Vilã das frutas

A lagarta-das-fruteiras (Argyrotaenia sphaleropa) ameaça as culturas de videira, pessegueiro, caquizeiro e pereira no sul do país. Não raras vezes o ataque é confundido com o de outros insetos, o que dificulta o controle. O uso

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A lagarta-das-fruteiras

(Lepidoptera: Tortricidae) é um inseto nativo da América do Sul, ocorrendo no sul do Brasil, Uruguai, Argentina, Perú e Bolívia (Biezanko 1961, Nuñez et al. 2002). As lagartas são polífagas, alimentando-se de brotos, folhas, flores e frutos de uma ampla variedade de plantas, incluindo árvores, arbustos e plantas herbáceas (Biezanko et al., 1957; Biezanko, 1961).

Nas regiões produtoras de frutas do Sul do Brasil, a praga já foi observada danificando a cultura do caquizeiro (Manfredi-Coimbra et al., 2001), pessegueiro (Botton et al., 2003a) e videira (Botton et al., 2003b) na Serra Gaúcha, e na pereira em Santa Catarina (Nora & Sugiura, 2001). No Uruguai é considerada praga-chave nas culturas da macieira, pereira e videira (Bentancourt & Scatoni, 1995).

Os adultos de Argyrotaenia. sphaleropa são pequenas mariposas com asas anteriores de coloração variável do castanho claro ao escuro, quase preto, com áreas vermelho-escuras. As fêmeas medem 18 mm de envergadura de asas, sendo um pouco maiores que os machos, que medem 12 mm. Os ovos são depositados em massas, recobertas por uma fina camada gelatinosa, contendo em média 25 ovos de coloração amarelo-clara, passando a alaranjada e finalmente, castanha avermelhada próximo à eclosão. As lagartas são de coloração verde-clara, medindo 10 a 14 mm de comprimento quando completamente desenvolvidas. A mudança para a fase de pupa ocorre sobre a planta, onde a lagarta constrói um abrigo juntando folhas com fios de seda. Além disso, em pessegueiro, a pupação pode ocorrer junto ao pedúnculo do fruto, onde a lagarta encontra um abrigo natural, enquanto que no caquizeiro a formação das pupas é observada embaixo ou sobre o cálice dos frutos. Na videira, pode ocorrer entre folhas unidas com fios de seda ou no interior dos cacho.

As pupas apresentam inicialmente coloração esverdeada, que se altera para castanho-claro e, próximo à emergência dos adultos, castanho-escuro.

Os adultos da lagarta das fruteiras possuem hábitos crepusculares e noturnos, mostrando-se pouco ativos durante o dia. A oviposição ocorre à noite, sendo os ovos depositados em massas, sempre em superfícies lisas. Cada fêmea oviposita em média de 240 a 270 ovos. Quando criadas em folhas de videira e macieira, o desenvolvimento do inseto apresenta duração do período ovo-adulto de aproximadamente 31 dias na temperatura de 26º C, sendo seis dias como ovo, 19 como lagarta e seis como pupa.

A. sphaleropa apresenta um limiar térmico inferior de desenvolvimento (Tb) de 11,0°C necessitando acumular 473,3 graus-dia para completar uma geração (Manfredi-Coimbra et al., 2001). Dessa forma, estima-se que o inseto completa 4,1 gerações por ano nas condições climáticas de Caxias do Sul (RS).

Apesar das lagartas alimentarem-se de diferentes estruturas dos hospedeiros, em frutíferas temperadas, apenas os danos nos frutos são significativos. As lagartas raspam a epiderme dos mesmos, provocando um dano superficial que os deprecia para a comercialização como fruta fresca. No pessegueiro, os danos geralmente são observados na região de inserção do pedúnculo ou em locais de contato entre folhas e frutos, facilitando a entrada de doenças, principalmente a podridão-parda Monilinia fructicola. Devido ao desconhecimento, muitos produtores têm confundido o dano do inseto com o da mariposa-oriental

(Lepidoptera: Tortricidae). Avaliações realizadas em pomares da região da Serra Gaúcha demonstraram que aproximadamente 2,0% dos frutos colhidos estavam danificados por A. sphaleropa.

No caquizeiro, as lagartas causam danos sob o cálice ou em pontos de contato entre folhas e frutos onde ficam abrigadas. Danos nos frutos em desenvolvimento resultam em cicatrizes na epiderme, enquanto que próximo à colheita também podem acelerar o processo de maturação e servir como porta de entrada para patógenos. Na região da Serra Gaúcha verificou-se que 7,4% dos frutos estavam danificados pela lagarta das fruteiras, e que 85% dos pomares avaliados apresentavam infestação da praga.

