Alerta contra o greening em citros na Bahia

Região aposta em ações como fiscalização e monitoramento do inseto-vetor para barrar os graves prejuízos provocados pela doença

23.12.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

A citricultura é uma atividade de grande relevância para o agronegócio brasileiro, responsável por gerar 6,5 bilhões de dólares ao ano (Neves & Trombin, 2017). O Brasil é líder na produção de laranjas, com 16.713.534 toneladas (área colhida de 589.139 hectares), seguido por China e Índia, com 9.103.908 toneladas (área colhida de 504.683 hectares) e 8.367.000 toneladas (área colhida de 613.000 hectares), respectivamente (FAO, 2018).

A região Sudeste é a primeira produtora, com 13.912.388 toneladas, respondendo por 83% da produção nacional, vindo em seguida a região Sul, com 1.233.191 toneladas, a Nordeste, com 1.147.793 toneladas, a Norte, com 251.601 toneladas, e a Centro-Oeste, com 168.561 toneladas, correspondendo a 7,4%, 6,9%, 1,5% e 1%, respectivamente, em 2018 (IBGE, 2018). Em termos de produção estadual, os principais estados produtores são: São Paulo (12.889.878 toneladas), Minas Gerais (948.129 toneladas), Paraná (834.513 toneladas), Bahia (604.023 toneladas) e Rio Grande do Sul (367.725 toneladas) (IBGE, 2018).

Entretanto, ameaças fitossanitárias comprometem a sustentabilidade dessa importante cadeia produtiva. Atualmente, o Greening, também conhecido como Huanglongbing dos citros (HLB), é apontado como o mais sério problema da citricultura no Brasil e no mundo, devido aos elevados prejuízos econômicos que acarreta. Plantas infectadas podem tornar-se economicamente inviáveis com o avanço da doença.

O primeiro registro da doença no Brasil foi no estado de São Paulo, em pomares de Araraquara, no ano de 2004. Desde então houve uma disseminação muito rápida do HLB, o que preocupou os citricultores com essa situação inesperada. Atualmente, o HLB está presente nas regiões produtoras do estado de São Paulo, no Triângulo Mineiro, no Norte do Paraná e no Sudeste do Mato Grosso do Sul.

Mapa com o status de HLB no Brasil
Mapa com o status de HLB no Brasil

Assim, o estado da Bahia, que ocupa a liderança na produção de laranjas na região Nordeste, é considerado área livre da doença. Contudo, ao contrário da citricultura de base empresarial praticada na região Sudeste, principalmente em São Paulo, no estado da Bahia, grande parte das áreas produtoras apresenta estrutura típica de citricultura de base familiar, com propriedades pequenas (10ha em média). Essa característica pode ser vista como um fator de extrema vulnerabilidade do estado na iminência de introdução do HLB. Considerando um cenário de 20 anos na ausência de adoção de medidas de manejo da doença, estimam-se prejuízos de aproximadamente R$ 1,8 bilhão com a introdução do HLB no estado, podendo ocasionar severas perdas às famílias produtoras.

Nesse contexto, ressalta-se o importante papel dos fiscais que atuam nas agências de defesa agropecuária em nível estadual ou federal e de profissionais dedicados à atividade de assistência técnica e extensão rural. Ações integradas são necessárias para oferecer informações no campo de forma a alertar os produtores, principalmente citricultores familiares, cujas áreas de produção estejam localizadas em locais ainda livres da doença e para o estabelecimento de medidas para impedir a introdução ou para contenção da disseminação da doença.

Pomar típico de citricultura de base familiar em Cruz das Almas, Bahia
Pomar típico de citricultura de base familiar em Cruz das Almas, Bahia

Nesse sentido, a Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) tem intensificado as ações de vigilância fitossanitária, a exemplo das inspeções semestrais de pomares, nos diversos polos de produção: Litoral Norte, Recôncavo, Chapada Diamantina, Extremo Sul e Oeste da Bahia. Cabe ressaltar que as inspeções obedecem à metodologia estabelecida em legislação federal editada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Os sintomas iniciais do HLB nas plantas infectadas são caracterizados pelo aparecimento de ramos com folhas jovens de coloração amarelada. Quando maduras, as folhas assumem uma tonalidade mosqueada, isto é, presença de manchas amarelas irregulares no limbo foliar. A nervura da folha pode se tornar mais espessa e mais clara. Os frutos de plantas infectadas também são afetados, apresentando limitações ao seu desenvolvimento (ficam menores, deformados e assimétricos), não amadurecem normalmente e caem precocemente. Também se observam a ocorrência de sementes abortadas (necrosadas) e o albedo (parte branca da casca) mais espesso do que o normal. Além disso, o sabor do suco dos frutos de plantas infectadas torna-se mais ácido e amargo, o que inviabiliza o seu aproveitamento industrial.

