, ou então, porque essas mesmas pessoas não precisam perder tempo com estas bobagens, visto que sabem tudo já que são netos, bisnetos, filhos de agricultores e a “prática” que possuem lhes habilita para tudo fazer sem necessitar ler o tal de manual.

Por que isso acontece? Porque as pessoas são ruins?! Mal intencionadas?! Incapazes?! Relapsas?! Não! Em nossa opinião, não. Isso acontece, porque os manuais são escritos por quem projetou os equipamentos, e isto, convenhamos, torna-os quase que indecifráveis por nós, resultando portanto em uma grande chatice lê-los.

Quem de nós, usuários do Microsoft Word, já leu o “manual do usuário” deste software? Quem de nós, sabe usar este software em sua plenitude? E, por que não lemos o manual e aprendemos a usar o software em sua plenitude? Porque ele é enorme, e além disso, possui uma linguagem, para nós mortais usuários, indecifrável! E aí, dizemos o quê? Que o manual é uma chatice!

Problemas na linguagem

Entretanto, quando alguém do nosso meio nos dá uma dica ou macete de funcionamento desse software, aí fica fácil e jamais esquecemos sobre como fazer aquilo que um colega nos ensinou. Por que isso acontece? Repito: porque a linguagem do manual é a linguagem do projetista e nós, usuários, não a entendemos!

No Brasil, como também em todo o mundo globalizado em que vivemos atualmente, muitos são os manuais de máquinas agrícolas que são traduzidos para o português, e aí, o caso fica pior ainda, pois, além dos problemas citados anteriormente, temos também:

Palavras, preposições e até frases omitidas;

Sinônimos ambíguos ao invés dos termos claramente equivalentes (isso, sem levar em conta os regionalismos existentes no Brasil!);

Palavras ou proposições falsas;

O significado trocado pela escolha de palavras ou de expressões errôneas.

Algumas sugestões para a resolução desses problemas são:

Não escrever frases longas;

Não utilizar expressões verbais complexas;

Evitar advérbios e preposições que indicam graus como “relativamente provável”;

Evitar abreviações como “alavanca da plataforma de corte cont.”, onde cont. pode ser controlada, contida, contrariada, etc.;

Fornecer aos tradutores glossários bilingües e dicionários técnicos.

Alternativas possíveis

Identificando nisto que nos propusemos a discutir neste artigo uma grande oportunidade e carência de mercado, um Engenheiro Agrônomo de Santa Maria/RS, proprietário de um Centro de Consultoria Agropecuária, realizou treinamento dentro de uma grande indústria e, hoje, dentre outros serviços, oferece aos agricultores que não sabem, não querem ou não podem, o trabalho de acompanhamento e regulagem constante das máquinas durante a colheita, semeadura, aplicação de defensivos, etc.

Na última oportunidade em que conversamos com esse Engenheiro Agrônomo, o mesmo contou-nos que, em uma propriedade em que ele prestava assistência, havia conseguido reduzir as perdas na colheita de arroz irrigado de 10-12% para 2-3%. Convenhamos, o aumento de cerca de 10% na produção de uma lavoura com aproximadamente 2 mil ha, e que produzia em média 5 mil kg/ha, é algo altamente significativo, além do que, não aconteceu um acidente sequer e poucas foram as avarias sofridas pelas máquinas sob supervisão do referido Agrônomo.

Outra história interessante e que merece ser contada a fim de estimular outros produtores rurais, e que serve perfeitamente para avaliarmos essa questão dos manuais, se deu com um conhecido produtor rural, que cultiva arroz nos municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar no Rio Grande do Sul. Esse orizicultor, na ânsia de reduzir o volume de avarias que suas máquinas sofriam durante a safra, na tentativa de reduzir as quantidades de sementes, fertilizantes e defensivos que eram gastos, durante o inverno do ano de 1996 (ou 1997, não me recordo bem!), entrou em contato com a indústria da qual ele possuía quase que 100% de suas máquinas e solicitou que a mesma ministrasse a seus operadores diversos cursos de treinamento (manutenção, operação, etc.), lá dentro de sua propriedade, no ambiente e com as máquinas de trabalho de seus funcionários. Foi atendido.

Não satisfeito, solicitou a professores da Universidade Federal de Pelotas e a pesquisadores da Embrapa Clima Temperado que também realizassem com seus funcionários um treinamento onde os mesmos valorizassem aspectos inerentes a desperdício e como reduzi-lo.

Temos certeza de que aquela safra esse produtor jamais esquecerá, como aliás, nós também não conseguimos esquecer, pois, embora não tenhamos os números na memória, lembramos que, comparando com o ano anterior, o número de máquinas paradas por danificação foi menor, o volume de sementes, fertilizantes e defensivos gastos também, a produtividade foi mantida e a produção aumentou, comprovando que: é preciso encarar capacitação e desenvolvimento de pessoas como investimento e não gasto, e que, quando as pessoas que trabalham com máquinas agrícolas entendem o que os projetistas queriam dizer, sem dúvida, as coisas andam muito melhor.

Essas histórias, talvez sejam os caminhos que devamos trilhar para iniciarmos um processo de aproximação das linguagens de quem escreve os manuais e de quem as usa e lhes dá manutenção, se efetivamente quisermos reduzir custos, insumos e perda de tempo e aumentarmos qualidade, quantidade, confiabilidade e segurança na utilização de máquinas na agropecuária brasileira.

Airton dos Santos Alonço

UFSM

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