Além dos danos diretos, constatou-se a presença da lagarta-das-fruteiras em pêssegos no momento da colheita e em caquis nas unidades de armazenamento. Este fato pode configurar-se em limitações quarentenárias na exportação destas frutas, como ocorre com o caqui na Nova Zelândia em relação a

(Lepidoptera: Tortricidae), espécie semelhante à

(Dentener et al., 1992).

Na videira as lagartas abrigam-se na face inferior das folhas, onde constroem um abrigo com fios de seda, logo após a eclosão. À medida que se desenvolvem, dobram a folha onde se encontram unindo duas ou mais folhas com fios de seda, permanecendo abrigadas entre elas. As lagartas também alimentam-se nos cachos. Lagartas de primeiros ínstares alimentam-se do pedúnculo que sustenta as bagas, perfurando-os, o que geralmente resulta na murcha da região danificada. Lagartas maiores alojam-se entre as bagas, alimentando-se superficialmente das mesmas, sendo que sua presença fica evidenciada pelos excrementos e fios de seda no interior do cacho. O dano nos cachos potencializa a ocorrência de doenças como a podridão amarga, podridão da uva madura e mofo cinzento, que depreciam a qualidade da uva para o comércio como fruta fresca ou para vinificação.

No Uruguai A. sphaleropa é considerada uma praga importante nas culturas da macieira, pereira e videira, assumindo maior significância em pomares submetidos à técnica da confusão sexual contra pragas-chave, como

(Lepidoptera: Tortricidae) em macieira (Bentancourt & Scatoni, 1995, Nuñez et al., 2002). No Brasil, a lagarta-das-fruteiras não foi observada em macieira até o momento.

O monitoramento de

pode ser efetuado utilizando-se armadilhas ‘delta’ contendo feromônio sexual sintético, visando detectar o momento da ocorrência dos adultos no pomar. O feromônio sexual da lagarta-das-fruteiras foi identificado como sendo uma mistura de (Z)-11-tetradecenal (Z11-14Ald), (Z)-11,13-tetradecadienal (Z11,13-14Ald), (Z)-11- acetato de tetradecenila (Z11-14Ac), e (Z)-11,13- acetato de tetradecenila (Z11,13-14Ac) na razão de 1:4:10:40 (Nuñez et al. 2002). O feromônio sexual sintético de

não está disponível comercialmente no Brasil. Futuramente, será comercializado pela Biocontrole Métodos de Monitoramento de Pragas Ltda (www.biocontrole.com.br) em septos contendo a formulação Z11,13-14Ac + Z11,13-14Al + Z11-14Al (4:4:1) na dose de 1000µg/septo. As armadilhas devem ser instaladas 2,0m acima do nível do solo, repondo-se os liberadores de feromônio cada 75 dias. Experimentos visando validar níveis de controle nas diferentes fruteiras estão em andamento.

Até o momento não existem inseticidas registrados especificamente para o controle de A sphaleropa no Brasil. Em experimentos de laboratório, os inseticidas clorpirifós-etil, fenitrotiom, metoxifenozide e triclorfom, atualmente empregados para o manejo de pragas em fruteiras temperadas, foram eficazes no controle da espécie. Entretanto, a validação do uso destes produtos a campo ainda necessita ser realizada, pois no caso do triclorfom, tem se observado fitotoxicidade quando utilizado na cultura do caquizeiro.

No Uruguai foi observada a ocorrência de parasitóides sobre as diferentes fases de desenvolvimento da lagarta-das-fruteiras. Os ovos são parasitados por

spp. (Hymenoptera: Trichogrammatidae) em taxas variáveis, enquanto que as lagartas são parasitadas por

e

sp. (Hymenoptera: Braconidae) e as pupas por

(Hymenoptera: Chalcididae) e

sp. (Hymenoptera: Eulophidae) (Bentancourt et al., 1988; Basso et al., 1999). O

var. kurstaki (Btk) (Dipel) e

var. aizawai (Bta) (XenTari) também apresentam potencial de utilização no controle de A. sphaleropa, principalmente em sistemas orgânicos de produção.

A lagarta-das-fruteiras

é uma espécie polífaga, nativa da América do Sul, freqüentemente encontrada causando prejuízos às frutíferas temperadas cultivadas no Sul do Brasil. Danos do inseto têm sido observados na cultura da videira, pessegueiro e caquizeiro no Rio Grande do Sul e na pereira em Santa Catarina, sendo que a maioria dos produtores e técnicos desconhece os prejuízos causados pela espécie confundindo-os com outros insetos que danificam estas culturas. Neste artigo são apresentadas informações que permitem a identificação dos danos causados pelo inseto nos pomares, aspectos da bioecologia e indicada a forma de monitorar a praga com uso do feromônio sexual sintético, o que permitirá aos produtores definir os momentos críticos para o controle de

nos pomares.

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e

FAEM/UFPel

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