Inspeção de pomares no Litoral Norte, Recôncavo e Oeste da Bahia
Inspeção de pomares no Litoral Norte, Recôncavo e Oeste da Bahia

No Brasil, a doença está associada às bactérias Candidatus Liberibacter asiaticus e Ca. L. americanus. Essas bactérias são transmitidas por meio de material vegetal infectado, podendo, assim, ser transmitidas por meio da enxertia. Essa modalidade de transmissão acaba colocando em risco os citricultores quando utilizam mudas de origem desconhecida ou de qualidade duvidosa. Portanto, a primeira recomendação a ser feita aos citricultores é a de que as mudas de citros sejam adquiridas somente de viveiristas idôneos. O transporte e a comercialização de mudas clandestinas de citros são atividades que expõem os citricultores, principalmente os familiares, a uma situação de extremo risco quanto à introdução não somente do HLB, como também de outras pragas.

Com o objetivo de combater o trânsito e comércio de material propagativo de plantas cítricas (“cavalinhos”, borbulhas e mudas), como também da espécie ornamental de murta-de-cheiro ou falsa-murta (Murraya paniculata), a Adab atua na fiscalização dos pontos de ingresso do estado, em rodovias e hortos, o que habitualmente resulta na apreensão e destruição desse material sem certificação fitossanitária de origem (CFO) ou na ausência do termo de conformidade e nota fiscal.

Considerando a importância da muda cítrica no processo de disseminação do Greening, o estado da Bahia publicou a Portaria Nº 243, de 2011, normatizando o sistema de produção em ambiente protegido (viveiro telado). Alguns viveiros telados foram implantados por grupos empresariais, tanto no Litoral Norte, quanto no Oeste da Bahia. Todavia, a maioria dos citricultores, embora reconheça a qualidade da muda produzida com a segurança dos telados, ainda adquire o material propagativo produzido a “céu aberto”, comercializado em feiras livres e na própria zona rural.

Os ovos são amarelos e colocados nas brotações das plantas
Os ovos são amarelos e colocados nas brotações das plantas

Inseto-vetor

Uma das principais formas de transmissão da doença é através de um inseto-vetor, o qual passa as bactérias a plantas sadias após ter se alimentado em uma planta infectada. No Brasil, esse papel de vetor é desempenhado por um inseto conhecido como psilídeo-dos-citros - Diaphorina citri Kuwayama, 1908 (Hemiptera: Liviidae).

Esse inseto ocorre em diversos estados brasileiros e foi primeiramente registrado no Rio de Janeiro, no ano de 1942, muito antes da constatação do HLB. Anteriormente à introdução do HLB no Brasil, a importância do inseto era ínfima, praticamente nem era considerado praga. No entanto, a situação mudou, sendo que, atualmente, é considerado uma das principais pragas da citricultura.

No estado da Bahia, esse inseto é facilmente encontrado, principalmente nas áreas urbanas, pois está associado à planta ornamental murta-de-cheiro (M. paniculata). Essa planta é considerada um hospedeiro muito favorável ao desenvolvimento do inseto. Assim como mencionado para as mudas de citros, o transporte e a comercialização de mudas de murta, infectadas com a bactéria Ca. Liberibacter, são um potencial risco à introdução do HLB na Bahia.

Em áreas urbanas da Bahia o inseto é facilmente encontrado na planta ornamental murta-de-cheiro
Em áreas urbanas da Bahia o inseto é facilmente encontrado na planta ornamental murta-de-cheiro

O psilídeo-dos-citros é um inseto sugador de seiva das plantas, localizando-se, geralmente, na face inferior das folhas e nos brotos. Passa pelos estágios de ovo, ninfa e adulto. Seu ciclo (ovo a adulto) se completa em um período de 20 a 40 dias, dependendo do hospedeiro e, também, da temperatura. Os ovos são amarelos e colocados nas brotações das plantas, sendo, portanto, esse fator (presença de brotações) limitante ao aumento populacional da praga. As ninfas são amareladas e ficam nos ramos e folhas das plantas, passam por cinco instares. Os adultos, logo após a emergência, são esbranquiçados. Posteriormente, assumem a coloração característica do adulto. Quando as colônias de ninfas ou adultos se localizam na face inferior das folhas, é comum observar a presença de fumagina na face superior das folhas localizadas logo abaixo das colônias.

Tanto adultos como ninfas de D. citri podem transmitir as bactérias, entretanto a eficiência de transmissão é mais alta quando o inseto adulto adquire a bactéria ainda na fase de ninfa. O adulto apresenta longevidade de 90 dias a 120 dias, período em que pode transmitir a bactéria, que se multiplica no interior do inseto. Para identificar a presença de insetos adultos nas propriedades, utilizam-se armadilhas adesivas. Em virtude da forte atração exercida pela coloração amarela e verde amarelada sobre D. citri, as armadilhas (painéis ou cartões) dessas colorações são recomendadas no monitoramento dessa praga. A distribuição dessas armadilhas deve ser feita, preferencialmente, na periferia ou nas plantas das bordas do talhão ou propriedade. Devem ficar bem visíveis, sendo posicionadas externamente à copa da planta. Inspeções visuais nos ramos de plantas cítricas também são realizadas por pragueiros treinados para identificação de ovos, ninfas e adultos.

