Zonamento de aptidão climática para a videira européia no Piauí

Estudo mostra que o cultivo da videira européia no Piauí é viável em 27% da superfície do Estado.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O Estado do Piaui não possui ainda tradição no cultivo da videira. Segundo dados do IBGE (2009), no período de 1995-2006, foram efetuados registros de áreas de produção de uva nos municípios de Batalha (4 ha), Ipiranga do Piauí (2 ha), Teresina (3 ha) e Valença do Piauí (2 ha). A produção alcançada nesses municípios foi de 24 t (Batalha), 28 t (Ipiranga do Piauí), 18 t (Teresina) e 52 t (Valença do Piaui). Salienta-se que esses municípios possuem apenas aptidão restrita para o cultivo da videira européia, conforme será mostrado posteriormente.

Contudo, apesar da produção de uva no Piauí ainda ser incipiente, o Estado apresenta elevado potencial para o cultivo da videira européia, o que vem sendo constatado, recentemente, em uma área de produção no Assentamento Marrecas, em São João do Piauí. Trata-se de um projeto piloto que tem como objetivo incentivar o cultivo da videira européia na região semi-árida do Piauí. Nessa área são cultivados quatro hectares irrigados, com as variedades Itália (verde) e Benitaka (roxa), alcançando-se, em quatro anos de produção, produtividades médias de 30 t/ha.

Nesse sentido, para que ocorra o adequado ordenamento territorial do Piauí, com vistas ao cultivo da videira européia, é imprescindível a execução dos estudos de zoneamento agrícola, com o objetivo de delimitar as regiões ou zonas com características climáticas mais apropriadas ao desenvolvimento da cultura. Este estudo define a aptidão climática das diferentes regiões do Estado do Piauí, para o cultivo da videira européia (Vitis vinifera L.), sob irrigação, como base para um programa de expansão do seu cultivo comercial.

Os dados pluviométricos mensais utilizados foram publicados pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) para o Estado do Piauí, abrangendo 136 postos pluviométricos, com 20 ou mais anos de registros completos (SUDENE, 1990). Os valores de temperatura média do ar foram estimados usando-se as equações de regressão linear múltipla propostas por Lima & Ribeiro (1998). Usaram-se as coordenadas geográficas e a altitude da sede dos municípios para processar a estimativa da temperatura média do ar para todo o Estado. Os valores de evapotranspiração de referência (ETo) mensal foram estimados pelo método de Thornthwaite (1948), segundo a metodologia apresentada por Gomes et al. (2005).

Os cálculos dos balanços hídricos climatológicos (BHC) e dos índices climáticos (índice de aridez, índice hídrico e índice de umidade) foram processados conforme Thornthwaite & Mather (1955), assumindo-se a capacidade de água disponível (CAD) do solo igual a 100 mm. Para a identificação dos municípios com aptidão ao cultivo da videira européia, em regime irrigado, seguiram-se as exigências climáticas da cultura e os parâmetros climáticos recomendados por Teixeira et al. (2002) (Tabela 1). No caso do Piauí, admitiu-se o mês de outubro como o mais quente do ano (Andrade Júnior et al., 2004b).

Não ocorrem limitações de temperatura para o cultivo comercial da espécie no Estado (Figura 1A). Não havendo excesso de precipitação pluviométrica que provoque prejuízos em termos de produtividade e qualidade das uvas, as regiões com temperaturas mais elevadas proporcionam maiores concentrações de açúcar nos frutos, em detrimento de ácido málico (Teixeira & Azevedo, 1996). A quase totalidade da superfície do Piauí (97%), durante o mês mais quente do ano (outubro), apresenta valores de temperatura média do ar variando de 28ºC a 32ºC, portanto, dentro da faixa considerada ideal para a videira européia, que se situa entre 20ºC e 30ºC (Costacurta & Roselli, 1980).

Quanto à disponibilidade hídrica no solo, os valores concentraram-se em quatro faixas: -40 < Iu ≤ -20, -20 < Iu ≤ 0, 0 < Iu ≤ 20 e 20 < Iu ≤ 60, representando cerca de 38,1%, 44,7%, 16,2% e 1,0% da superfície do Piauí, respectivamente (Figura 1B). Quanto ao Iu (Iu ≤ -20), o Piauí apresenta 38,1% de sua área com aptidão plena ao cultivo da videira européia (Figura 1B), abrangendo as regiões com tipos climáticos semi-árido e sub-úmido seco (Andrade Júnior et al., 2005), onde as baixas precipitações pluviométricas e umidade relativa do ar reduzem a ocorrência de problemas fitossanitários.

Em regime irrigado, o cultivo da videira européia no Piauí mostrou-se apto em 78 municípios, ocupando 27,0% da superfície do Estado. O cultivo da videira européia apresenta aptidão restrita em 145 municípios (73,0% da superfície do Piauí) (Figura 1C). A classe de aptidão plena (AP1) abrangeu municípios das mesorregiões do Sudeste e Sudoeste Piauiense, notadamente, das microrregiões do Alto Médio Canindé, São Raimundo Nonato, Picos, Pio IX, Floriano e Bertolínia, onde predominam os tipos climáticos semi-árido e sub-úmido seco (Andrade Júnior et al., 2005). Merecem atenção especial os municípios de Acauã, Belém do Piauí, Betânia do Piauí, Caldeirão Grande do Piauí, Campo Alegre do Fidalgo, Capitão Gervásio Oliveira, Caridade do Piauí, Coronel José Dias, Curral Novo do Piauí, Dom Inocêncio, Francisco Macedo, Jacobina do Piauí, Jaicós, João Costa, Lagoa do Barro do Piauí, Marcolândia, Massapê do Piauí, Nova Santa Rita, Padre Marcos, Patos do Piauí, Paulistana, Pedro Laurentino, Queimada Nova, São Francisco de Assis do Piauí, São João do Piauí e Simões, que apresentam características climáticas predominantemente de clima semi-árido (Andrade Júnior et al., 2004a), com níveis de Iu inferiores a -33,3, próximos aos mesmos níveis de Iu observados nas regiões produtoras de uva em Argel, Argélia (-32,8) e Varna, Bulgária (-33,6), que asseguram melhor desempenho produtivo e qualitativo da videira européia nessas regiões. Por isso, esses municípios apresentam potencial climático elevado para a produção de uva de mesa e para a produção de passas e vinhos doces.

Conclui-se que o cultivo da videira européia, sob irrigação, apresenta aptidão preferencial em 25 municípios piauienses, situados, notadamente, nas microrregiões do Alto Médio Canindé e São Raimundo Nonato.

Aderson Soares de Andrade Júnior1, Edson Alves Bastos2, Clescy Oliveira da Silva3

1 Eng. Agrônomo, Embrapa Meio-Norte, Bolsista PQ-CNPq, CEP 64.006-220, Teresina, PI. Fone: (86) 3089-9160. E.mail:

2 Eng. Agrônomo, Pesquisador, Embrapa Meio-Norte, Teresina, PI.

3 Bacharel em Química, Mestranda em Engenharia Agrícola, UFC, Fortaleza, CE.

Confira esse artigo, com gráficos e tabelas, no link abaixo:

Referências Bibliográficas

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