Apreensão e destruição de material sem certificação fitossanitária de origem
Apreensão e destruição de material sem certificação fitossanitária de origem

Alguns viveiros telados foram implantados por grupos empresariais, tanto no Litoral Norte, quanto no Oeste da Bahia
Alguns viveiros telados foram implantados por grupos empresariais, tanto no Litoral Norte, quanto no Oeste da Bahia

Recentemente, a Adab instalou uma área experimental denominada Área de Manejo Regional - “Arma”, em que, quinzenalmente, as armadilhas adesivas amarelas serão substituídas e verificado o quantitativo de insetos capturados. Esta atividade é fruto de uma parceria estabelecida com a Embrapa Mandioca e Fruticultura, que tem produzido soluções com o auxílio da biomatemática. A “Arma” produzirá informações sobre a dinâmica populacional do inseto-vetor na área citrícola do Recôncavo e servirá para alimentar um Sistema de Alerta Fitossanitário – ferramenta importante ao manejo do HLB, caso a doença venha se estabelecer na região.

Em áreas onde o HLB já ocorre, o controle do inseto é recomendado para baixar a população da praga. Normalmente, se usa o controle químico. Em áreas sujeitas ao controle químico, as armadilhas adesivas são o método mais eficaz para quantificar e detectar baixas populações do psilídeo. Contudo, em áreas de agricultores familiares, que constituem grande parte dos citricultores do estado da Bahia, não há perspectiva de uso do controle químico preconizado, em virtude do baixo poder aquisitivo e produtividade locais, sendo o controle biológico mais pertinente.

Um dos problemas em relação ao manejo do HLB é que o aparecimento de sintomas pode demorar de seis meses a um ano e meio. Entretanto, essas plantas infectadas, porém assintomáticas, já se constituem em foco de infecção, podendo servir de fonte de bactérias associadas ao HLB para o psilídeo-dos-citros. Assim, registra-se uma tendência de aumento progressivo na incidência de casos.

As ninfas são amareladas e ficam em ramos e folhas das plantas
As ninfas são amareladas e ficam em ramos e folhas das plantas

Face a essa condição de infecção silenciosa, em que a planta pode ser uma fonte de inóculo sem necessariamente manifestar sintomas, há três anos a Adab vem monitorando uma possível invasão da bactéria do Greening em Rotas Sentinelas – trajetos que podem representar um incremento no risco de estabelecimento da praga, graças à presença de hospedeiros (plantas cítricas e de murta-de-cheiro), do trânsito de pessoas ou até pelo comércio em hortos. Trimestralmente são coletados exemplares do inseto-vetor e estes são submetidos a teste molecular (PCR) para fins de detecção da presença/ausência da bactéria. Esta é uma ação estratégica para a Defesa Agropecuária, pois, em função dos resultados, são adotadas as medidas de contingenciamento do Greening, mesmo antes do aparecimento dos sintomas nos hospedeiros.

Ao fenômeno da introdução da bactéria em áreas de produção a partir de insetos vindos de fora do pomar dá-se o nome de infecção primária e decorre de deslocamentos do inseto a longa distância, até 3,5km. Já a disseminação da bactéria de planta a planta dentro de um mesmo pomar ou talhão é denominada de infecção secundária, caracterizada por deslocamentos curtos do inseto (até 25m-50m). Normalmente, ocorre uma concentração de plantas afetadas em zonas periféricas de propriedades e talhões, conhecida como “efeito de borda”. Pelos motivos anteriormente expostos, é fundamental, em regiões onde existam pomares já afetados, que se façam inspeções periódicas a cada três meses que permitam a identificação das plantas sintomáticas, que devem ser erradicadas. Especial atenção deve ser dada a pomares residenciais, plantas cítricas localizadas em áreas urbanas. Pomares abandonados constituem-se em grave ameaça à sanidade da citricultura.

Adab monitora possível invasão da bactéria do Greening em Rotas Sentinelas
Adab monitora possível invasão da bactéria do Greening em Rotas Sentinelas

Não se conhece cura para a doença. Desse modo, as medidas que devem ser adotadas para reduzir os prejuízos causados pela doença são consideradas como as bases para o manejo do HLB, ou seja, o uso de mudas sadias produzidas em viveiros protegidos, monitoramento e controle do inseto-vetor e eliminação e/ou substituição de plantas sintomáticas no pomar.

Marilene Fancelli, Embrapa Mandioca e Fruticultura; Suely Xavier de Brito Silva, Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia; Gabriela Souza de Oliveira, Juliana Nascimento dos Santos, Davi Ferreira Amorim; Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Cultivar Hortaliças e Frutas Dezembro/Janeiro 2021

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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